O Obééééévio: a caprinovinocultura no nosso Estado

Fugindo um pouco dos alvoroços da gestão pública federal, que tem sido a base do conteúdo dos colunistas país a fora, me deparei meses atrás, dentro da nossa política local, com um tema que há muito queria escrever: a importância da caprinovinocultura para nosso Estado, ou pelo menos a importância que ela deveria ter.

Estava eu a organizar essas as ideias um amigo me manda uma informação: você sabia que o projeto de Lei nº 1.008/2019 ainda está dando moído na Assembleia Legislativa do Estado, disse ele.  Oxente, pensei eu, já não fazia mais de 02 meses que havia sido aprovado? Enfim, uma novela sem sentido se estendia em relação a este importante marco legal para o setor agropecuário paraibano.

Sessão da Assembleia Legislativa da PB,  dia 18 de maio, onde foi mantido a aprovação do projeto de Lei 1.008/2019 que garante  inclusão do leite caprino nas compras governamentais das escolas publicas estaduais. Fonte: ALP
Sessão da Assembleia Legislativa da PB,  dia 18 de maio, onde foi mantido a aprovação do projeto de Lei 1.008/2019 que garante  inclusão do leite caprino nas compras governamentais das escolas publicas estaduais. Fonte: ALP

Parte do nosso território está na região semiárida brasileira, passando esta por diversos ciclos produtivos: pecuária bovina no Brasil colônia, algodão na primeira metade do Século XX, e mais recentemente nos tem sido apresentado como alternativa a criação de cabras e ovelhas, havendo um forte apelo ligado ao imaginário popular da resistência desses animais ao ambiente hostil da nossa Caatinga, algo que ficou impresso nos argumentos do engenheiro Manoel Dantas Vilar Filho como Manelito Suassuna, um importante pecuarista e ativista da convivência com o semiárido.

Manelito Suassuna, (1937 – 2020) defendia caprinocultura como estratégia econômica para o semiárido paraibano, e era forte crítico da falta de um política pública especifica para o setor. Fonte: Internet
Manelito Suassuna, (1937 – 2020) defendia caprinocultura como estratégia econômica para o semiárido paraibano, e era forte crítico da falta de um política pública especifica para o setor. Fonte: Internet

Mas voltando ao projeto de Lei nº 1.008/2019, ele estabelece que o governo do Estado deverá inserir obrigatoriamente nas compras governamentais o leite de cabra na merenda escolar da rede de ensino público estadual. Por uma diferença esmagadora (24 contra 3), o veto imposto pelo poder executivo foi derrubado na Assembleia Legislativa/Pb no dia 18 de maio deste ano.

Para mim, que trabalho com desenvolvimento rural sustentável, são tantas análises que podem ser feitas sobre uma única página de papel que compõem o conteúdo desta proposta de instrumento normativo, que vou pinçar duas que acredito sejam muito emblemáticas.

A Paraíba investe na caprinovinocultura há pelo menos 40 anos. Basta procurar artigos científicos das empresas de pesquisa agropecuária Nordeste a fora, que já se tem material sobre criação, manejo, raças adaptadas, e por aí vai. Até os dias de hoje, se faz pesquisa, reafirmando a importância dos pequenos ruminantes como estratégia produtiva para nossa região. Então, por que raios apenas ao caminho da terceira década do século XXI houve a concretização de uma iniciativa de incentivo como essa?

Nessas mesmas 4 décadas, muito recurso público foi investido, desde o surgimento da SUDENE até os dias de hoje. Para se ter uma ideia, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú (PROCASE) investiu em torno de 60% dos U$ 49 milhões em projetos de fomento a caprinovinocultura: de formação de campos de forragem adaptadas, passando por aquisição de reprodutores matrizes, assistência técnica, até apoio a estruturação das agroindústrias que processam leite caprino. Com todo esse investimento, os paraibanos deveriam consumir derivados destes animais todo santo dia. É uma discrepância comemos um bodinho apenas em festas e vejamos apenas o leite de cabra como uma alternativa para aqueles que são alérgicos a beta-caseína.

Alguns podem dizer que o problema seja cultural: a carne e leite desses animais não é apreciada por boa parte da população, devido ao sabor acentuado. Bem, caro leitor, se você é um desses, saiba que isso é coisa do passado, técnicas de manejo do rebanho garantem o verdadeiro sabor destes produtos.

Mesmo com esse esclarecimento, talvez o leitor seja daqueles que nasceram assim e morrerão assim. Daí a importância da aprovação do projeto Lei nº 1.008/2019: hábitos alimentares adquiridos na infância são mais fáceis de ser absorvidos e perpetuarem pela idade adulta. É possível que a nova geração de paraibanos sejam maiores consumidores de produtos ovino e caprino do que eu mesmo. Com a avicultura aconteceu a mesma coisa, a oferta na merenda escolar, levou a termos nos dias de hoje uma parcela significativa da população que consome mais frango do que carne vermelha.

Também corre sempre a mesma ideia nas conversas entre técnicos das entidades agropecuárias: há uma necessidade urgente, de investir em propaganda e divulgação. Essa dica fica para alguns dos nossos leitores por acaso sejam gestores públicos tomadores de decisão. Busquem contratar uma personalidade e façam uma campanha midiática com ela consumindo produtos de origem ovina e caprina. Tenho certeza de que seria de grande valia para a mudança de comportamento dos consumidores.

Produtos da agroindústria CAPRIBOM, município de Monteiro/PB. Ao fundo queijos caprinos são comercializados disputando espaço com produtos vindo de países vizinhos sem nenhum tipo de medida protecionista. Fonte: CAPRIBOM.

O projeto de Lei nº 1.008/2019 é significativo, mas deveras acanhado. Precisamos mais do que o consumo de leite nas escolas públicas. Com a capacidade de que temos, deveria existir incentivos fiscais para a comercialização destes produtos tornando-os mais acessíveis. Me incomoda sempre que vejo nas gondolas dos supermercados, queijos e cortes finos vindos da Argentina e Uruguai, quando não encontro aqueles produzidos no Cariri paraibano.

Espero que com a materialização dessa agora Lei Estadual que beneficiaria tantos agricultores e agricultoras familiares, e que traria saúde a mesa dos paraibanos – já que é comprovado cientificamente as qualidades do leite e carne desses animais – possamos ver dias melhores para a caprinocultura paraibana.

Talvez, se cabras e ovelhas pudessem falar, e questionados sobre tudo que escrevi, eles nos diriam que é obéééé´vio investir nessa importante cadeia produtiva.

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