A cozinha lavrense tem sabores tropicais e sertanejos com temperos peculiares, agradando os mais exigentes paladares. Seus pratos refletem traços marcantes da cultura popular e da influência deixada pelos antigos moradores do lugar.
Em 2014, em uma das visitas que fiz a conterrânea e confreira, Neide Freire, dentre as muitas saudosas recordações que carregava de Lavras ela me falou de um delicioso e tradicional Doce Seco, uma preciosidade da culinária lavrense de sua época. E perguntou-me se ainda faziam; e, eu, sem graça disse não conhecer. Curiosa quis saber das particularidades do tal doce.
O doce sempre foi à especialidade da nossa culinária, talvez pela grande produção dos produtos do engenho aqui fabricados: rapadura, mel, melaço, batida e alfenim. Éramos tão acostumados com o sabor que ao degustar se sabia quem era o fabricante. Lembro-me das tardes quando uma senhora percorria as ruas da cidade vendendo alfenim, trazendo um pano no ombro e uma enorme de quantidade de alfenim nas mãos num frenético movimento para ele não morrer. Apreciava o sabor e admirava a destreza daquele senhora no manuseio do doce.
Das frutas se faziam excelentes e saborosos doces em calda e em pasta. A banana, a goiaba, caju, mamão e a inesquecível laranja da terra fazia parte do cardápio das nossas residências.
As balas também eram de fabricação caseira. Dona Argentina Bezerra trouxe uma receita de bala de café que fez e faz grande sucesso para os amantes da cafeína até hoje, são balas de sabor e delicadeza inconfundível; a imburana misturada à rapadura dava uma deliciosa bala que desmanchava na boca, quem não se lembra de Danda descendo a Rua do Alto com sua bacia de ágata branca cheia de balas enroladas em papéis de seda de várias cores. No café de Maricó, por trás da igreja, a gente comprava cachimbo de açúcar e rosário de coco catolé, Zé Trubano vendia pirulito numa tabuleta, Bufão passava tocando triângulo vendendo cavaco chinês.
Nos aniversários muitas delicias podiam se degustar. Os sequilhos de goma de Rosina e Cencinha Bispo, os sequilhos de coco de Dona Diva e os bolos confeitados por Dona Sônia Sampaio, tudo servido com os ponches feitos por Hermínia de Ana Rita como era conhecida. Na doçura se fabricava licor, o de mutamba era o mais saboroso, não posso esquecer o de tangerina, café, ovos e groselha. Minha avó fazia todos muito bem.
Nem só de doce vivia os lavrenses. O nosso tempero também era muito conhecido: baião-de-dois, paçoca pisada no pilão, macaxeira, sarapatel, sarrabulho, buchada, panelada. O hábito do consumo da carne de criação foi adquirido em função de nossas pastagens serem mais apropriadas para pequenos animais como carneiros e cabras. As donas de casa sempre mantinham galinhas e capões nos galinheiros para preparar o almoço dos domingos, a saborosa galinha ao molho pardo ou a cabidela; e nas noites de Natal deliciosos perus recheados faziam parte do cardápio natalino das compridas mesas nas residências das famílias mais abastadas.
Animado mesmo, era embriagar o peru na véspera do banquete. Como criança curiosa e metida fui ao quintal ver a nossa cozinheira, a saudosa Maria de França, ainda vive, mas está fora do círculo do tempo, vivendo as fantasias da sua demência senil, dar cachaça ao peru, ela também gostava de queimar o cancão e a cada dose que dava ao peru tomava outra. A gente ria, cantava e lá pelas tantas estava embriagado ela e o peru. Ela até mais do que ele.
No meu tempo de criança o nosso cardápio era simples e saboroso. Não se encontrava macarrão para comprar em Lavras, nossa verdura era tomate cereja e pimentão plantados nos quintais das casas, a cebola e o alho se comprava em tranças vindas do Riacho do Rosário. A linguiça era caseira, tudo era feito manualmente desde o preparo das tripas, o tempero da carne, o tempo de descanso para marinar, o enchimento e o descanso necessário para uso. Sem geladeira, ficava pendurada em uma corda acima do fogão a lenha.
Nos sítios o pão de arroz com gergelim cobertos com nata ou manteiga da terra, a coalhada feita em panela de barro, o arroz vermelho mexido no leite, a carne assada nas brasas do fogão a lenha, a água fria com o gosto do barro do pote ou da quartinha são cheiros e sabores que guardo até hoje.
As frutas do quintal da minha avó tinha um sabor diferente. Cuidadosa, amante da natureza e muito trabalhadora, quase tudo ela tinha plantado por lá: goiabeira, umbuzeiro, macaúba, coqueiro, cajueiro, limoeiro, laranjeira, romãzeiro e muitas seriguelas grandes, vermelhas e carnudas, era tanta a produção que todas as manhãs ela arrumava cuidadosamente uma bacia de alumínio com as mais bonitas frutas e Joana Serra fazia uma rodilha, colocava na cabeça e saía vendendo pelas ruas da cidade.
Meu tio-avô Manuel Augusto de Almeida, o famoso Nequinho, misturava pão com poesia, filosofia e música. Era proprietário de uma padaria que fabricava pão, bolachas, biscoito, roscas, fatias, conhaque e quinado, chegando a patentear seus produtos. Nos papéis de embrulho escrevia poesia e entre uma fornada e outra tocava seu clarinete. Felicidade corria sem parar, era um gesto e um jeito de ser e viver simples e sem pressa.
Hoje continuo a sentir o cheiro do pão vindo da padaria de Tio Nequinho, o gosto das balas de imburana de Danda, o sabor inconfundível do tempero da linguiça da minha avó, o sabor do pão quentinho com manteiga, do café fresquinho que saía do bule direto na xícara, dos sequilhos crocantes de Rosina, e do desejo da minha alma de voltar a vida simples, sem pressa de viver e sem medo de morrer.