

Que a crise sanitária provocou um impacto na economia mundial é um fato inquestionável, como inquestionável também é o fato de que esta é uma das muitas crises cíclicas do capitalismo, remanescente à crise sanitária, que apostou corrida com a pandemia e no jargão do turfe, vem correndo cabeça a cabeça com ela.
A pandemia já citada e de efeito generalizado, como generalizados são os efeitos das crises do capital, roubou a cena e funcionou como um boi de piranhas, atraindo sobre si todas as atenções, deixando passar despercebida a boiada do lucro fácil, gerando um punhado de bilionários que se somarão a aqueles já existentes.
Ora, no meio de uma grave crise econômico financeira em que se pressupõe um prejuízo generalizado, é inimaginável a ideia de que alguém possa obter lucros e vantagens, por menores que elas sejam e ir além produzindo bilionários. Essa lógica maluca fere de morte qualquer raciocínio, medianamente lógico.
Como o capitalismo tem razões que a própria razão desconhece, tendo à sua disposição intelectuais orgânicos para tudo quanto é gosto, impõe um modelo econômico que insiste em vender como algo moderno, uma velha prática liberal que remonta aos séculos XVIII e XIX, mais precisamente em 1789, período que marcou para a história a revolução burguesa da França. Essa proposta foi elaborada e formulada por Adam Smith, o seu ideólogo e principal teórico, que ordenou a economia de modo a privilegiar o individualismo, abominando o que chamava de intervencionismo estatal. Essa acanhada intervenção, bem ou mal é um mecanismo de proteção à mão de obra, evitando deixar as relações de trabalho, integral e voluntariamente à cargo de um fantasma metafisico criado por Smith, denominado mão invisível do mercado, no qual nem todos os liberais acreditam. O exemplo maior de rebeldia foi o receituário de John Maynard Keynes, que era um liberal, para livrar os Estados Unidos da grande depressão de 1929.
O mercado é uma figura abstrata que se utiliza do aparelho de estado, para promover os ajustes exigidos na economia, numa prática consagrada pelos franceses com o pomposo nome de Laissez-Faire, que significa: “deixai fazer, deixai ir, deixai passar,” ou seja, não mecha com o mercado.
Pois bem, à cata de notícias, uma prática nossa das madrugadas, me chega às mãos a seguinte manchete do Jornal Sul 21, chamativa para uma matéria de autoria de Maria Regina Paiva Duarte:
“Os novos bilionários e o naufrágio na miséria”
Se atentarmos ao corpo da matéria, encontraremos o seguinte complemento chocante:
“Em meio ao caos pandêmico e uma gestão desastrosa das crises sanitária e econômica, com mais de quatro mil mortes diárias pela Covid-19, choca a notícia de que 11 novos brasileiros foram incluídos na lista de bilionários da Revista Forbes, o ranking global dos bilionários de 2021, divulgado no dia 6 de abril incluindo 30 brasileiros, sendo 11 novatos, que irão se somar ao seleto grupo de milionários pré- existentes. No mesmo dia também foi notícia que metade da população do Brasil não tem garantia de comida na mesa.”
É oportuno informar que a Revista Forbes é uma publicação quinzenal estadunidense, que traz em suas edições, artigos e reportagens sobre finanças, indústria, investimentos e marketing. Portanto, para a classificação desse punhado de felizardos novos ricos que surge, a revista que tem seus métodos de análise, deve ter levado em conta para avaliá-los, a inserção deles no mercado financeiro, coqueluche atual do mundo capitalista.
Uma notícia chocante mas de certa forma previsível, tendo em vista que no ano passado, quase todo ele permeado pela pandemia do covid 19, quarenta e dois bilionários brasileiros acumularam 176 bilhões de reais com B de bola, adicionando às suas fortunas um lucro superior ao que foi gasto com todo auxilio emergencial destinado aos pobres e miseráveis durante o ano de 2020.
Essas comparações que muitas vezes podem parecer supérfluas e até cansativas, são fundamentais para tornar mais clara a questão de fundo e para nos permitir avaliar a magnitude da “sorte dos novos felizardos” em detrimento de 40% da população do Brasil que vive abaixo da linha da pobreza.
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Chris Herman |
Chris Harman, escritora carioca residente na Alemanha, discorrendo sobre a teoria do valor do trabalho de autoria de Karl Marx, nos ensina: “A noção de que o trabalho é a fonte de riqueza — costumeiramente chamada de «teoria do valor» — não é uma descoberta original de Marx.
“Até os economistas pré-capitalistas antes que eles tinham-na aceitado,” inclusive o escocês Adam Smith, ou o economista inglês David Ricardo”
“Mas não demorou muito para que os pensadores próximos à classe trabalhadora virassem o argumento contra os amigos de Smith e Ricardo: ora, se o trabalho cria riqueza, então o trabalho cria o capital. E os “os direitos do capital” nada mais são do que os direitos do trabalho usurpado.”
Desde o princípio da crise sanitária a ciência tem recomendado como medida preventiva o isolamento das pessoas, como forma de evitar a propagação da virose que, simultaneamente à vacina é a única forma de contenção e imunização.
O mundo do trabalho, mesmo consciente da necessidade do isolamento, obriga o trabalhador a sair de casa para prover através da força do seu trabalho, o sustento da família.
Quando ele não tem o amparo do estado para isolar-se, se transforma por imperativa necessidade, num vetor potencial de transmissão da virose, ou num provável infectado, de si próprio e da própria família.
Os patrões por sua vez, amparados “nos direitos do capital” se utilizam do “trabalho usurpado” de quem realmente põe a mão na massa, que lhes permite um isolamento em confortáveis casas de praia ou de campo e de lá, à distância e protegidos, comandam seus negócios e se opõem ao isolamento, obrigando os empregados a se exporem e até a dar declarações contrárias e participar de protestos contra a ciência.
Com o poder que o capital lhe confere, pressionam as esferas de governo, notadamente de governantes pusilânimes, para manter os seus negócios funcionando, com a consciência até intuitiva que o dinheiro não gera riqueza e a paralização da mão de obra será o seu fracasso. É assim que conseguem ascender no ranking da fortuna, infalivelmente tendo de lançar mão do “trabalho usurpado, ” do trabalhador exposto ao risco da própria vida.
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Vinicius de Morais o nosso indefectível poetinha, tem um poema da sua fecunda lavra, sob o título Operário em Construção, onde ele invoca o evangelho de Lucas, cap. 4, vs. 5 – 8, no qual o evangelista relembra as tentações do Cristo. Talvez o poetinha tenha tido a intenção de correlacionar os fatos, à prática do verdadeiro cristianismo, narrando – os assim:
“E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.”
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo,
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
Entre os novos bilionários, conforme vimos no início deste artigo, cinco são vinculados ao sistema financeiro, justamente o segmento que detém a posse do capital, o qual não gera nenhuma riqueza e se multiplica unicamente através da especulação financeira e da “mão de obra usurpada.”
O setor financeiro, no decorrer do tempo, foi gradualmente assumindo a hegemonia política e administrativa do mundo capitalista, em detrimento do setor industrial e não foi por acaso que a outrora poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP perdeu espaço passando a ser secundária e até terciária na escala do poder político, ela que havia suplantado economicamente e desalojado o baronato agrário da produção de café.
Três deles são originários do setor de grandes lojas de departamento que, além da posse de grandes volumes de capital, possui ainda e também o controle dos meios de produção de bens, o que lhes permite utilizar-se da mais valia absoluta e relativa, extraida da “mão de obra usurpada” para o processo de acumulação de bens duráveis e de capital.
Os três restantes, dois pertencem ao setor varejista com as mesmas características do caso anterior e o último deles ao setor de maquinas onde a mais valia é plenamente efetivada..
Maias, Astecas, Incas, Apaches, Sioxs, Potiguaras, Tabajaras, Xavantes e outras nações que preferiram a morte à submissão.
Não satisfeitos foram a África e de lá trouxeram navios e mais navios empilhados de africanos com o fito de escravizá-los para lança-los nas senzalas na mais cruel e desumana iniquidade e a brutal escravidão.
Por fim e diante de tudo quanto foi exposto, não é difícil entender a serviço de quem está a economia de um modo geral e de modo particular no Brasil. Basta olhar o Plano Plurianual – PPA e as sucessivas Leis Orçamentárias – LOAs anuais nas suas execuções e verificar na pratica como é tratado o capital que consome autofagicamente mais da metade do orçamento e o trabalho que a custa de muita pressão tem de se contentar com a sobra e só consegue migalhas.O capitalismo é um jogo aritmético onde só existe adição e multiplicação.
Citando o texto "os direitos do capital nada mais são do que os direitos do trabalho usurpado". Tambem a expressão: quem gera a riqueza não é o dinheiro e sim a força do trabalho. Vejamos o seguinte: estamos assistindo a quê além das mortes por covid? demissão em massa do trabalhador ou submissão ao trabalho com risco da própria vida e da sua familia para não perder o emprego. São muitos questionamentos que o texto muito bem elaborado partindo do enriquecimento escandaloso de 11 grupos econômicos , nos faz entender e questionar: será que o trabalhdor, o pobre, estaria na condição de miséria e fome que estamos assistindo se soubesse do valor ou seja da mais valia da força do seu trabalho? Se o operário, o trabalhador tivesse esse nivel de consciência, com certeza não estaríamos assistindo tamanha discrepância: acumulação de capital numa calamidade em que, quem não submergir pela doença vai LITERALMENTE MORRER DE FOME. Qual o nosso papel? Com certeza nao podemos cruzar os braços pois com TODA certeza seremos cobrados.
Nos anima a visualização alcançada com o nosso artigo e o comentário e Anita Machado que compreendeu a nossa mensagem como compreenderam todos os leitores aos quais agradecemos. Adelante!