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O nome de Deus usado em vão sempre?

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              Céu e inferno são concepções para uso da plebe.

                                                                                (Eça de Queiroz, 1880).

Durante séculos a Igreja acobertou os crimes do seu Clero. Ele casava e batizava em todos os sentidos, e sempre em nome de Deus, abusando da boa fé dos fiéis, da inocência das beatas e dos desavisados que o tinha como representante de Deus na terra. Os testamentos deixados pelos padres mostram a vida de concubinato em que viviam, misturando o serviço de Deus, guardar dinheiro, entrar na política e ter filhos foram fenômenos interessantes na vida de boa parte de padres e vigários dos séculos XVIII e XIX. Contudo, não podemos generalizar, aqui no Nordeste existiram exemplos de grandes servos de Deus e sacerdotes de fé. Verdadeiros condutores de rebanhos e decodificadores do Evangelho de Cristo.

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O poder que a Igreja Católica exerceu durante o Império e em toda a Primeira República foi muito forte. Os vigários mantinham seus fiéis sob o domínio do temor a Deus e a ameaça do inferno.  A religião era detentora da educação no Brasil; os seminários instruíam os filhos dos mais abastados, alguns acabavam se ordenando e levando uma vida nada convencional para um sacerdote, já outros nem chegavam a se ordenar, seguiam o bacharelado para ocuparem cadeiras nas Assembleias.

O advento da República trouxe consigo um princípio liberalista e anticlerical e o forte desejo da separação da Igreja e o Estado, além da retirada da religião católica como sendo oficial para o Estado brasileiro. Afinal, o país agora era laico. Essa laicização trouxe uma série de preocupação para a hierarquia católica no Brasil que perderam a administração dos cemitérios, a jurisdição sobre atos mistos como registro de nascimentos, matrimônios e óbitos, interpretação dos testamentos, inscrição dos eleitores e participação ativa nas mesas eleitorais até 1846, a partir de 1850 o registro de terras e o ensino religioso. Acontecimentos que afetaram a estrutura econômica e o controle social que a Igreja Católica tinha.

Apesar da Reforma que Igreja Católica fez no Brasil retomando os Valores Tridentinos e a criação de novas Dioceses seus padres e bispos continuavam sob a proteção política e econômica dos coronéis e muitos deles sem vocação e sem preparo educacional faziam do sacerdócio um meio de sobrevivência e uma arma poderosa contra seus desafetos. Foi o caso do Padre Manoel Raimundo de Nonato Pita; um conservador, seguidor fiel das ideias e dos ensinamentos do então papa Pio IX que não suportava e nem tolerava ninguém que não professasse a fé católica, além de forte perseguidor dos maçons.

Em 1900, assume a Paróquia de Nossa Senhora do Bom Conselho de Princesa. Para Padre Nonato Pita a alma só tinha valor se fosse alma de rico, apreciava um fuxico, bajulador do coronel, adulador do juiz e do promotor, amigo do delegado e parceiro comercial do boticário que faziam rachadinhas entre receitas e bênçãos.  E assim levou a vida fazendo fofoca e espalhando intriga no seio das famílias de bem da pequena vila. Era glutão, alcoviteiro, mal intencionado e ainda levava a fama de bolinar as mulheres no confessionário.

Tal fama veio se arrastando desde as igrejas do Ceará, ou melhor, desde a época do Seminário. Nos tempos de estudante em Fortaleza, mais precisamente no Seminário Episcopal do Ceará onde o padre Pita fez o ensino secundário. As divergências religiosas e o comportamento duvidoso do seminarista foram motivos de desavenças com seus colegas. Um dos seus contemporâneos de nome Ildefonso foi seu grande desafeto. O comportamento do colega Pita não condizia com os ensinamentos e objetivos difundidos naquela Instituição Religiosa. As divergências foram tantas e tão serias que em 1893 os dois alunos foram punidos. Ildefonso foi expulso e transferido para o Liceu do Ceará e o seminarista Nonato Pita foi excardinado (Fato ou efeito de ser pelo bispo demitido o clérigo ou sacerdote de sua diocese para poder passar à outra) para o Seminário de Manaus. No ano seguinte seguiu para capital da Amazonas levado por Dom José Lourenço da Costa Aguiar. Infelizmente, não consegui o processo de excardinação do Padre Pita e nem o processo de expulsão de Ildefonso, pois, sei que neles consta o motivo da desavença.

O Seminário São José de Manaus solicitou a Câmara Episcopal do Ceará um Auto de Habilitação Vita et Moribus, ou seja, informações sobre a vida e os costumes do seminarista para seguir com sua ordenação. O tal processo informa que a passagem do clérigo Manoel Raymundo de Nonato Pita pelo Município de Missão Velha foi conturbado, cheio confusões e de denúncias por parte de populares. A solicitação está datada de 24 de setembro de 1894. O Conselho da S. M. Imperial criou uma Comissão de Inquérito e publicou as diligências que pudessem comprometer a vida do clérigo que pretendia se ordenar. Apesar das denuncias e dos interrogatórios, o despacho final foi expedido e Padre Manoel Raymundo de Nonato Pita veio a se ordenar no dia 17 de novembro de 1895, na Catedral de Manaus, o Sr. Bispo Diocesano conferiu as quatro primeiras ordens ao então seminarista daquela diocese Nonato Pita.

A transferência para Manaus foi apenas uma manobra da igreja na intenção de ordenar o seminarista em outra Diocese mais distante. A Diocese de Fortaleza sabia que no Ceará isso não seria possível, já que seu arqui-inimigo era neto de Dona Fideralina Augusto Lima, a mulher mais prestigiosa e poderosa naquele momento no Estado. E naquele final de século a Igreja era subordinada ao Estado. Um pedido dela ao presidente do Ceará seria uma ordem.

Em 1900, já ordenado, o Padre Pita assume a Paróquia de Nossa Senhora do Bom Conselho na pequena Vila de Princesa Isabel no Estado da Paraíba. Ao chegar à vila fez logo amizade com as pessoas mais influentes e ricas do lugar. Dos novos amigos que fizera o delegado foi com quem ele mais se afeiçoou, tornando-se amigo inseparável. A partir daí, o padre fazia de tudo para agradar a autoridade e se prestava aos mais sórdidos e ridículos papéis. A amizade entre eles acabou criando laços mais estreitos e o delegado acabou confessando sua paixão por uma prima. Alcoviteiro como era se antecipou e falou com o pai da moça que não aceitou, desejava alguém melhor para sua filha, criando uma animosidade entre eles. A partir da recusa, o padre passou a perseguir e ameaçar não só o pai como a própria moça usando de expediente sórdido, violento e até indecente.

Sem que o padre esperasse, nos primeiros dias de 1901, chega a Princesa um jovem médico que veio destinado a acudir a população do mal que estava matando a todos: a peste bubônica.  Dr. Ildefonso Augusto de Lacerda Leite era seu nome. Isso mesmo, o mesmo Ildefonso que foi expulso do Seminário de Fortaleza por divergências com padre Pita. O antigo desafeto do Seminário agora estava formado, era ateu e maçom, e como se bastasse namorou e casou-se com a pretendida do delegado e amigo do padre. A reação foi das piores a dupla usou de todas as artimanhas para desfazer o noivado, como não conseguiram passaram a perseguir o jovem médico. O padre fez tanta maldade, tanta intriga e tanta fofoca que um ano depois, em 1902, o delegado assassina com resquícios de crueldade o jovem médico e ainda persegue a família da sua esposa, levando a sogra há falecer quatro dias depois da morte do genro.

E a maldade da dupla não parou por aí. Houve ameaça de morte ao sogro da vítima e toda família, a jovem esposa estava grávida de oito meses, sozinha para tomar conta do pai doente e dos nove irmãos menores que ficaram órfãos de mãe e ela viúva. Sem socorro das autoridades locais que estavam mancomunadas com o padre e o delegado. Ela e sua família se refugiaram em Currais Velhos sob a proteção de Zuza Lacerda. A repercussão foi tão grande que os jornais da Paraíba, de Pernambuco e do Ceará não deram tréguas aos assassinos. A guerra começou.

D.Adauto Aurélio

 

O Jornal O Comércio da capital paraibana quando recebeu a denúncia que o vigário da vila de Princesa, o então padre Manuel Raymundo de Nonato Pita fora cúmplice de um crime que teve como vítima o médico Dr. Ildefonso Augusto de Lacerda Leite tomou o caso como bandeira para combater o bispo da Paraíba, Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques que via no seu diretor, Artur Aquiles um forte inimigo da Igreja. A campanha para punir os culpados foi intensificada contra os desatinos do clero, e para colocar ainda mais lenha na fogueira teve a parceria com as hostes dos maçons que consideravam o bispo um capitalista ganancioso e que visava os proveitos financeiros da Igreja.

A troca de insultos foi grande nos jornais ampliados pelos maçons dos três estados (Paraíba, Ceará e Pernambuco) que não deram trégua a Igreja e nem ao governo da Paraíba. Apesar de toda a pressão, a Igreja na pessoa do bispo escondeu o padre na Capital e dentro do Palácio Episcopal, sob a proteção de Dom Adauto enquanto corria o processo na justiça paraibana por pressão da imprensa. Meses depois, mais precisamente em agosto do mesmo ano, Dom Adauto transfere o padre Manoel Raymundo de Nonato Pita para a Paroquia de Bom Jesus dos Navegantes em Touros no Rio Grande do Norte que fazia parte da sua Forania. Essa informação foi publicada no Jornal A Imprensa, um diário dirigido pela Diocese da Paraíba. Temos notícias que o Padre Pita chegou em 1902 na Paróquia de Nossa Senhora das Grotas em Juazeiro da Bahia onde permaneceu até 1913. A informação da sua transferência para o Rio Grande do Norte pode ter sido para desviar as atenções que estavam voltadas para a Igreja naquele momento, tanto por parte da imprensa como dos maçons, sem contar o temor da família de Dr. Ildefonso Leite que além de influente era valente e poderosa. Apesar de toda pressão o poder da Igreja foi mais forte e o padre foi inocentado do crime.

Na Paróquia de Nossa Senhora das Grotas, o padre Nonato Pita vai aos tribunais contra o Município reclamando a usurpação de alguns terrenos da Paróquia, onde sai vitorioso.  Em 1921, ele vem para a Diocese do Crato e assume a Paróquia de Nossa Senhora Sant’Ana em Santana do Cariri até 1922. No último dia do ano de 1922, ele chega a Brejo dos Santos e a população começa a experimentar a maldade e as perseguições do padre Nonato Pita sempre com o apoio das autoridades locais ele comete arbitrariedades, fazendo intrigas das pessoas com quem o não simpatizava.

Uma das suas vítimas foi João Anselmo e Silva, pai do jornalista Otacílio Anselmo, farmacêutico e proprietário da Farmácia Osvaldo Cruz com quem o padre tinha uma rixa e começou a fazer campanha caluniosa e desleal com o intuito de expulsar o farmacêutico da cidade. Isso com o apoio do prefeito local. O que não aconteceu graças ao bom relacionamento e a estima que o povo tinha ao farmacêutico. Insatisfeito por não conseguir o seu pleito, tentou trazer outro farmacêutico para o Brejo, até arranjou animosidade com a antiga professora Balbina Viana que se recusou  alugar um prédio para o novo estabelecimento. Notícia veiculada no Jornal O Ceará – 7 de julho de 1928.

No dia 23 de julho de 1928 foi destinado ao presidente do Ceará um telegrama oriundo de Maurity, assinado pela família Nazario em que denunciava o padre Nonato Pita e o delegado João Tavares de promoverem acusações infundadas contra sua família e responsabilizou o padre e as autoridades judicial e policial de se apossarem ilegalmente da propriedade de Dona Fausta.

Como se não bastasse, ele proibiu a participação da banda de música local nas cerimônias religiosas, por considerar que a música tocada por ela era mundana e o barulho um blasfemo contra os ideais divinos, e ainda jurou publicamente que dissolveria aquela turba. Revoltados os jovens e intelectuais brejossantenses foram aos jornais cearenses e passaram a trocar farpa com o padre que acusava os seus opositores de subversivos, baderneiros e inimigos de Deus, em troca os jovens o atacavam com insinuações sobre o passado negro do vigário.

A banda não emudeceu, ao contrário, seus músicos se organizaram e passaram a realizar retretas ao pôr do sol, distribuindo alegres e encantadoras melodias aos ouvidos da população. A atitude e a popularidade do padre caíram e sua permanência naquele lugar ficou insustentável. As acusações foram tantas e tão graves que o fez  refugiar-se em Porteiras deixando o Brejo para trás. Uma das matérias publicada no Jornal O Ceará do dia 16 de fevereiro de 1928 acusa o padre de ser o mandante do crime que vitimou o jovem médico Dr. Ildefonso Leite. 

(…) Esse que não passa de um criminoso, pois foi expulso do município de Princesa (Paraíba) por ser autor mandante de crime de homicídio na pessoa do distinto médico Dr. Ildefonso Lacerda Leite, privando a sociedade, não só de um elemento de destaque, como ainda de ser um caridoso que exercia a nobre profissão de médico. Processado, tendo havido até intervenção do governo estadual, que enviou o chefe de polícia, Dr. Antônio Simeão, para melhor estudar o caso, o Pe. Pita achou na fuga a salvação. “A vida do Pe. Nonato tem sido uma sequência de crimes e ações reprováveis e, acossado, sem dúvida, pela consciência, refugiou-se em Brejo dos Santos, dando-se ares de santo e virtuoso.” (O Ceará – quinta-feira, 16 de fevereiro de 1928).

Finalmente, as maldades e intrigas do padre Nonato Pita chegam ao fim. Em 22 de janeiro de 1935 ele falece em Barbalha e por ironia do destino o vigário daquela Paróquia era o Padre José Correia Lima, filho do cel. Francisco Correia Lima e neto de Dona Fideralina Augusto Lima. Padre Nonato Pita cruzou na vida com o neto mais velho da matriarca lavrense e usando de métodos baixos e escusos o levou à sepultura;  no final de sua vida foi seu corpo encomendado e sepultado pelo neto mais novo da matrona. Sendo o primeiro ateu e anticlerical e segundo religioso e padre. Por mais que se escondam os fatos um dia eles vêm à tona.

 

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7 COMENTÁRIOS

  1. Quod gratis assiritur, gratis negatur! Artigo muito rico em informações. A autora assume grande responsabilidade em utilizar fartamente de adjetivos e epítetos sobre o personagem central. Num processo judicial estaria exposta ao risco de responder por calúnia e assédio moral se provas robustas não se apresentassem. Num processo historiográfico isso também é exigido. Assim, à autora se exige, que em canal competente, apresente as fontes que lastreiem todas as suas assertivas, sob risco de invalidar o esforço feito para trazer a luz os fatos históricos relatados.

  2. Sei que você não gosta de falar sobre o assunto, pois sabe da injustiça e do pouco caso com que foi tratado o processo. As informações que coloquei no artigo estão nos jornais da época, em blogger na internet, no livro do seu conterrâneo Tião Lucena e em dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Todas as datas que diz respeito a esse padre são falsas, nada bate, inclusive data e local da sua morte constam num livro do Seminário da Prainha, mas nos documentos da Paróquia de Barbalha não encontrei nada. Eu não seria leviana em escrever tal assunto se não tivesse lido em documentos. Como disse Belchior: "eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém."

  3. Mediante a pesquisa da escritora Cristina Couto, admito que o Padre Raimundo Pita era um verdadeiro Satanás Como seguidora de Jesus Cristo militando na Igreja Católica,admito que ela comete como já cometeu e acobertou muitos erros dos seus clérigos haja visto o problema dos padres pedófilos, erros expostos e fortemente combatido pelo Papa Francisco. Reconheço e sinto no entanto eue a Igreja é SANTA e PECADORA..Convenhamos que mesmo nessa época existiam padres de conduta comprovadamente ilibada como por exemplo Padre Alzir Sampaio vigário durante 40 anos na Paróquia de Lavras da Mangabeira também, Padre Ibiapina e tantos outros só no Ceará Temos hoje aA IGREJA DOS POBRES ao lado de um IGREJA CONSERVORA. Mais acredito em tudo que ELE falou inclusive "QUE AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO CONTRA ELA (Mt 16, 16-20)

  4. O Conceito de Cristina Couto vai além fronteiras como jornalista, professora, escritora, pesquisadora e historiadora. Ela nos traz hoje um artigo histórico, tendo como base o seu livro A Tragédia de Princesa, uma história real.
    A existência do padre Pita não pode ser negada e digo isso porque meu pai conheceu ele é já falava do seu procedimento. O assassinato de Ildefonso Lacerda é também um fato inegável, como inegável é o fato de que Princesa Isabel perdeu metade da sua população pela peste negra e a outra metade Ildefonso salvou como médico. Quanto as fragilidades da igreja não é fato novo e os verdadeiros clérigos, virtuosos sacerdotes têm ciência disso. Parabéns Cristina pelo fato de escrever uma história que foge do receituário oficial.. Excelente é revelador artigo.

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