Neste período macabro no qual estamos vivendo, onde perdemos a cada dia entes queridos, parece que não existe nenhuma outra dor a ser aceita que não seja aquela de perder vidas humanas.
Nestes últimos dias, no meio do turbilhão de tantos acontecimentos pessoais e profissionais que eu tenho passado, uma das minhas cadelas veio a óbito. Talvez quem me lê neste momento, ache que lamentar a perda de um animal, possa ser minimamente descabido, haja vista a situação que passa a nossa própria espécie.
Talvez estejas correto, mas a perda de um cão é algo mais que apenas o fim de uma vida animal. E quero deixar claro que não sou daqueles que os consideram “humanos de quatro patas”. Pelo contrário, sempre alertei para os riscos da antropormofização dos nossos animais de estimação, um mal maior para eles do que para nós. Talvez minha visão ecocêntrica me faça sentir que a vida, seja ela de qualquer organismo, precisa ter algum tipo de manifesto em respeito a ela.
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Diferença de visões de mundo. Egocêntrico, o homem se percebe como acima de todas as criaturas. Já na visão ecocêntrica, o homem se encontra no mesmo patamar dos outros seres vivos. Fonte: CEEP Sustentável.
Os cães estão conosco desde o paleolítico, numa relação tão profunda construída entre estes dois mamíferos, que não sabemos quem é mais dependente de quem. Os cães foram nossa visão noturna e olfato apurado, nos defendendo de predadores enquanto estávamos abrigados em cavernas.
No neolítico, houve uma reinvenção das nossas interações com eles. Ao nos tornarmos gregários, agricultores e artesãos, os cães foram responsáveis por guardar e manejar os rebanhos, auxiliar nas caçadas, interagir com nossas crianças, entre outras funções as quais eram delegadas.
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No Neolítico a relação a relação entre ser humano e cães já era extremamente especializada. Fonte: Internet |
Até nos momentos que se pareceu existir um abalo nesta relação, foi possível traçar novos caminhos. Quando a sociedade se modernizou, muitas raças perderam sua aptidão de trabalho. Mas ao invés de se extinguirem, elas se adaptaram aos novos tempos. Um exemplo interessante são os cães sabujos(beagle, foxhound, bloodhounds, etc.). Em um passado utilizado especificamente para caça de animais, hoje em dia são utilizados para farejar entorpecentes, procurar pessoas desaparecidas. Neste exato momento que escrevo, está sendo treinado aqui em nosso país, um rastreador brasileiro para identificar pessoas contaminadas com Covid-19. Sim, isso é possível, dado a capacidade deles em diferenciar as partículas de odores que exalamos em condições anormais de saúde.
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Rastreador brasileiro, raça nacional usada para detectar pacientes e Covid 19.Fonte: Canil da Serra da Canastra. |
Ter a companhia de um cão em sua vida é uma experiência maravilhosa. A sua presença já nos enche de alegria, pois seu comportamento de viver em matilha e para ela, faz com que esteja sempre disposto a cooperar, seja auxiliando na lida do campo, na ação policial, na brincadeira das crianças no quintal, ou mesmo para estar ao nosso lado em momentos difíceis.
Há cinco anos Lôla integrou-se totalmente à nossa família. Cadelinha negra vira-lata (temos predileção por essa “raça”), ela foi achada por um amigo, em situação de abandono, no campus I da UFPB. Como ele morava em apartamento, preferiu nos doar.
Logo depois que ela chegou para compor nossa família, num dia do meu aniversário, a minha mulher, Eloise, me fez uma concessão: permitiu que Lôla subisse à nossa cama. Pois bem, nunca mais ela desceu para dormir ou descansar em outro lugar, para minha felicidade. Dorme entre eu e Eloise. Às vezes, pela madrugada, vai para uma cama de cachorro que ela tem debaixo da cama da irmã humana, Vanine, fica um pouco mas volta para seu lugar, que a nossa cama, onde ela tem cobertor confortável e travesseiro.
Este mês, ganhamos a primeira netinha, Helena. Outra grande felicidade para nós. E vivíamos a perguntar se, na prática, nossa relação com Lôla iria mudar. De jeito nenhum. Nosso amor por ela é incondicional, não mudou absolutamente nada.
Há dois anos, contraí um câncer na bexiga, que foi extirpado e estou em fase final de tratamento. Como Lôla tem sido fundamental neste processo. Ela é extremamente solidária. Nas semanas que antecedia as cirurgias, ela percebia que eu estava triste e tenso. Pois bem, ela ficava notoriamente pra baixo e não largava de mim. Não bastava ficar perto, sobretudo para dormir: ela colava seu corpo ao meu, como para dizer que podia contar com ela. E incrível, mas é a pura verdade.