A matriarquia é um sistema social organizado em torno do princípio de dominação pela mãe. O isolamento social por longo período nos permitiu olhar o mundo através de nós, de enxergar e descobrir o deserto que existe dentro de cada um, da nossa aridez emocional que só mesmo o recolhimento e a solidão revelaram neste tempo de pandemia. O caminho ao nosso interior é profundo, longo e escuro. Precisamos fincar os pés no chão e caminhar até racha-los, rachaduras pela longa caminhada, e perceber que as nossas mãos sempre estiveram vazias, e, a única coisa que carregamos nelas é a areia do tempo que de tão seca e árida acaba escorrendo por entre os dedos como se contando o tempo perdido pela devassidão inventada pelo homem.
A imagem da mulher que nos deu a luz agora está refletida no vidro da janela, reflexo do nosso rosto, o rosto daquela que nos trouxe a vida e que nos ensinou a enxergar na solidão como se fosse uma vela passando de geração em geração, repetindo os mesmos nomes, refletindo os mesmos rostos, fazendo os mesmos gestos e tomando as mesmas atitudes. A solidão nos traz lucidez e medo, mas, mostra outra vez que não estamos sós. O silêncio da reclusão apura mais a nossa audição, o barulho que vem de fora, da rua é mais nítido e decifrável: São motos, besouros, carros, vento, vozes e passos de gente.
E, os agentes de saúde? Aqueles que têm contato direto com a população mais carente, são por eles que essa profissão existe. E como conseguir isolamento em pequenos cômodos que nada tem de privacidade, onde a vida é exposta através das paredes e da pequenez da casa sempre do tamanho da sua existência. São muitas as vozes a falar no mesmo espaço: o lamento dos velhos, a reclamação dos adolescentes, o choro e a tosse de bebe num pesadelo tão forte que é preciso gritar para si mesmo: acorda, acorda, acorda, acorda…., essas são vozes que carregamos dentro de nós como verdadeiros acordes. ACORDA!!!!
Antes da pandemia ninguém tinha tempo para nada, ninguém prestava atenção no outro, tudo passava tão rapidamente que os detalhes se misturavam ao todo, os velhos conselhos ficaram esquecidos, os antigos hábitos como conversar com as plantas, agradecer um presente, ouvir o pulsar do coração das árvores ficou impossível de se ouvir com tanto barulho: é carro buzinando, criança gritando, casal brigando, cachorro latindo. Só mesmo os mais sensíveis conseguiam ouvir. Dizem que os artistas ouvem, através das suas inspirações e com sopro divino fazem poesias. Eles ouvem na solidão, porque, a solidão gera epifania, é quando você começa a se ouvir, a ouvir o que diz seu coração que o barulho de fora não deixa você escutar. Estamos tão ocupados que acabamos nos abandonando, esquecendo-se de nós mesmo. De vez em quando escuta o que diz seu coração: Não desista de você, não desista de você…
Precisamos cuidar mais de nós, precisamos vigiar nossos pensamentos para não se perder no labirinto que existe dentro da nossa cabeça, e, cada cabeça tem o seu, o seu próprio labirinto, com paredes, sons, vozes e sonhos. Às vezes nos perguntamos: – O que pensamos? O que temos sonhado? Nesse tempo de isolamento e solidão fica difícil sonhar. Mas, é preciso sonhar! Sair um pouco e dar espaços para os bichos. Quando nos fechamos em nossas casas eles voltaram! O milagre da vida aconteceu: Tartarugas desovaram em várias praias do Brasil, servos se espalharam pelos parques de Londres, golfinhos voltaram a Baía de Guanabara, houve arrastão de macacos na Índia. Foi só a gente sair que os bichos voltaram. O homem não dar folga aos bichos, egoisticamente, preenche todos os espaços e nada faz.
Nós, mulheres somos muitas numa só pessoa, somos como abelhas rainhas poderosas e empoderadas; somos capazes de mudar, de transformar o mundo com nossas atitudes quando ocupamos nosso lugar ao sol, nossa força, nossa doçura e nossa energia são contagiantes e não passamos despercebidas, acordamos quem dorme e quem está deitado se ergue. Estamos espalhadas em todos os lugares, abrindo todas as janelas, dominando todos os espaços. Temos fome de mundos, de outros mundos, por que, este nos causa indigestão. Os homens buscam pelas mães, as amas de leite de um país a produzir mel para alimentar vespas mandarinas que pela própria natureza das vespas decepam a cabeça das abelhas e as matam, por que, estão em maioria, mas, continuamos aqui, trancadas, alimentando uma multidão que também tem fome e sede de outros mundos que só sentimos quando entendemos a finitude da vida.
A arte de Camila Pitanga a levou para o centro da cena, criando antídoto, adquirindo anticorpos em defesa do teatro e da arte. O Ser artista permite habitar muitas vozes e o teatro é um lugar onde estas vozes ganham corpo. O teatro não morre, o teatro não teme a peste, o teatro continua acontecendo seja numa arena aberta, seja numa carroça, numa praça, numa tela, proibido, demonizado, julgado, censurado, incompreendido, enquanto, houver sopro tem teatro. (Camila Pitanga, 2021).
A ARTE É A NOSSA ARMA.