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InícioCristina CoutoEm processo: A matriarquia de Camila Pitanga

Em processo: A matriarquia de Camila Pitanga

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A matriarquia é um sistema social organizado em torno do princípio de dominação pela mãe. O isolamento social por longo período nos permitiu olhar o mundo através de nós, de enxergar e descobrir o deserto que existe dentro de cada um, da nossa aridez emocional que só mesmo o recolhimento e a solidão revelaram neste tempo de pandemia. O caminho ao nosso interior é profundo, longo e escuro. Precisamos fincar os pés no chão e caminhar até racha-los, rachaduras pela longa caminhada, e perceber que as nossas mãos sempre estiveram vazias, e, a única coisa que carregamos nelas é a areia do tempo que de tão seca e árida acaba escorrendo por entre os dedos como se contando o tempo perdido pela devassidão inventada pelo homem. 

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Ao longo do caminho nos deparamos com os nossos fantasmas. A montanha alta do desconhecimento que antes não reparamos formaram muralhas criadas ao longo da vida, e, ao encontrarmos com ela trememos de pavor e de medo de ser engolidos por nós mesmos; de repente, o vento frio do nosso despertar sopra, vindo de muito longe, o barulho do vento pronuncia nosso nome repetidas vezes nos levando para onde os nossos olhos não conseguem enxergar, de novo vem o medo, mas, não estamos sós; o silêncio aparente da nossa solidão nos mostra que há uma multidão dentro de nossa alma e a nossa cegueira ocular ver com mais nitidez o detalhe de cada imagem refletida em todos ao lugares, em tudo uma imagem se forma: a imagem no copo trincado, a mancha no vidro da janela que aos poucos vai figurando imagens de rostos conhecidos e familiares. 

A imagem da mulher que nos deu a luz agora está refletida no vidro da janela, reflexo do nosso rosto, o rosto daquela que nos trouxe a vida e que nos ensinou a enxergar na solidão como se fosse uma vela passando de geração em geração, repetindo os mesmos nomes, refletindo os mesmos rostos, fazendo os mesmos gestos e tomando as mesmas atitudes. A solidão nos traz lucidez e medo, mas, mostra outra vez que não estamos sós. O silêncio da reclusão apura mais a nossa audição, o barulho que vem de fora, da rua é mais nítido e decifrável: São motos, besouros, carros, vento, vozes e passos de gente.

Hoje sentimos mais profundamente o cheiro forte do álcool, além do mais, nos acostumamos a ele, nos desinfetamos e nos lavamos com ele até nos purificarmos. Nossa vida se resumiu em lavar, desinfetar e purificar. Nesse processo de purificação somos levados a lembrar, e, a reconhecer a vida sacrificada dos Profissionais de Saúde que deixam suas famílias, suas folgas e suas vidas em prol da profissão e do outro. Às vezes se esquecem até do tempo, são noites e dias exaustivos de plantão. A temperatura e a iluminação dos cômodos hospitalares fazem perder a noção de tempo, lá, todo tempo é inverno e sempre é noite. Não se ver a luz do sol entrar por uma janela, aliás, as janelas não são abertas e nem os raios do sol entram através delas. É preciso manter a temperatura fria por causa dos equipamentos. As paredes, uniformes, algodão, gazes, sapatos, lençóis, toalhas. Tudo lá dentro é frio e branco.

E, os agentes de saúde? Aqueles que têm contato direto com a população mais carente, são por eles que essa profissão existe. E como conseguir isolamento em pequenos cômodos que nada tem de privacidade, onde a vida é exposta através das paredes e da pequenez da casa sempre do tamanho da sua existência. São muitas as vozes a falar no mesmo espaço: o lamento dos velhos, a reclamação dos adolescentes, o choro e a tosse de bebe num pesadelo tão forte que é preciso gritar para si mesmo: acorda, acorda, acorda, acorda….,  essas são vozes que carregamos dentro de nós como verdadeiros acordes. ACORDA!!!!

Outra vez o silêncio nos faz revirar o baú do tempo… Voltamos ao tempo do nosso bisavô, tempo nada fácil, no tempo dele muitas dificuldades foram enfrentadas, muitas foram às moléstias do século XX. Lá, tinha tuberculose, ditadura, sarampo, abrigo para nazista, varíola, poliomielite, congresso de eugenia, gripe espanhola, anistia para fascistas, com pouco recurso, menos direito e mais trabalho. Estamos no mesmo espaço em tempo diferente. Mais pensamentos povoam a nossa mente. É como sair de um pesadelo e entrar em outro.

Antes da pandemia ninguém tinha tempo para nada, ninguém prestava atenção no outro, tudo passava tão rapidamente que os detalhes se misturavam ao todo, os velhos conselhos ficaram esquecidos, os antigos hábitos como conversar com as plantas, agradecer um presente, ouvir o pulsar do coração das árvores ficou impossível de se ouvir com tanto barulho: é carro buzinando, criança gritando, casal brigando, cachorro latindo. Só mesmo os mais sensíveis conseguiam ouvir. Dizem que os artistas ouvem, através das suas inspirações e com sopro divino fazem poesias. Eles ouvem na solidão, porque, a solidão gera epifania, é quando você começa a se ouvir, a ouvir o que diz seu coração que o barulho de fora não deixa você escutar. Estamos tão ocupados que acabamos nos abandonando, esquecendo-se de nós mesmo. De vez em quando escuta o que diz seu coração: Não desista de você, não desista de você…

Precisamos cuidar mais de nós, precisamos vigiar nossos pensamentos para não se perder no labirinto que existe dentro da nossa cabeça, e, cada cabeça tem o seu, o seu próprio labirinto, com paredes, sons, vozes e sonhos. Às vezes nos perguntamos: – O que pensamos? O que temos sonhado? Nesse tempo de isolamento e solidão fica difícil sonhar. Mas, é preciso sonhar! Sair um pouco e dar espaços para os bichos. Quando nos fechamos em nossas casas eles voltaram! O milagre da vida aconteceu:  Tartarugas desovaram em várias praias do Brasil, servos se espalharam pelos parques de Londres, golfinhos voltaram a Baía de Guanabara, houve arrastão de macacos na Índia. Foi só a gente sair que os bichos voltaram. O homem não dar folga aos bichos, egoisticamente, preenche todos os espaços e nada faz.  

Vivemos no mundo de máscaras, toucas, luvas e álcool, estamos exaustos de nós mesmos, rezamos, pedimos e imploramos piedade, misericórdia e indulgência.  Rogamos aquilo que nunca fomos capazes de doar.  Agora começamos a revirar velhas recordações, rever álbuns fotográficos, prestar atenção em datas, nos antigos modelitos que outrora era moda, eventos que participamos com muita alegria e satisfação, ouvir as músicas que nos traz grandes e felizes lembranças, amores que já foram destruídos e nem sabemos por onde andam. A saudade chega e um pequeno momento de felicidade nos invade. Tudo isso, num sopro que é a primeira atividade de todo ser vivo e a última. Somos feitos para vingar, para dar certo, mesmo que ninguém acredite. Ah! Ninguém pode imaginar como é difícil fincar as raízes em pouco espaço, os outros só veem aquilo que é visível aos olhos. O que existe dentro de nós ninguém ver, mas tenta destruir. É preciso cuidar dos nossos pensamentos e não deixar nada tomar conta deles.  A nossa cabeça é nossa e ninguém toma. 

Um pensamento moralista, malicioso e odioso em defesa da moral e dos bons costumes pode contaminar uma população inteira, espalhando e propagando preconceito, violência, desigualdade e injustiça. Depois vai se multiplicando por toda corrente sanguínea e contaminando o corpo e o mundo. É preciso preservar nossa cabeça, nossos pensamentos. Durante os últimos anos aprendemos que esse tipo de pensamento pode acabar com a vida de uma população só para defender a ideia de uma minoria. É por isso que precisamos ser reserva mesmo preso num espaço pequeno e ter cuidado, porque, eles estão cada vez mais perto, nos rodeando, estão em toda parte. E, não sabemos como eles se organizam, quando e a que horas vão atacar. Eles se unem chegam de mansinho, entram e dominam. Cuidado! Não se deixe dominar… Acorda, acorda, acorda! Será que estamos sonhando ou que tudo é fruto da nossa imaginação? 

Nós, mulheres somos muitas numa só pessoa, somos como abelhas rainhas poderosas e empoderadas; somos capazes de mudar, de transformar o mundo com nossas atitudes quando ocupamos nosso lugar ao sol, nossa força, nossa doçura e nossa energia são contagiantes e não passamos despercebidas, acordamos quem dorme e quem está deitado se ergue. Estamos espalhadas em todos os lugares, abrindo todas as janelas, dominando todos os espaços. Temos fome de mundos, de outros mundos, por que, este nos causa indigestão. Os homens buscam pelas mães, as amas de leite de um país a produzir mel para alimentar vespas mandarinas que pela própria natureza das vespas decepam a cabeça das abelhas e as matam, por que, estão em maioria, mas, continuamos aqui, trancadas, alimentando uma multidão que também tem fome e sede de outros mundos que só sentimos quando entendemos a finitude da vida. 

A arte de Camila Pitanga a levou para o centro da cena, criando antídoto, adquirindo anticorpos em defesa do teatro e da arte. O Ser artista permite habitar muitas vozes e o teatro é um lugar onde estas vozes ganham corpo. O teatro não morre, o teatro não teme a peste, o teatro continua acontecendo seja numa arena aberta, seja numa carroça, numa praça, numa tela, proibido, demonizado, julgado, censurado, incompreendido, enquanto, houver sopro tem teatro. (Camila Pitanga, 2021).

                                         

                                    A ARTE É A NOSSA ARMA.

 

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2 COMENTÁRIOS

  1. Cristina a sua reflexão é pertinente. O mundo que somos todos nós bem como a natureza que é parte do nosso ser estava gritando por uma catarse para se regenerar. O furacão da COVID está como que a sacudir a humanidade para a vda e também para a consciência da sua finitude

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