Muita gente imagina que fazer poesia, versejar dentro da métrica e da rima é coisa fácil. Você leitor pode até se perguntar se poesia é mesmo difícil. Isso porque os poetas fazem belas e bem feitas poesias e Isso tem nome, dote natural, talento ou dom como queiram.
Vinicius de Morais, o poetinha, no seu magistral samba da benção musicado por Baden Powell, onde homenageia os notáveis da musica e da poesia e diz mais ou menos assim:
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Vinícius de Morais |
“Fazer samba, não é contar piada,
Quem faz samba assim não é de nada,
O bom samba é a forma de oração.
Porque o samba nasceu lá na Baia,
E se hoje ele é branco na poesia,
E se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração”
Existem os chamados poetas de bancada, assim denominados porque seus versos são embelezados com uma rima perfeita e adequada e na sua feição gráfica obedece à metrificação que é a partilha das sílabas de cada verso e isso é a chamada métrica.
A separação da sílaba poética difere da separação de sílaba gramatical comum que os mais entrados na idade como eu, conhecemos e todos aprendemos juntos ao soletrar no bê a bá da escola.
O poeta de bancada geralmente é acadêmico e estuda as regras gramaticais e as formas de rima enquadradas na métrica. Ele não é repentista e não tem o dom do poeta popular, a aptidão que sobra no cantador de viola que faz o verso na hora, intuitivamente.
Malgrado, não deixa de ser considerado poeta e poeta dos bons como foram: Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Olavo Bilac, Manoel Bandeira, Padre Antônio Tomaz entre outros.
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Manoel Bandeira e Vinicius de Morais |
Mas o poeta de que lhes falo e que ao meu vê merece muita atenção é o poeta repentista. Esse é inigualável e muitos deles nunca foram sequer à escola.
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Casimiro de Abreu |
São incríveis e insuperáveis na agilidade de raciocínio, dotados de um talento impar, que nos deixa surpresos com tanta criatividade e improvisação. Os exemplos clássicos são: Pinto do Monteiro, a cascavel do repente, Lourival Batista, o Louro do Pajeú, Manoel Galdino Bandeira, Manoel Xudú, Josué da Cruz, Canhotinho, João Furiba, entre outros.
Uma segunda geração, que produziu grandes violeiros como: Louro Branco, Geraldo Amâncio, Moacir Laurentino, Valdir Teles, Sebastião da Silva, Moacir Laurentino, Ivanildo Vilanova, Rogério Menezes, entre outros.
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Geraldo Amâncio e Manoel Xudu |
A preocupação pertinente de todos os poetas de bancada, é com os detalhes da rima e da métrica e isso às vezes consome horas e dias de elaboração. Essa é uma carência inerente a eles, que inexiste no poeta repentista, onde os versos brotam intuitivamente e já saem prontos e acabados.
A Rima pode não ter o primor da rima rica, entre verbetes de classe gramaticais diferentes, mas tem a qualidade e a sonoridade que confere à poesia a beleza só encontrada na voz dos grandes vates, que jamais fariam um verso de pé quebrado, (rima quebrada) um sacrilégio na arte da cantoria de viola.
Dimas Batista compõe a trindade dos irmãos Batista, com graduação em filosofia, professor e um verdadeiro lapidador do verso Irmão de Lourival, o Louro do Pajeú que era genro de Antonio Marinho, e de Otacílio Batista, o mais novo do trio de irmãos e primo de Job Patriota, outro cantador.
Alguém pediu em conversa ao amigo da tríade Pinto do Monteiro para classificar os Batistas e ele respondeu como gostava, em versos:
“Classificar os Batistas?
Eu posso perfeitamente!
Dimas é só mansidão
O seu verso é coerente,
Otacílio é a toada,
Lourival é o repente.
Por que Otacílio seria a toada? Porque Otacílio compunha canções como aquela que entregou a Zé Ramalho e foi imortalizada na voz de Amelinha:
“Mulher nova, bonita e carinhosa;
Faz o homem gemer sem sentir dor”
Para o poeta popular a toada, ou seja, a composição musical, é mais dolente mais bucólica e foge do gênero e não são fabricados na máquina de improvisar como diria João Paraibano. Para eles e para o povo, onde eu me incluo, o repente é o ápice da cantoria e da arte do improviso, feito em seis ou mais versos e até em dez versos decassílabos, sob o nome de Martelo Agalopado, invenção de Silvino Pirauá.
Pinto, ainda se referindo aos Batistas, diz na sua genialidade:
“Louro, o mais velho dos três,
Poeta naturalista,
Na arte de repentista
Ninguém faz o que ele fez.
Rimava com rapidez,
Sem nunca perder o trilho,
Sempre deu o maior brilho
Para o verso improvisado,
Por isso é considerado,
Como o rei do trocadilho”
Quem por acaso achar que a cantoria de viola é uma arte menor, precisa ler o que escreveu Manoel Bandeira, o famoso poeta modernista pernambucano, sobre essa arte.
Fazia parte de uma mesa de jurados de um festival de cantoria de violas e surpreso com o talento dos repentistas, ele se pronunciou entusiasmado ao concluir a sua missão de julgador daquela noite memorável:
“Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação,
Como faz Dimas Batista
E Otacílio seu irmão;
Como faz qualquer violeiro
Bom cantador do sertão,
A todos os quais, humilde,
Mando a minha saudação.”
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Irmãos Batista juntamente com Pinto do Monteiro |
Dimas Batista era muito educado, um verdadeiro gentleman e um homem muito culto. Graduado pela Faculdade de Filosofia de Limoeiro do Norte no Ceara onde viveu, virou professor da mesma instituição e por afinidade, na disciplina de Filosofia.
Provavelmente, incomodado com o preconceito de algum poeta de bancada, daqueles interlocutores indiscretos e arrogantes, perdendo a paciência e fugindo do seu habito cavalheiresco e fidalgo de sempre, foi obrigado a abandonar a modéstia e produzir essa pérola, em desagravo aos colegas
“Eu muito admiro o poeta da praça,
Que passa dois anos fazendo um soneto,
Depois de três meses acaba um quarteto,
Com todo esse tempo inda fica sem graça.
Com tinta e papel o esboço ele traça,
Contando nos dedos pra metrificar,
Que noites de sono ele perde a estudar,
Pra no fim mostrar tão minguado produto,
Pois desses eu faço dois, três, num minuto, cantando galope na beira do mar.”
Mais não disse e, cá pra nós, precisaria? O talento falou por ele.
Consulta: Antologia Ilustrada dos Cantadores;
Fotografias: brasilescola.uol.com.br;
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