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Os cabras dos coronéis: Era assim o Nordeste Brasileiro.

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Em todo o Nordeste brasileiro, em particular, no Cariri cearense, o século XVIII se singularizou pela luta em defesa da propriedade. O poderio do Bacamarte acabou gerando o famigerado Império do Bacamarte, no território dos coronéis tudo era resolvido pela força das armas. O fazendeiro e senhores de engenho viviam na casa grande cercados de “cabras[i]” que guardavam a propriedade e o  dono. “Em cada recanto, em cada estaca tinha um homem armado até os dentes.”

No sertão, as famílias poderosas travavam verdadeiras guerras pelas concessões de sesmarias e terras devolutas próprias para lavoura e criação. De posse das terras o senhor rural alargava seu papel de proprietário, influentes pelo dinheiro e posição decidiam tudo pela força das armas, deformando a ação do Estado. Naquela época era comum se ver os bandos armados sob a liderança de um coronel percorrer serras e vales cometendo todo tipo de atrocidades.

Na sociedade sertaneja os laços de sangue raramente se dissolviam, a ofensa a um membro atingia o clã inteiro, mexer com um mexia com todos, era um verdadeiro vespeiro, tudo era tratado a ferro e fogo, não existia condescendência e nem perdão. Matou, morreu.  Cada família lutava até as ultimas consequências para conservar a sua ascendência e descendência. Não havia tolerância nas manifestações de independência dos agregados e trabalhadores.

A discriminação social era uma prática natural. As famílias brancas detinham o poder sobre os mestiços e indígenas. Os brancos formavam a classe dominante e só ela ocupava cargos públicos e seus filhos eram admitidos nos Seminários.

Dois fatores contribuíram para os deslocamentos das populações sertanejas: a seca e abolição da escravatura. Grandes contingentes de colonos e escravos ao deixarem as terras se reuniam em povoações integrando a plebe das cidades e vilas sertanejas, enquanto outros permaneciam nas fazendas como agregados, sem remuneração financeira, trabalhavam em troca de alimentos e vestimentas se contentando com as sobras do seu patrão.  Eram verdadeiros escravos.

A prática dos coronéis em manterem malfeitores para a defesa de sua propriedade acabou fugindo do seu controle. Dentro e fora da casa grande os destinos da região e dos seus habitantes eram decididos segundo a sua vontade.  Donos de tudo e de todos, até mesmo o Estado se ligava intrinsicamente a eles.

Sem proteção e entregues a miséria econômica, o trabalhador rural se concentrava ao redor da casa grande, vivendo das migalhas e obedecendo sem discrepâncias as ordens do coronel.  E ai daquele que desobedesse a uma ordem, isso acarretaria punições severas. Ser leal ao patrão era motivo de orgulho e de promoção para “um cabra”, era uma demonstração de confiança, competência, habilidade e fidelidade. Ficavam famosos e conhecidos como “os cabras bons do coronel” que estavam sempre prontos para defender o patrão ou executar lhe serviços de quaisquer naturezas contra inimigos particulares ou desafetos políticos. 

A Justiça era sempre a favor do coronel, nenhum juiz ousava condená-lo, ou era transferido de Comarca ou pagava com a própria vida. Muitas são as histórias envolvendo promotores e juízes que tentaram aplicar a Lei dos livros, e foram desmoralizados, pois, o que valia era a Lei dos grandes proprietários.  É do conhecimento de todos os muitos processos queimados dentro dos cartórios para não incriminarem o coronel, algum familiar ou protegido dele. O manto poderoso dos grandes proprietários, ricos fazendeiros e prestigiosos coronéis se estendia paternalmente para afastar de todo mal e qualquer dificuldade. Era ele o senhor absoluto de toda administração pública: prefeito, padre, juiz, promotor, delegado e soldados viviam a sua disposição. Nada acontecia sem o conhecimento e a conivência dele.

Esses foram os moldes que formaram a sociedade sertaneja. O estímulo de viver contra a lei acabou instigando os menos abastados a pegar em armas e protestar contra as injustiças e a ordem social vigente no Sertão daquela época. A revolta contra a violação de seus direitos motivou a muitos caírem na bandidagem, formando grupos e subgrupos de facínoras espalhando terror e violência nas vilas, povoações e propriedades, impondo o poder pela força da brutalidade com novas denominações e práticas. Assim surgiram os cangaceiros, os jagunços e os pistoleiros. E o Sertão entregue ao Deus dará.

Os cantadores de viola e repentistas Valdir Teles ( in memoriam) e Sebastião da Silva, receberam,  numa das cantorias que fizeram, um mote interessante, que tem muita identidade com o artigo. Glosaram em dez versos.  


  

 

 

 Fotos:manaira.net

 Aventuras na História

  Cangaço

 



[i]. Homens que lidavam na lavoura, no engenho e nos serviços da casa grande, mas pegavam em armas quando precisava defender a propriedade e seu proprietário.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Fantástico artigo da colega Cristina Couto: Coronéis: Era assim o Nordeste Brasileiro. Uma aula sobre nossa história dos tempos dos coronéis e do cangaço. E para concluir belíssimos cantatas de nossos trovadores nordestinos Valdir Teles e Sebastião da Silva,

  2. O artigo da historiadora Cristina Couto nos dá uma amostra dacszga do coronelismo reinante no início do século XX.
    Na época existiam os cangaçeiros que foram movidos por vingança como foi o caso de Sebastião Pereira e Luís Padre, e haviam aqueles que começaram por vingança e depois se transformaram em Hobin Hood saqueando e repartindo.
    No meu entender a questão de fundo era mesmo de ordem sociológica, e o cangaço acabava sendo filho da exploração.
    O tema é polêmico e o texto foi oportuno. Parabéns Cristina.

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