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Onde estão os caçadores do tal CAC?

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Nesta última sexta-feira passada, 12 de fevereiro, a notícia de que um novo Decreto do Governo Federal flexibilizando aquisições de armas e munição ficou estampado nos principais meios de comunicação. Ao ler sobre o assunto, além de me preocupar com a flexibilidade para aquisição de armamento por pessoas despreparadas para usá-las, outro item me chamou a atenção:  A permissão é dada aos CAC (colecionadores, atiradores e caçadores).

Reconheço a existência dos dois primeiros desta tríade, e consigo compreender a solicitação deles na desburocratização da aquisição de armas e munição, mesmo que não concorde, e acreditando que a intensão por trás deste Decreto seja um “remendo legal” para dar acesso ao cidadão comum e despreparado a armas e munição. Mas o que incomoda, é o terceiro membro: o caçador. 

Digo isso, porque a caça no Brasil, via de regra, é uma prática proibida. A definição do ato de caçar ou o que é um caçador não está bem definida na Lei Federal de Crimes Ambientais. Apenas se diz que caçar sem a devida autorização do órgão ambiental ou em desacordo com a mesma é interpretado como crime contra a fauna silvestre. Em outro ponto da Lei, deixa-se claro que a prática da caça profissional – também sem a devida definição – agrava o delito daquele que é pego a praticando. Também não se estabelece claramente nenhum conceito na Lei Federal 5.197/67 (Proteção a Fauna), que apenas estabelece a necessidade de organização de clubes de caçadores amadoristas, mas que até hoje nada foi regulamentado.

A caça no Brasil sempre foi um assunto extremamente controverso. Já participei de extensas discussões sobre o assunto em diversos espaços, desde a roda de bar com amigos, passando por os diversos ambientes acadêmicos e técnicos. Em todos eles, o discurso é acalorado, apaixonado e termina sempre sem nenhum encaminhamento real sobre como deveríamos lidar de forma transparente com este tema. No entanto, esta prática existe, é secular e cultural, e se manifesta de tantas formas que não se pode colocar todos que a realizam em uma vala comum.

Tive a oportunidade de trabalhar na construção de uma usina hidroelétrica no estado de Rondônia, na região do alto rio Madeira, bem próximo à divisa com a Bolívia. Naquele momento, eu tinha uma visão extremamente afunilada quanto a caça. Para mim, era coisa de gente que não respeitava a lei, e ponto final. Contudo, ao passar dos meses, percebia que muitas vezes, pessoas de bem, caçavam: agricultores, comerciantes, até mesmo funcionários públicos. A origem dessas pessoas eram dali mesmo, de comunidades rurais que viviam de suas roças, normalmente plantadas ao leito do rio, na área de vazante, onde a dinâmica das estações climáticas também definia o que se cultiva. Percebi que era mais coerente para aqueles caçar o porco-selvagem – também conhecido como queixada – e ter carne vermelha para a semana inteira, do que desmatar um hectare de floresta amazônica para colocar um boi. E por falar nisso, bovinocultura por lá, era coisa de gente rica, muito rica. Em sua maioria, os caçadores usam carabinas de pressão, talvez os mais afortunados, uma espingarda calibre 20, bem surrada, que já passou por pelo menos um punhado de ex-donos.  

Voltando para o Nordeste, revi meus conceitos e me permiti observar os caçadores da minha região. Normalmente buscam tatus, veados-catingueiros, ou até ticacas – o primo sul-americano do gambá estadunidense. Um perfil de certa forma semelhante: agricultores, comerciantes locais, pessoas que de forma amadora em finais de semana realizam tal prática. A diferença talvez mais marcante está no tipo de consumo; enquanto o campesino nortista se alimenta de animais silvestre de forma mais rotineira, o nordestino em sua maioria consome de forma pontual, normalmente associada a eventos recreativos. Esse comportamento também está presente nas demais regiões do Brasil.

Ribeirinha preparando uma paca guisada para o almoço. Fonte O Eco.

 Claro que existe uma parcela da sociedade abastada que realiza a prática do “safari” caçando predadores de topo de cadeia, como a onça-pintada, e outros mamíferos de grande porte que possuem taxas reprodutivas mais lentas como é o caso da anta, que chegam a ter período de gestação superior a 12 meses e apenas um filhote por nascimento. Normalmente esses caçadores são alvos de operações do IBAMA e Polícia Federal, pois realizam essas práticas em áreas não permitidas, como Unidades de Conservação. A estes caçadores, meu repúdio.

Caça de predadores de topo de cadeia, prática que leva ao desequilíbrio das populações faunísticas. Fonte: Gazeta do Povo.


Recentemente surgiu a figura do controlador, um caçador especialista no abate javalis, espécie introduzida no país, mas que pela falta de manejo correto de alguns produtores, acabou escapando dos criatórios, invadindo áreas naturais e plantações, tornando-se hoje um problema para a conservação ambiental e o agronegócio, respectivamente. Para se tornar um controlador, é obrigatório se cadastrar no IBAMA e seguir protocolos estabelecidos pelo órgão, inclusive, possuir sua arma cadastrada no exército brasileiro. Especialmente essa prática de caça, não é algo barato, demanda o uso de armas de fogo, pick-ups, e um plantel de cães especializados em rastreamento (sabujos) e de presa (dogos argentinos e outros mastins). Acontece que parte dos proprietários rurais prejudicados com os ataques dos javalis buscam os serviços dos tais controladores… não seria isso de certa forma caça profissional? Assim então, proibida?! É interessante que a Instrução Normativa IBAMA Nº 3/2013 e seu Manual de Controle do Javali não definem claramente a figura deste controlador. Talvez para evitar mais uma vez algo que até hoje não conseguimos definir claramente em nossas leis ambientais.

Exceto estes últimos, os caçadores brasileiros são criaturas marginais – seja lá qual seja sua origem – que em tese praticam uma atividade proibida. Em um outro contrassenso, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), prevê a categoria de Reserva de Fauna, onde se pretende com ela realizar estudos técnicos-científicos que permitam utilizar de forma econômica e sustentável a fauna silvestre, porém a caça amadora e profissional (que não existe conceito legal no Brasil) continua a ser proibida em um local que deveria apresentar uma proposta de exploração do recurso faunístico… resultado, até hoje nunca se criou uma Reserva de Fauna neste país.

  

Javali, espécie exótica e invasora que vem se expandido pelo território nacional. Fonte: Proteção Animal Mundial

Volto a pontuar que este não é um texto de apologia a liberação da caça, mas de reflexão sobre essa prática que existe, e que possui pouquíssimos fóruns de discussão sérios e não radicalizados. O Projeto de Lei Nº 6.268/2016 (Política Nacional de Fauna), por exemplo, aborda este tema de forma mais profunda, porém há mais de um ano que ele se encontra na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados sem nenhuma movimentação. 

Não é possível que deixemos escapar do fórum ambientalista essa importante discussão, e deixar na mão de outros a apropriação desta. Sendo legalista, a legislação vigente que melhor definiu o que é um caçador é o Decreto Federal 10.627/2021, aquele que permite a flexibilização do armamento e munição:

“Art. 55.  Para fins do disposto neste Regulamento, considera-se caçador a pessoa física registrada junto ao Comando do Exército que realiza o abate de espécies da fauna, em observância às normas de proteção ao meio ambiente.”

Como diz o ditado popular, a fila anda! 

Fontes:

https://www.ibama.gov.br/especies-exoticas-invasoras/javali#passo-a-passo

https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/notas/2020/manejo-e-controle-de-javalis/20201201Sumario_executivoPlanoJavaliSusscrofa.pdf

https://www.ibama.gov.br/phocadownload/javali/2020/2020-12-17-Manual_do_Javali_Digital.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm

https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/biodiversidade/fauna-brasileira/avaliacao-do-risco/ungulados/tapirus_terrestris_anta_brasileira.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm

https://www.icmbio.gov.br/portal/unidadesdeconservacao/categorias

http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2019/07/ARTIGO-3.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5197.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Decreto/D10627.htm

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2113552

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2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns THIAGO SILVA, excelente texto.
    A caça predatória aos animais silvestres, na contemporaneidade não deveria existir. Na verdade, a cultura medieval pode ser estudada, pesquisada e aprendida em livros, em filmes e documentários especiais.
    O CAC como uma associação que reúne colecionadores, atiradores e caçadores é uma excrescência dos costumes medievais, não combina com a modernidade.

  2. Esse inconsequente que se diz presidente está desmoronando o Brasil, a destruíção é em todos os setores, e sendo aplaudido por empresários gananciosos e políticos desinteressado com a causa pública. Não sei onde chegamos.

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