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A musica é nossa arma

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 Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve 

Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve

Sons, palavras, são navalhas

E eu não posso cantar como convém

Sem querer ferir ninguém. (Belchior).

A música sempre foi a mais legítima forma de protesto, o grito dos excluídos e o alento  da dor.  Na década de 1970 o Brasil passava por um dos mais difíceis momentos da sua história. Sob o domínio da Ditadura Militar, regime político autoritário e repressor, em que muitos artistas utilizaram desse recurso para falar e protestar contra o sistema. 

Em 1976, Belchior toma emprestado o verso: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro,” de autoria  atribuída por Orlando Tejo  ao poeta popular Zé Limeira, para   compor a música Sujeito de Sorte, lançada em um álbum com o título Alucinação, pela gravadora Polygram. A composição revela a urgência de um jovem brasileiro inconformado com a violência do estado que punha fim ao sonho de liberdade de toda uma geração e mesmo com todas as dificuldades ele não se entrega: Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.  O sujeito do discurso, no caso, o próprio Belchior, enfrentou muitos problemas e muito sofrimento expresso na frase: tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, apesar de toda dor que enfrenta no auge de sua juventude (apesar de muito moço), ele se considera, presentemente, ou seja, naquele momento um sujeito de sorte e não aceita a derrota, se sente inteiro, protegido na fortaleza que ele mesmo criou para reinventar o passado e fazer girar a roda a seu favor. 

Nessa composição Belchior traz na sua bagagem a crença que aprendeu com seus familiares: a fé, e nela encontra um Deus muito próximo, que tem a mesma nacionalidade e universalidade que ele, e, anda do seu lado, expressando parceria, pois, quem anda do seu lado, apoia as suas decisões e até toma partido, tanto num confronto como na disputa. Conhecedor dessa força ele não se permite sofrer com o que passou: E assim já não posso sofrer no ano passado, trata de divulgar os poetas populares para incentivar as novas gerações a não se conformarem diante dos absurdos, injustiças, desigualdades e a qualquer forma de repressão.

Três anos depois, em 1979, o cantor Zé Geraldo gravou e estourou nas paradas de sucesso a música Cidadão, de autoria de Luís Barbosa. A letra nos fala da revolta de um homem comum que apesar do seu esforço se depara com as forças sociais discriminadoras impostas pela sociedade urbana; cansado das injustiças e desigualdade relata a situação dos trabalhadores da construção civil nos grandes centros. São homens e mulheres que deixaram suas terras em busca de melhoria financeira, de um sonho de liberdade imposto pelo capitalismo que vê na força do trabalho a solução para todos os males. Com muito sacrifício, abnegação e submissão erguem edifícios, casas e escolas para a “elite” usufruir, e a eles são furtados o direito explicito nos versos: Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar foi um tempo de aflição eram quatro conduções duas pra ir, duas pra voltar. E segue numa demonstração de trabalho, sacrifício e injustiça: Hoje depois dele pronto olho pra cima e fico tonto, Mas me vem um cidadão e me diz, desconfiado Tu ‘tá aí admirado ou ‘tá querendo roubar?  Nas estrofes que se seguem o discurso é cheio de preconceito, desigualdade e de injustiça presente e enraizado na sociedade contemporânea.

Vinte anos se passaram, e, em novembro de 2019, o rapper Emicida, toma o ditado Iorubá: Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje, trazendo clareza e sacudindo aquilo que estava adormecido em todos nós. No Documentário Amar+Elo – É tudo pra ontem, O grito de alerta pela voz central do Emicida é o grito do povo menos favorecido que está vivo no ditado Iorubá: Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje. Na mitologia africana, Exu é símbolo do movimento e do conhecimento, quando ele joga a pedra por trás do ombro e mata o pássaro no dia anterior, ele reinventa o passado, mostra que as coisas podem ser reinauguradas a qualquer momento com novas atitudes e enfrentamentos.  Como mensageiro entre o mundo físico e o espiritual, ele é uma espécie de guardião da parte exterior dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. Espaços ocupados por todos.

A esperança e a fortaleza em um Ser Superior estão presentes em todos os relatos, não importando o nome designado a Ele. Tanto o sujeito muito moço, como o trabalhador, e o rapper se ancoram neles (Deus, Cristo e Exu) divindades por eles cultuadas.  A visão de mundo de cada artista é quem determina a força e o auxilio que essas divindades podem proporcionar ou até influenciar nas decisões e nas suas vidas. 

O moço que saiu do Norte para aventurar a vida no Sudeste: Eu me lembro muito bem do dia que eu cheguei, jovem que desce do Norte pra cidade grande os pés cansados e feridos de andar légua tirana (Belchior, 1976), ele ver e sente um Deus próximo, parceiro; o trabalhador, também deixou sua terra em busca de uma vida melhor: Por que é que eu deixei o Norte? Eu me pus a me dizer (Luiz Barbosa, 1979); ele se pergunta e questiona, mas, encontra na Igreja (espaço físico), a resposta das suas dúvidas e o alento para sua dor: lá foi que valeu a pena, tem quermesse e tem novena e o padre me deixa entrar. Sente um Cristo que como ele lamenta a injustiça e a desigualdade, mas aceita e se acomoda, preceito Cristão contrário à ideia de Jesus que pregava a liberdade, a igualdade e a fraternidade, menos o conformismo e a submissão  explícito nos versos: Foi lá que Cristo me disse rapaz deixe de tolice não se deixe amedrontar. E segue num pensamento passivo, submisso nada parecido com a personalidade do Homem Jesus, quando diz: Fui eu quem criou a terra enchi o rio, fiz a serra não deixei nada faltar. Hoje o homem criou asas e na maioria das casas eu também não posso entrar.

Já no Documentário Amar+Elo, Emicida traz o deus Exu para cena urgente, urgentíssima de reinvenção da história e de reparação das injustiças cometidas ao longo dela que sempre favoreceu e enriqueceu uma minoria que viveu e vive, luxava e luxa à custa do suor e do sangue da maioria explorada e excluída. Trabalhadores que constroem os espaços públicos e não tem direito de frequenta-los, caso também, reivindicado pelo Cidadão. Por essas razões Emicida escolhe o Teatro Municipal de São Paulo para a realização de o Show Amar+Elo = É tudo pra ontem, e explica o porquê da escolha do local. Dizendo: “Porque não tem uma viga, não tem uma ponte, não tem uma rua que não tenha tido uma mão negra trabalhando,” foi assim que aconteceram com os escravos, imigrantes europeus, candangos, paraíbas e baianos. Dessa vez a afirmação é minha: Não tem uma só construção no Sudeste e Centro Oeste brasileiro que não tenha a mão, o sangue, o suor e a aflição de Juvenais e de Raimundos, tantos Júlios de Santana que acreditaram e lutaram por dias melhores, sendo explorados e oprimidos na tentativa de encontrar a solução, e acabaram se deparando com o preconceito, a desigualdade e a injustiça.

O refrão renovador e regenerador da música de Belchior aproxima o ditado Iorubá: Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje ao pensamento popular dos seus cantadores: Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro. Somos sobreviventes  de uma História que precisa ser reeditada para que possamos refazer o caminho que devemos trilhar sem preconceito, justo e para todos. Porque tudo, tudo, tudo que nois tem, é nois, a luta é de todos nois, é o empoderamento de nós influenciado pela alma local. Reforça o rapper Emicida nos seus comentários. 

Na verdade, É TUDO PRA ONTEM, precisamos desenforcar Tiradentes, devolver as terras aos nossos índios, tirar Olga Benário do navio que a levou para os campos de concentração da Alemanha, devolver a vida e a dignidade daqueles que lutaram contra os regimes repressores, reeditando a História do Brasil, reparando as injustiças cometidas ao longo dela, devolvendo ao nosso povo a autoestima e a dignidade a muito esquecida. 

É TUDO É PRA ONTEM e AMAR é o ELO que abre o caminho do conhecimento, reinventa o tempo e faz girar a roda que vai fazer muita gente trocar de lugar.   

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