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João Pessoa

Uma noite de tango

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De repente o conjunto que tocava um bolero dolente para e com ele param  alguns casais que dançavam e todos voltam a ocupar seus lugares nas mesas. Um único  casal, levanta da mesa onde estava e, de mãos dadas ocupa sozinho o salão do cabaré, diante do silêncio de todos. Quem é esse magro que ocupou o salão acompanhado de Terezinha? Perguntei eu baixinho a Ribamar Lemos.  Esse? Esse aí é simplesmente Moacir Thiê, respondeu ele!

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“Tempos idos, extintos luzimentos!,” como bradaria Castro Alves no seu poema  Espumas Flutuantes! Mas na realidade não foi ficção o que vou lhes  narrar e sim  um fato real,  vivido por mim.

O ano era 1968/1969 e o cenário era Campina Grande -PB daquela época, onde desembarquei na velha rodoviária da Rua Cristiano Lauritzem, trazendo uma mala grande, mas a mala maior eu trazia no peito, no coração, que estava abarrotado de saudades da adolescência que havia deixado para trás.

Na  verdade, eu  não vim sozinho e sim acompanhado de alguns conterrâneos que já viviam em Campina Grande e a ela voltavam para retomar os estudos depois das férias. Todos que vinham comigo, já eram moradores da República Anarquista do Edifício Leda, que me acolheu na vacância deixada pelo meu primo José Duarte. Ele houvera terminado de colar grau na saudosa e inesquecível Escola Politécnica, chamada por todos  carinhosamente de Polí e pelo visto dá para perceber que uma vaga no Leda era difícil de encontrar.

O pequeno edifício de dois andares era Anarquista na acepção da palavra, porque se autogovernava.  Não tinha chefe ou um responsável direto, pois todos eram socialmente nivelados, com direitos e deveres a cumprir, forjados numa solidariedade contagiante, que lhes sensibilizava a abrigar todo fera desprotegido e despossuído, vindo do interior para fazer vestibular, dando-lhes abrigo até nos corredores quando não cabia mais nos apartamentos, além de providenciar-lhes a necessária ração de sobrevivência. 

Esse era um dos núcleos de cearenses de Lavras da Mangabeira, que estudavam na Rainha da Borborema, em que uma parte era estudantes secundaristas, todos eles alunos do Colégio Estadual da Prata.

Ribamar Lemos, o velho e querido Ribamar  citado no inicio do artigo, gerenciava um armazém de rações bovinas, à base de resíduo de algodão, vindas pelo trem da cidade do Cedro e lá, no próprio armazém, morava num primeiro andar, acompanhado de Tavinho e Ulemá Marques. 

Esse era outro núcleo residencial de Lavrenses em Campina Grande e, por situar-se às margens do Açude Velho, era chamado Beira Fresca, uma referência ao frio característico da  cidade.

A distância razoável entre ambos,  não impedia a convivência e a comunhão de ideias entre os conterrâneos, que  era plena e permanente.  A semana de estudos era respeitada rigorosamente e com muita disciplina, explodindo em arroubos de lazer nos finais de semana, que ia da prática da pelada de futebol, às festas do Campinense Clube, naquela época ainda na Praça Coronel Antônio Pessoa.  A batuta ficava sob o comando e a regência    dos “veteranos” Anchieta Alves, pelo núcleo do Leda e Ribamar Lemos pelo núcleo do Beira Fresca.

As sextas feiras à noite, logo cedo, íamos à casa de Dona Toinha, uma cearense do  Arrojado, que morava com a família no alto da Conceição, nas proximidades do Buraco da Gia, por decisão  inquestionável de Ribamar Lemos, que sempre  aproveitava a visita, para curtir as saudades da sua amada  Salete que ficara em Lavras da Mangabeira.

Depois, por orientação do próprio  Ribamar ainda choroso e apaixonado, saíamos  para a agradável e divertida noite campinense. Seguíamos o velho Ribamar que ditava o rumo e assumia o controle das ações na noite, definindo o itinerário dos entretenimentos boêmios de baixo custo, já que era ele, Ribamar Lemos, que bancava a parte etílica e ao final da noitada ainda nos agraciava com uma revigorante  cabeça de galo.

Numa bela noite do mês de maio,  daquelas com uma garoa fina e o frio intenso característico da época, após a visita regulamentar à casa de Dona Toinha fomos levados por ele para o Cabaré de Zé Garçom. Era  um segundo andar na esquina das ruas Bartolomeu de Gusmão com Presidente João Pessoa, mais precisamente em cima do Banco de Seu Cabral, avô de Saulinho Ribeiro Cabral, depois meu colega de trabalho na CAGEPA.

Não, não se assustem com o verbete Cabaré, porque para os curiosos é bom saber que o clima cultural do cabaré era mais amplo e diverso e estava para além de simples encontros amorosos furtivos.  

Campina Grande, no  pioneirismo que lhe é característico, havia sediado no período da II Guerra Mundial, um dos maiores cabarés do nordeste brasileiro, quiçá do Brasil, que foi o Cassino Eldorado, restando dele hoje em dia, apenas os escombros pelo descuido dos homens públicos daquela cidade em desprezo à arquitetura,   à história e a memória daquela cidade.

Segundo o que escreveu Noaldo Ribeiro, em uma publicação virtual denominada Retalhos Históricos de Campina Grande, falando sobre o Eldorado que foi construído especificamente para aquela finalidade, ele disse: 

“A sala do show-room tinha espaço para 36 dançarinos e exibição de artistas. Aos lados do dancing, 40 mesas com quatro assentos cada uma. Nas salas de jogos havia: roleta 36, mesa de ronda (lasquinnê), mesa de bacará, mesa de campista, mesas de esplandim e mesas de poker.”

Ainda segundo ele, o Eldorado era frequentado por senhores do algodão, políticos e boêmios que em Campina Grande sempre existiu em abundância, todos eles pertencentes à aristocracia local e  representativos da fina flor do baronato e da tradicional família   campinense.

O Cabaré Assírio, situado num subsolo em frente ao obelisco da Av.  Rio Branco no Rio de Janeiro, com certeza sobraria  em luxo mas perderia  de goleada em diversidade de lazer.

O cabaré de Zé Garçom que aos meus olhos de pós-adolescente do interior era glamoroso, pela descrição feita por Noaldo  era modestíssimo, comparado ao que se descrevia do Eldorado. Todavia não deixou de seduzir meus anelos de menino pobre,  egresso de uma pequena cidade interiorana.

Confesso que estava bastante curioso  em   relação ao ambiente, já que as nossas noitadas românticas, sempre modestas por falta de dinheiro, ocorriam com frequência,  no próprio edifício Leda, ao som de uma pequena radiola de braço,  regada a cachaça e Rum Montilha, além  da alegria das garotas de plantão.

Vencidos os quatro ou seis lances de escadas, me surge o deslumbramento provocado pelos salões do cabaré, com um grupo seleto de meninas educadas, de boa aparência e muito boa conversa e isso nos  insuflava ao divertimento efusivo. 

Para tanto bebíamos e dançávamos intensamente, para posteriormente promovermos o  encerramento da noitada em outros ambientes, testemunhados por silenciosas   alcovas macias. 

Naquela que seria para mim a  Noite do Tango, já estávamos todos sentados ao som do piano de Jaime Seixas e da bateria do malabarista Zé Apolo, que fazia  o breque nas persianas da janela, provocando ainda mais a euforia da  festa. De repente o som parou e irrompe no salão acompanhado de Terezinha o Príncipe do Tango, para a  apresentação costumeira que era um ritual da casa que já fazia parte do  espetáculo cotidiano

Antônio Clarindo Barbosa de Sousa escreveu um texto de título:

CIDADE E VIDA BOHÊMIA: UM PASSEIO PELOS “MAUS COSTUMES” DE CAMPINA GRANDE,  uma narrativa em detalhes, ocorrida em outro ambiente, no caso  o Cabaré de “Chico Tamancão”, onde observara o desempenho magistral de Moacir. Na narrativa  ele se apresentou acompanhado de uma dama de nome Esmeralda,  ao invés de  Terezinha, mas que por ser marca registrada de Moacir Thiê, o Príncipe do Tango, nos serve de paradígma.

Diz ele:

“Num gesto rápido, mas elegante, ele dobra o corpo magro e joga esmeralda para cima. Esmeralda, a filha de Espanha,  flutua leve, solta, ágil, enquanto seus lábios beijam a rosa vermelha retirada previamente da lapela, para em seguida,  pousar o corpo moreno na perna do Príncipe do Tango”

Foi nessa hora, em cena exatamente igual à da narrativa de Antônio Clarindo, que tomado de surpresa e eufórico, eu  lancei a minha curiosa pergunta: 

“Quem é esse magro que ocupou o salão com Terezinha, Ribamar”? Esse? esse é simplesmente Moacir Thiê!

“Ai  que saudade de Campina Grande,

  “Peço noticias e você mande,”

             Rosil Cavalcante, por Marinês.

                        


Consulta: Retalhos Históricos de Campina Grande;Memória de João Vicente Machado;

Fotografias:cgretalhos.blogaspot.com;produto.mercadolivre.com.br;

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6 COMENTÁRIOS

  1. Campina Grande foi para nós lavrenses o ingresso ao mundo do conhecimento e da boêmia. Inesquecíveis as noitadas na Refavela, o São João no Clube dos Caçadores, as Serestas no Açude Novo e o encontro da juventude no final de tarde na Maciel Pinheiro. Velhos tempos, belos dias.

  2. Cristina Couto viveu Campina Grande de alguns anos depois mas experimentou o caldo cultural da cidade. As pessoas podem até não gostar de Campina Grande mas não haverá de negar seu pioneirismo, seu arrojo, sua independência e sua garra, predicados tipicamente sui generis à cidade rainha da Borborema.

  3. A minha Campina Grande dos anos 80, bem menos glamorosa que os anos de outrora, mas nos divertia em suas noites frias de inverno de bares da João Suassuna ou Cabarés da E. Pessoa. Velhos e bons tempos do rei do Galeto e as noitadas d Zé Pinheiro.

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