Por: João Vicente Machado
A proximidade do natal exige de mim como coordenador do sitio, pelo menos uma reflexão sobre a efeméride do Natal e, como ateu e nordestino do semiárido, tenho muita dificuldade de elaborar algo nesse sentido.
Na semana passada eu recebi a mensagem de um amigo, pedindo-me uma visão sobre o natal e eu respondi transcrevendo um poema de Aldemar Paiva, declamado por Lúcio Mauro de saudosa memória, cujo título é: Eu Não Gosto de Você Papai Noel. (veja o vídeo)
Todavia os laços de amor que me unem aos meus amigos, aos meus irmãos, aos meus parentes e à minha família, quase todos eles religiosos praticantes, consolidaram em mim uma ética cristã arraigada, adquirida no lar onde fui gestado e criado, no convívio de mais de vinte irmãos,
e isso me deixa como Ismália, personagem da poesia de Alphonsus de Guimarães.(veja o vídeo a seguir)
Hoje somos apenas seis irmãos ainda vivos, todos ele(a)s possuídos de uma fé inquebrantável, herdada dos meus pais, Joaquim Vicente Machado e Raimunda Alves Machado a Dona Neném, que tiveram de antecipar a viagem e de me deixar muito cedo. Minha mãe me deixou aos quatro anos de idade e o meu pai me deixou com onze anos, mesmo assim os poucos Natais que passei com eles foram inesquecíveis.
Vivi e ainda vivo, sempre que posso, o período natalino com eles, e nessa época me questiono sobre as contradições do Natal e sempre me ponho a refletir sobre a Noite de Festas como chamávamos, rodeado do carinho dos irmãos, à frente a minha mãe de fato, Maria Lina Machado. Ela que me tomou a criar a mim, a Anita e a Chagas, nos encheu de carinho e afeto e ainda nos deu régua e compasso para traçar os caminhos da nossa vida, com a ajuda dos demais irmãos.
A minha incredulidade latente começa a se manifestar com os ritos da celebração e o rumo que foi dado à Noite de Festa pelo ser humano, começando por entender que os equinócios e solstícios que marcam as estações do ano, têm na linha do equador as suas definições geográficas espaciais e, no dia 22/12/2020 passado, quando o verão começava aqui no hemisfério sul, na mesma data iniciava-se o solstício de inverno no hemisfério norte.
Solstícios e Equinócios
Por esse motivo, nos países do hemisfério norte, nessa época num frio intenso, (“ là onde a neve cai”) aparece a figura de um ancião nórdico, vestido de vermelho, deslizando na neve à bordo de um trenó puxado por nove renas que até nome têm: (Rudolph, Dasher, Prancer, Vixen, Comet, Cupid, Donner e Blitzen. Enquanto isso, nós cá de baixo estamos agora mesmo enquanto escrevo, a uma temperatura de 31° C, com sensação térmica de 38° C.
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Nicolau ou Papai Noel |
As árvores de Natal ornamentadas com algodão simulam neve, enquanto as árvores da caatinga, desnudas, nem sombra oferecem já que estamos em pleno verão no hemisfério sul para nós sinônimo de seca, ocupados em ver os prognósticos de Marle Bandeira, as experiências da sabedoria dos profetas do clima, ansiosos por boas e copiosas chuvas, naquilo que chamamos de inverno.
A minha incredulidade aumenta e com ela a minha indignação, quando no aspecto sociológico, antropológico e cultural eu vejo a nítida e clara divisão de classes a separar ao invés de unir as pessoas, apartadas entre aqueles que podem e os que não podem celebrar o Natal. Novamente o poema de Aldemar Paiva me vem à mente e me mostra um Nicolau que foi beatificado pela santa madre igreja,, assumindo a caricatura da indiferença, que só presenteia os filhos dos ricos ou remediados, deixando à grande massa pobre, apenas as mãos esquálidas característica dos famélicos para implorar por comida.
Assis Valente, o grande compositor baiano que eu considero o verdadeiro Papai Noel do Brasil, compôs uma musica que tem por título Boas Festas que além de uma melodia harmoniosa, tem uma letra que de certa forma responde aos meus questionamentos sociológicos e antropológicos, por desenhar esse figurino de que vos falo.( veja e ouça aqui)
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Assis Valente |
Apesar de tudo isso, ainda podemos observar que, devido a irregularidade climática que se repete há séculos, as águas sempre voltam a secar e as árvores cedem ao vento em hastes ressequidas. A angustia da perspectiva de seca se renova, os animais emagrecem e morrem. A única coisa que não morre no nordestino é a fé inabalável, no desejo de evitar mais uma migração. Para isso Papai Noel está indiferente!
Contudo não haverá um só lugar no mais recôndito e longínquo dos nossos rincões que não arme nesse Natal um presépio de esperanças!
Consulta: https://www.youtube.com/watch?v=uV4ys4UyPro
https://www.youtube.com/watch?v=mC0EvZFn3lc
Fotografias: www.megacurioso.com.br;
musicabrasiles.org.br;