IRACEMA, DE JOSÉ DE ALENCAR A CHICO BUARQUE DE HOLANDA: dos verdes mares bravios de minha terra natal ao sonho americano.
Por: Cristina Couto
Romanceada pelo escritor cearense José de Alencar, cantada pelo paulista Adoniran Barbosa, saudada pelo baiano Caetano Veloso, e simbolizada pelo carioca Chico Buarque de Holanda, mais uma vez o ícone cearense, Iracema, tornou-se musa desse compositor, a partir da canção “Iracema Voou”. E, assim fazendo, Chico Buarque repensa o mito das mulheres destinadas a nos representar numa mistura de imagens e sonhos diante da cultura brasileira.
Neste texto a ideia é seguir um conjunto de representações, que há quase dois séculos são como ponte entre a cultura brasileira e a velocidade da pós-modernidade nos últimos tempos.
Num novelo de fio enredado por escritores, compositores, poetas, sambistas e cancioneiros duas figuras se destacam como começo e fim desse novelo cultural. No principio está o escritor cearense José de Alencar que, em 1865, colocou a personagem Iracema no cenário literário brasileiro, sendo esta a primeira que deu rumo à conversa.
Depois de quase um século, em 1956, o sambista Adoniran Barbosa a eternizou num samba conhecido e cantado nas rodas de samba de mesa e de fundo de quintal, acompanhado pelos Demônios da Garoa Iracema foi revelada e popularizada.
Em meio à ditadura militar e em pleno Planalto Central do país, Caetano Veloso emitiu acordes dissonantes pelos cinco mil alto falantes, e a saudou fervorosamente em sua Tropicália, desta vez, ela aparece ao lado de outro ícone, o ícone geográfico da revolução dos costumes daqueles tempos de Bossa Nova: Ipanema, uma fusão do romantismo com o modernismo expresso no verso: “Viva Iracema, viva Ipanema”.
E para trançar o grande novelo cultural que as Iracemas acabaram se enroscando o compositor Chico Buarque acabou arrematando a ponta da linha desse extenso novelo. Iracema volta revestida em uma mulher moderna da era da globalizada, da era do consumo e da marca impressa em tudo e em toda parte, ela ver na força do trabalho a oportunidade da sua ascensão profissional e liberdade financeira.
Aquela mulher passiva de outrora já não existe mais, agora, ela vai ao encontro da modernidade, representada na música pela sua migração, fato comum nos habitantes das periferias em direção aos grandes centros, sempre, buscando a ilusão de um futuro melhor e mais promissor.
Aquela Iracema que nasceu no Ceará e andava desavisada pelas as matas cearenses, um século mais tarde viajou para São Paulo e perdeu-se tragicamente no trânsito da grande metrópole, não ouvia mais o canto das jandaias que habitavam a mata do seu Ceará, desta vez, como a lendária fênix ressurge nas correntes artísticas de vanguarda na voz de Caetano Veloso e nos versos de Chico Buarque de Holanda. A personagem indígena de José de Alencar é modernizada ao máximo: “Iracema Voou” para a mais nítida representação do capitalismo: a América do Norte.
A Iracema de José de Alencar passiva e discreta não mais está no Brasil. Revestida nos versos de Chico Buarque a novíssima Iracema conduz afoita seu próprio destino, deixando para trás o canto da jandaia, o trânsito de São Paulo e os céus do Brasil. Afinal, tudo passa sobre a terra.