Retalhos Poéticos

Por: João Vicente Machado

          A poesia popular quando escrita em cordel, tem uma longevidade muito mais elástica do que os versos preciosos de improviso dos cantadores e repentistas da autêntica cantoria de viola nordestina.    

    Muitas preciosidades da história do improviso se perderam ao longo do tempo, pois em virtude de não haver nenhum aparelho eletrônico que registrasse as cantorias, preciosidades em métrica e rima se perderam.

    Os únicos registros que se tem  dos  ícones da cantoria, como Lourival Batista e Pinto do Monteiro, são apenas depoimentos de apologistas, de memória privilegiada, que  mentalizaram versos esparsos para subsidio do registros  dos escritores que dissertaram sobre o tema, como foi o caso de Leonardo Mota e o próprio Otacílio Batista,  assim mesmo com algumas  distorções.

    Hoje, a escassez de inspiração me guiou para a obra de um dos maiores, senão o maior repentista da história, Severino Pinto, o Pinto do Monteiro. Pinto fez muitas cantorias  e hoje o que resta do seu acervo verbal, são retalhos de versos catados aqui e ali  e que vez por outra nos aparece 

   São estrofes soltas, fragmentos de memoráveis cantorias, que foram registrados da forma que já lhes falei, todavia são versos riquíssimos em métrica e rima, cada estrofe com a sua história.

   A primeira delas e outras mais, eu vi escrita nas paredes da Pousada dos Poemas lá em Monteiro onde já me hospedei algumas vezes e refere-se à palavra saudade; a terceira foi obtida num pé de parede dele com Louro do Pajeú.

    Há uma  outra que foi registrada num “ pé de parede “ que ele fez com o poeta João Furiba, e revela o ranço  de Monteiro com Sumé entre outras mais.  Vez por outra fica o registro e o reconhecimento do sítio a esses talentos da mais pura cultura do nordeste  brasileiro, riquíssimo em história, folclore, manifestações culturais diversas, e berço de um povo que enverga porém não quebra nem enferruja.

    Mas melhor do que ouvir sobre Pinto é ler o que Pinto deixou de legado à arte da poesia:



Eu comparo esta vida

à curva da letra S:

tem uma ponta que sobe

tem outra ponta que desce

e a volta que dá no meio

nem todo mundo conhece


Esta palavra saudade

conheço desde criança

saudade de amor ausente

não é saudade (é lembrança)

saudade só é saudade

quando morre a esperança


Aonde eu chego, não vi

Mal que não desapareça

Raposa que não se esconda

Bravo que não me obedeça

Letrado que não me escute

Cantor que não endoideça


Cantar com quem canta pouco

é viajar numa pista

com um carro faltando freios

o chofer faltando a vista

e um doido gritando dentro

atola o pé motorista


Minha corda não se estica

não se tora nem se enverga

da terra pro firmamento

meu pensamento se alberga

em um lugar tão distante

que lente nenhuma enxerga


Eu vou fazer uma casa

na Serra da Carnaíba

a frente pra Pernambuco

as costas pra Paraíba

só pra não ver duas coisas:

Nem Sumé, nem João Furiba


Há vários dias que ando,

Com o satanás na corcunda:

Pois, hoje, almocei na casa

Duma negra tão imunda,

Que a prensa de espremer queijo

Era as bochechas da bunda!

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