Lavras da Mangabeira – CE |
Por Cristina Couto.
Na rua tudo era festa, brincadeiras e alegrias. As meninas brincavam de roda, de esconde-esconde e de pega-pega, já os meninos brincavam de pião, de círculo ou mesmo de lutar entre si. Os mais velhos sentavam nas calçadas observando o movimento da praça e do Café de Hermínia. Ah! O Café de Hermínia. Um lugar bem frequentado, apesar de muito simples, é verdade, mas, muito limpo e com um certo ar de elegância era o ponto de encontro de toda cidade. Talvez as mesas, as cadeiras e o balcão de madeira deram aquele lugar o requinte necessário. Lá num canto o fogão de carvão, com um bule de ágata em cima das trempes que deixava o café aquecido e cheiroso, atraindo os fregueses usuais. Era assim a vida da minha cidade, e foi nesse ambiente aconchegante e feliz que vivi belos dias da minha primeira infância.
Volta e meia acontecia algo que alvoroçava o nosso cotidiano nos deixando perturbados e servindo de comentários por longos dias, até que a cidade caísse outra vez na sua vida rotineira. Não pude esquecer o crime que ocorreu nas primeiras horas da noite do ano 1969. Exatamente, naquele horário em que todos estavam recolhidos nas suas mesas de jantar e já se preparavam para seguir o ritual de todas as noites.
A rua estava vazia, apenas, um ou dois transeuntes atravessavam a praça, e eu era uma delas. Criança, ainda muito pequena foi ao Café de Hermínia como era de costume, ela carinhosamente me dava o cheiro da cabeça, e de repente aquela discussão me fez parar. A poucos passos da porta do café eles batiam boca, e um deles sacou uma peixeira e golpeou várias vezes o outro. O pobre homem sem esperar e desesperado para salvar sua vida tentou escapar. Inútil, ele andou alguns metros e caiu completamente ensanguentado no chão, bem defronte da Farmácia de Seu Hilário Batista que nada pode fazer pelo moribundo. Os gritos de socorro chamou a atenção de muita gente que assistiu a agonia daquele homem. Ofegante, derramando sangue por todo o corpo faleceu em poucos instantes.
Igreja São Vicente Ferrer/ Rua |
Ambos passavam as maiores aflições das suas vidas. Um agonizava vendo a vida sair por entre as feridas sangrentas que lhe cobriam todo o corpo, e o outro, corria sem rumo em grande aflição, num fuga desesperada vendo sua liberdade perdida por um ato impensado que acabara de cometer. Eu era apenas uma criança e observei o comportamento de dois seres humanos em aflição; um porque tirou uma vida e o outro porque a perdeu.
(Clique aqui)https://youtu.be/-fiWeLBSQCE
Até as tragédias de outrara eram mais românticas e ideológicas.Eram lamentadas, comentadas e sentidas. Mas, entendidas pelos fatos que causaram tais acontecimentos. Tanto, a tragédia de Noel como a de Lavras foram tão marcantes que uma acabou em samba canção e a de Lavras em crônica.
Assisti alinda rapazinho, o crime de que fala com tanto detalhe a conterrânea e amiga Cristina Couto, colaboradora do nosso sitio, com a sua incomparável capacidade de elaborar e manusear as palavras.
Parabéns amiga.