O analfabeto político

      

Por: João Vicente Machado

       O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele ignora que a razão do custo de vida, como o preço do arroz, do feijão, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende de decisões políticas.

O analfabeto político é tão ingênuo  que se orgulha e estufa o peito dizendo que política não se discute e que odeia política. Não sabe ele que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o desempregado, o menor abandonado, a prostituição infantil, além do pior de todos os bandidos que é o político oportunista, egoísta, fisiologista, entreguista e lacaio das multinacionais.(Bertolt Brecht).

O analfabeto político a que tão bem refere Bertolt Brecht, não é aquele que não aprendeu a ler e escrever e sim aquele que lê e escreve, mas não interpreta nem entende o que lê na forma escrita ou falada. Brecht define àqueles como indiferentes à própria sorte,  ao seu (dele) futuro e ao futuro da própria família.

Com relação aos que não sabem ler e escrever existe uma polêmica sobre o direito do voto que foi conquistado, mesmo de forma incompleta, em 1985 após o restabelecimento da democracia, depois de vinte anos de ditadura.

Quando classificamos a conquista do voto do analfabeto como incompleta, é porque o analfabeto de letras pode votar, mas não pode ser votado e isso é estranhamente injusto na nossa modesta opinião. Voltaremos ao tema em outra oportunidade!

O Dr. Roberto Queiroz foi Juiz de Direito em Lavras da Mangabeira CE, lá pelos idos de 1950/60 do século passado. Era irmão da escritora Rachel de Queiroz, muito austero apesar de muito educado e de fino trato. As comarcas menores não tinham naquela época, como eu creio que ainda não têm hoje em dia, a figura do Juiz Eleitoral, cargo que é exercido cumulativamente pelo Juiz de Direito da Comarca. 


Havia chegado à cidade em período pré-eleitoral e para assessorá-lo nos trabalhos do cartório eleitoral, convocou por indicação que recebera de outras autoridades da cidade, a minha mãe de criação Maria Lina Machado, que era professora do Grupo Escolar e foi cedida pela Secretaria de Educação do Estado onde era lotada. 

O processo de qualificação eleitoral já havia transcorrido e ele resolveu fazer uma auditoria do trabalho anteriormente realizado por processo de amostragem, para avaliar a qualidade, a retidão e a lisura do trabalho. 

Dentre as fichas por ele próprio selecionadas, lhe caiu às mãos a de Xavier Areia, funcionário operário do Colégio Agrícola, onde trabalhava no roçado, uma imposição da pedagogia do próprio  Colégio. Tinha um porte físico avantajado, de estatura mediana a alta, jogava um futebol de qualidade sofrível e era muito respeitado pelo vigor físico intimidatório e pelo tamanho das suas chuteiras, 44 bico chato. 

Ao analisar a ficha de Xavier e desconfiado da sua pouca intimidade com as letras, mandou chamá-lo para uma audiência onde precisaria esclarecer algumas dúvidas.

Xavier chegou, respeitosamente retirou  o chapéu da cabeça, perfilou-se ante a autoridade do Dr. Roberto Queiroz, que o  convidou  a sentar-se para a audiência que se seguiria. Em presença de qualquer Juiz, sempre existe ou existia antigamente, uma reverência involuntária por parte do entrevistado e com Xavier Areia não foi diferente. Com os braços cruzados  comprimindo o chapéu no  peito, ouviu a primeira pergunta:

Qual o seu Nome? Ele respondeu cabisbaixo e reverente:

Xavier de Tal, (não lembro o sobrenome) vulgo Xavier Areia!

Veio a segunda pergunta: foi você que preencheu essa ficha? Mais ou menos doutor, respondeu ele!

Mais ou menos como? Xavier cabisbaixo respondeu baixinho: compadre fulano (não me perguntem o nome) me deu uma ajudazinha!

Dr. Roberto Queiroz faz a pergunta final: você sabe escrever seu nome? Xavier encabulado disse: doutor, do meu nome eu só sei o sige! (X).

Dr. Roberto, cavalheiro como já ressaltamos, diante da figura humilde de Xavier, talvez tenha sido tomado pelo mesmo sentimento de compreensão e respeito que me invade agora, imaginando as mãos calejadas pelo trabalho honrado que Xavier exercia. O Juiz não disse, mas deve ter entendido que: se Xavier era um funcionário federal cumpridor do seu dever e das suas obrigações funcionais, tinha que ter a oportunidade de decidir como cidadão, o seu futuro, o futuro dos seus filhos e o futuro da sua nação. Ficou em silêncio e finalmente disse: pode ir muito obrigado!

Reflitamos sobre esse caso verídico com a convicção de que, o cidadão pode ser analfabeto das letras e mesmo assim ter muito mais discernimento do que o analfabeto político. 

Consulta: depoimentos da minha mãe Maria Lina e de outros amantes da história de Lavras da Mangabeira; registros da memória do autor; entorno do mercado público de lavras. 

Maria Lina Machado e João Vicente Machado

                           

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