Por: João Vicente Machado
Toda cidade tem uma ou duas figuras populares que se revelam pelo senso de humor em tudo aquilo que fazem, pela sagacidade, pela esperteza ou a capacidade de ludibriar e pregar peças.
Um exemplo bem claro desses tipos de que vos falo é a dupla Chicó e João Grilo, personagens muito engraçados, porém inteligentemente trapaceiros, que compõem o elenco do filme dirigido por Guel Arraes, baseado na obra de Ariano Suassuna, de título O Auto da Compadecida.
João Grilo, bem mais antigo do que Chicó, foi um personagem do cordelista paraibano, João Martins de Athayde, (1880-1959) sucedâneo de outro paraibano, Leandro Gomes de Barros, o maior poeta cordelista do século passado. Athayde definia João Grilo assim:
“João Grilo foi um cristão,
Que nasceu antes do dia,
Criou-se sem formosura
Mas tinha sabedoria
E morreu depois da hora,
Pelas artes que fazia.”
As semelhanças do personagem do texto de hoje com João Grilo, não se constitui em um exagero nosso, até porque João Grilo era ficção, enquanto o personagem da nossa história, era de carne e osso, portanto muito mais real e autêntico do que João Grilo.
Cajazeiras, berço do Padre Inácio de Sousa Rolim, terra que ensinou a Paraíba a ler, também teve e ainda tem, seus personagens excêntricos como foi o irreverente João Rodrigues, mais conhecido por João de Manoelzinho. Semiaculturado, valentão, amante do carnaval, folião de raça, e vereador por duas legislaturas, marcou história na região e faleceu aos 72 anos de idade, no dia 04 de junho de 2013.
De João de Manoelzinho ou Manezin como queiram, contavam-se muitas façanhas, sobre o seu humor irreverente, a sua valentia e a sua sagacidade. Pincei duas, das muitas presepadas da sua (dele) lavra, entre as muitas que me foram narradas por cajazeirenses ou cajazeirados, entre eles o amigo e colega Geraldo Quirino.
A fé dos romeiros é tamanha, que atrai gente desde a Bahia até o Maranhão, os quais, a partir de setembro de cada ano, demandam ao Juazeiro do Norte e a Canindé, em pacotes religiosos onde a visitação é duplamente concorrida, apesar do maior prestígio e afluência ao Juazeiro, próximo a Cajazeiras, distante apenas 170Km, enquanto Canindé dista uns 500Km.
A peregrinação se inicia pela Basílica de São Francisco do Canindé, onde os fieis pagam suas promessas, depositam os ex votos e fazem suas oferendas materiais, dirigindo-se em seguida ao Juazeiro com os mesmos propósitos de gratidão e fé.
Quando João de Manezin resolveu se candidatar a vereador pela primeira vez, avaliou suas finanças e constatou que, a sua (dele) poupança era insignificante para o volume de campanha que imaginara.
Preocupado, mas suficientemente sagaz e matreiro, teve uma ideia que uniu o útil ao agradável em termos de compromisso de campanha, casada com a comunhão de fé, com um efeito eleitoral muito promissor.
Comprou um caderno volumoso, de folhas pautadas, adestrou uma filha para as anotações necessárias e espalhou a notícia em Cajazeiras que, uma vez eleito, presentearia quem nele votasse, com uma piedosa visita à Basílica do Canindé.
A notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora e começou a aparecer devotos em grande quantidade. Ele pedia a cada um deles, o título de eleitor e a carteira de identidade, para cadastrar apenas aqueles que lhe assegurassem o voto.
Veio a eleição, e com ele a votação consagradora de Zé de Manezin, eleito como o mais votado que, em vez da alegria esfuziante da vitória, se encheu de preocupações com o compromisso que assumira sem ter condições financeiras de honrá-lo.
Como era ardiloso, lembrou-se que o prefeito eleito, era correligionário seu e a ele recorreu pedindo clemência, no que foi prontamente atendido. O Prefeito assegurou os ônibus que conduzira os fieis/eleitores à Canindé, todos eles admirados com a pronta resposta de João de Manezin, ficando muito felizes com o novo Licurgo que, pela pronta resposta já começara a adquirir credibilidade junto ao seu fiel eleitorado.
João atravessou o primeiro ano num esforço imenso para manter a credibilidade no seu mandato. Para tanto um favor aqui, outro favor acolá, uma valentia mais na frente, um desaforo mais veemente em defesa do seu povo e em defesa do seu “Colégio Eleitoral.”
Na eleição seguinte a promessa se repetiu, mas não teve o efeito retumbante da primeira e os votos encolheram apesar de João se eleger novamente e novamente se encher de preocupações para honrar o seu (dele) compromisso com os eleitores. O prefeito eleito que não era seu correligionário, sequer teve olhos para João de Manezin, dificultando a relação com o poder executivo como dono que era da chave do cofre.
O resultado é que João, que fora fenômeno eleitoral na eleição passada, não se elegeu mais nem nessa, nem nas demais eleições seguintes, creditando o seu fracasso talvez à maldição dos “santos”, e nunca ao fracasso da sua própria estratégia.
Semelhantes figuras excêntricas como: Juruna, Leonel Medeiros, o bolo cru, Enoque Pelágio, Pedro do Caminhão, Toinho do Sopão, Santino, Aguinaldo Timóteo, além de alguns detentores atuais de mandatos, aspirantes a pleitos futuros, se anunciavam nas eleições de então, como futuros condenados ao fracasso das urnas. João de Manazin apenas anteviu o futuro. Outros virão, quem viver verá!
Outro episódio urdido por João de Manezin revelou a sua subida criatividade e esperteza em lidar com as dificuldades do cotidiano, mesmo que de forma pouco republicana, e não tão lícita.
João, no auge de uma das suas crises financeiras, dirigiu-se ao dono de um Circo que estava montado na cidade de Cajazeiras e lhe propôs uma parceria num espetáculo que idealizara, precisando apenas de um espaço adequado para exibi-lo, mediante uma compensação financeira, advinda de um percentual da bilheteria.
Alugou um carro de som com um locutor Humilde, sob o compromisso de que o pagamento seria feito mediante um percentual da receita gerada pela bilheteria do espetáculo e sugeriu que quanto maior o esforço do parceiro, maior seria a receita e consequentemente a retirada do contratado. O carro não parou durante todo dia, e foi dos Sete Candeeiros ao Alto do Belo Horizonte, passando pelo Por do Sol e as Capoeiras, anunciando o espetáculo.
Naquela noite no Circo seria exibido um espetáculo inédito e ainda hoje inesquecível.
“ A Mulher que Vira Peixe!”
No fim da tarde início da noite, o Circo estava superlotado e a bilheteria esgotada. Como é de praxe nos espetáculos circenses do interior, fizeram a primeira chamada com uma cirene, vinte minutos depois fizeram a segunda chamada e finalmente a terceira chamada, como aviso de acomodação para o início do espetáculo que se iniciaria em seguida, com um número do próprio Circo, reservando para o final a grande curiosidade de João de Manezin “A Mulher que Viraria Peixe,” a ser exibido logo depois do intervalo.
Abertas as cortinas depois do intervalo, o cenário mostrava um fogão de quatro bocas, com uma grande frigideira em cima, manuseada por uma bela jovem em trajes menores, que seria a própria “transfigurada” em peixe. Aceso o fogão e depois de uns três a quatro minutos de fogo, a jovem manuseia a frigideira com habilidade de tapioqueira, onde se via uma traíra que estava sendo fritada ser virada na frigideira.
Ao descobrir o logro que lhe fora pregado, a multidão correu para a bilheteria onde foi informada que meia hora antes, João de Manezin por lá passara e levara todo apurado.
A partir de então passaram a procura-lo pela cidade até descobrir que João havia saído em direção a São José de Piranhas, levando o dinheiro do qual nunca mais viram a cor e lá estava ele, com os bolsos recheados, vitorioso, bebendo sua cervejinha porque “ninguém é de ferro.!”
Consulta: Cajazeirenses e cajazeirados diversos;
Fotografias: fleismardasilva.blogspot.com;
maedasdpres.juazeiro.com;
diáriodosertão.com.brc