Eleições na Bolivia

                                               

Eleições na Bolívia 2020


Por: João Vicente Machado

Uma brisa democrática semeando  esperanças começou a soprar na América Latina, depois das sombras do arbítrio que tomam  conta de quase todo continente  e pelo visto parece que  começam a se dissipar com o surgimento da luz.

Os processos eleitorais ocorridos no Cone Sul da América, começando pelo  Chile, onde Sebastián Piñera, estranhamente sem nenhuma filiação partidária, venceu o pleito e sucedeu a socialista Michelle Bachelle. 

Pelo seu programa de governo, Piñera acenou para os grupos econômicos  sinalizando para o aprofundamento da política neoliberal da qual foi um laboratório  montado pelo ditador Augusto Pinochet,  adotando os pressupostos da Escola de Chicago, implantada por um grupo dos chamados Chicagos Boys chilenos, executores da política econômica neoliberal e que viraram intelectuais orgânicos do establishment.

Quando da sua eleição, Piñera sinalizara para um pacote de privatizações, inclusive das jazidas de cobre, a  maior e talvez o último ativo nacional a ser entregue aos grupos econômicos internacionais..

Nem ele nem ninguém esperava que se encontrasse  em gestação, uma explosão social fecundada na ditadura Pinochet, que teve uma longa gestação de 55 anos período  em que os direitos sociais da população chilena foram  sendo solapados,  com uma reforma previdenciária nos mesmos moldes da que foi proposta e aprovada para o Brasil recentemente e que teve em Paulo Guedes um dos mentores.

Com relação à venda de ativos, houve uma escalada de privatizações que alienou grande parte do patrimônio público, tornando a economia nacional cada vez mais dependente e encolhendo a autonomia nacional a níveis de dependência. 

A proteção ao trabalhador chileno que era bem ampla foi sendo erodida através da restrição ou extinção da seguridade social, que acabou sendo eliminada; a educação e a saúde viraram mercadoria; os benefícios econômicos e sociais conquistados pelo povo chileno foram paulatinamente negados,  arrastando a população chilena para os níveis de indigência , com o propósito de fazer caixa para beneficiar os grupos econômicos e a banca internacional

Os serviços essenciais insubstituíveis foram privatizados, como a água destinada ao consumo humano, elevando as tarifas a preços insuportáveis que hoje em dia obriga o chileno a optar entre tomar o seu  banho diário  ou  lavar a  roupa suja.

A população foi submetida a mais de 55 anos de opressão  e não suportando mais o cerceamento de direitos fundamentais mínimos a que foi submetida, explodiu em manifestações populares gigantescas que ocuparam as ruas de Santiago e de outras cidades de maior porte, obrigando o governo recém-eleito a rasgar todo seu planejamento ultraliberal e voltar-se para o cumprimento do verdadeiro papel do estado que abandonara, cedendo à pressão popular  e em obediência à voz rouca das ruas.

A segunda noticia auspiciosa foi a eleição ocorrida na Argentina que acabara de derrotar nas urnas o governo neoliberal de Mauricio Macri, que cinicamente, como se nada tivesse acontecido, pleiteava a reeleição, esquecendo de combinar com o povo. 

Macri conseguiu a proeza de levar a Argentina quase que à bancarrota. Um país autossuficiente em energia, em alimentos e com uma razoável indústria de transformação, em uma única e desastrada gestão cedeu aos encantos dos grupos econômicos dominantes beneficiando às corporações econômicas, com uma brutal  concentração de renda que reduziu às rés do chão o mercado interno.

A nação foi submetida a um padrão de vida inferior, com perda de direitos essenciais  reduzidos  a níveis nunca vistos, nem no período da ditadura dos generais golpistas que depuseram Isabel Peron, marcando o início do entreguismo  e da  derrocada econômica da  argentina.

O país também foi palco de  grandes convulsões sociais, com protestos gigantescos acontecidos no governo Mauricio Mácri,  substituído pelo peronista Alberto Fernández tendo por Vice Presidente Christina Kirchner.

O governo Fernández encontrou uma terra arrasada pela política ultraneoliberal do governo Mácri que tinha o apoio dos USA através de prepostos adredemente preparados.  

Bolsonaro, o mais exaltado deles, a  principio estrilou com a derrota do aliado, esperneou, bravateou e até ameaçou,  mas terminou tendo  de engolir a decisão soberana do sofrido mas altaneiro povo argentino, que não suportando mais o peso do andar de cima, explodiu em protestos nas ruas.

As sequelas ficaram como sempre acontece nesses casos. A recuperação da economia numa situação dessas, pelo menos para voltar a níveis anteriores, não é tarefa fácil e precisa de muita harmonia, compreensão e participação popular.

Um exemplo bem próximo é o Chile que passou por um cataclismo tão intenso e destruidor, que mesmo depois de 57 anos, está tendo as maiores dificuldades para curar o tecido social putrefato gerado pelos ditadores.

Por fim a Bolívia, o penúltimo exemplo da ação perniciosa das forças da reação, ávidas em destruir social e politicamente tudo quanto foi construído  à custa de muito sacrifício do seu povo.   

A Bolívia teve um presidente legitimamente eleito pelo seu  povo, que visando evitar um banho de sangue, foi  obrigado a renunciar em 10 de novembro de 2019, por imposição do comandante das forças armadas, em meio a uma conspiração do baronato nacional, a serviço sujo dos grupos econômicos internacionais. 

O país vinha exibindo por anos seguidos, o maior índice de crescimento do PIB das três Américas em uma  década, crescimento que vinha sendo chamado “milagre econômico boliviano” com uma média  de  5%  de crescimento ao  ano,  com um IDH crescente e  um nível de escolaridade e saúde pública de fazer inveja.

Acusaram o presidente Evo Morales do “crime” de “tentar se manter no poder”, mesmo que ele tenha realizado eleições livres e diretas, acompanhadas por organismos internacionais. Resumindo: ele precisava ser detido e alijado da política, para não continuar a dar “maus exemplos”. quer à Bolívia, quer  a América Latina.

Após a apuração dos votos das eleições  do domingo passado, foi eleito em primeiro turno o candidato apoiado por Evo Morales, Luis Arce,  que foi ministro das finanças do seu governo e o grande responsável pelo bem sucedido programa macroeconômico.

Pelo visto a história do golpe na Bolívia está no mínimo mal contada! Pergunta-se:

Como é que um presidente exilado conseguiu a proeza de eleger um candidato a presidente e uma bancada expressiva de parlamentares, se era tão indesejado pelo seu povo como propalava a burguesia boliviana?

Evo Morales adotou uma política diversa daquela que foi praticada no Brasil, nos governo Lula /Dilma, que apesar do visível avanço das condições sociais do nosso povo, para melhor, ao invés de formar cidadãos, formou consumidores. A síndrome do consumo foi estimulada e a casa popular tinha tudo em termos de conforto, mas o cidadão morava numa rua sem água, sem esgotos, sem drenagem, sem calçamento, sem coleta de lixo e sem transporte coletivo. 

Subestimaram as forças da reação que hibernaram pacientemente por 12 anos para dar o bote, desfechando um golpe parlamentar bem sucedido para  retomar o governo e implantar uma política economicamente equivocada socialmente injusta, além de incentivar e disseminar  o ódio entre os iguais.

Morales não se descuidou em nenhum momento em fortalecer a unidade da sua verdadeira base de sustentação que eram os movimentos sociais, em grande parte nascidos da população do altiplano andino. Ele se elegeu sofrendo a carga pesada da burguesia boliviana preconceituosa, que ia do racismo a toda sorte de adjetivos depreciativos, mas não se descuidou um minuto de preservar a organização do seu povo em defesa do governo popular e muito progressista que vem surgindo.

O baronato boliviano que se concentra majoritariamente em Santa Cruz de La Sierra, que é o centro comercial da Bolívia e reúne o establishment daquele país, era habituado a derrubar sucessivos governos eleitos, impondo o seu pensamento macroeconômico, exercendo o governo de fato e mantendo os sucessivos presidentes como reféns.

Morales quebrou essa lógica e com muita habilidade e liderança, permitiu o consumo sim, mas adotou o processo de libertação social e não de compensação social como ocorreu no Brasil. Ele continua  formando cidadãos  e despertou neles a consciência de classe que os fez enxergar-se como sujeitos e não como predicado do processo de desenvolvimento. Estão aprendendo a construir juntos a sua escala de valores onde o mais caro para eles é a liberdade que não tem preço.  

A prenderam ouvir o canto da Sereia capitalista sem se jogar n’água. Morales operou construindo a base material desse extrato para promover a inclusão e dessa forma despertar  a consciência de classe que está vindo junta, como consequência. Simples assim!

A vitória de Luís Arce foi a vitória da resistência, a vitória da superação, a vitória da fé na democracia, foi a opção pela soberania e autonomia do seu povo, enfim foi a vitória construída pelo povo da Bolívia que lavou a alma da América Latina.  

A Bolívia entra num processo de retomada da democracia e do processo de desenvolvimento que perderam há um ano.  E nós, aonde vamos?



Consultas:g1.globo.com;

Fotografias: brasildefato.com.br;

bbc.com;polarquia.com.br

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