Por: Flávio Ramalho de Brito
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Sérgio Sampaio |
A música foi composta para participar de um dos muitos festivais de música que ocorreram no Brasil durante a década de 1960 e os dois primeiros anos da década seguinte. No caso, foi no último daqueles festivais que tinham maior importância, a sétima edição do Festival Internacional da Canção, que era conhecido como FIC, realizado no Rio de Janeiro, entre setembro e outubro de 1972. O FIC tinha uma parte nacional e outra internacional. Participando de uma das eliminatórias do evento nacional a canção foi desclassificada, sob protestos da cantora Nara Leão, que era a presidente do júri, com a alegação de que a apresentação havia sido comprometida por uma briga que ocorrera nas arquibancadas do Maracanãzinho, local onde se realizava o evento. Mesmo eliminada, a música foi uma das raras canções daquele festival que resistiram à ação julgadora do tempo. Durante quase meio século decorrido desde aquele VII FIC, a música nunca deixou de ser muito executada. É sempre cantada em rodas de música, em manifestações políticas e até no carnaval.
Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou.
Há quem diga que eu não sei de nada
Que eu não sou de nada e não peço desculpas
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira
E que Durango Kid quase me pegou.
Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender.
Eu, por mim, queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso
É disso que eu preciso ou não é nada disso
Eu quero é todo mundo nesse carnaval.
Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender.
Eu quero é botar meu bloco na rua, composta pelo capixaba Sérgio Sampaio e gravada em 1973, teve um grande sucesso popular, vendendo cerca de 500 mil discos. Lançada durante o governo Médici, o mais repressivo da ditadura militar instaurada em 1964, a marcha-rancho de Sampaio tornou-se um hino de protesto naqueles tempos sombrios, e continua, até hoje, sendo regravada. O próprio Sergio Sampaio reconhecia esse matiz da sua música em entrevista dada, em 1989, a Zeca Baleiro: “A grande importância dessa canção é ter sido feita e lançada numa época em que as pessoas estavam muito amordaçadas e bastante medrosas de abrirem a boca para falar qualquer coisa”. A canção alterna uma arrastada primeira parte de um quase desânimo com a consolidada, à época, situação do regime do Durango Kid e uma segunda parte de exaltação e otimismo em uma mudança de ventos que acabaria acontecendo. Apesar do grande sucesso de Eu quero é botar meu bloco na rua, Sergio Sampaio não conseguiu, posteriormente, estabelecer uma carreira musical regular, do ponto de vista mercadológico.
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Sergio Sampaio e Raul Seixas em1971 |
Sérgio Sampaio era muito ligado a Raul Seixas, por amizade e ideias comuns. Gravaram, juntos, um anárquico disco de uma chamada Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, sem nenhum impacto. Avesso à autopromoção e às cruéis leis do mercado, Sampaio ficou com a pecha de maldito, no sentido que dão aos artistas que transitam fora do circuito comercial. Sergio Sampaio morreu, em 1994, aos 47 anos, em quase total esquecimento, embora seja, ainda hoje, cultuado por muitos.
Sergio Sampaio, em entrevista dada a Zeca Baleiro, dizia que respondia, quando lhe perguntavam “e aí vai botar o bloco na rua?”
– “Não. Eu já botei. Falta vocês botarem”
Eu quero é botar meu bloco na rua – Lenine e Casuarina