Senhoras e senhores, com vocês: PATATIVA DO ASSARÉ.

Um boi zebu certa vez
Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.
Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.
Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.
Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.
Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.
Mais formiga aparecia.
Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.
Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
Vamo minhas camarada
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.
Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.
Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.
As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.
Por: João Vicente Machado
Se alguém ouvir falar em Antônio Gonçalves da Silva, com certeza poucos saberão tratar-se de Patativa do Assaré, um dos maiores, senão o maior nome da poesia e da arte popular nordestina do século XX.
Nasceu em 05/03/1909 na localidade rural denominada Serra de Santana, no município de Assaré no Ceará, frequentou a escola durante quatro meses apenas, tendo assim pouco contacto com as letras, mas o suficiente para apaixonar-se pela poesia.
Um vulto do mato como ele próprio se autodenominava, seu nome transpôs fronteiras e foi internacionalmente reconhecido pela sua fecunda e densa obra.
Teve também o reconhecimento dos expoentes da nossa poesia e literatura que enxergavam em Patativa um verdadeiro fenômeno.
Foi agraciado com muitas homenagens e premiações, além de cinco prêmios de Doutor Honoris Causa em universidades diversas e mais de vinte publicações entre livros e poemas.
Convenhamos que isso não é pouco e é a mostra do que ele escreveu, afora as poesias improvisadas que recitava com desenvoltura.
O seu verso era eminentemente social e tal qual uma navalha cortava toda injustiça praticada principalmente contra os trabalhadores do campo, injustiça que ele conhecia por senti-la na pele.
O poema que lhes apresento, vem bem a calhar nesse momento difícil de tempos sombrios que atravessamos.
Do livro Ispinho e Fulo. Disponível em: http://culturanordestina.blogspot.com/2009/02/ o-boi-zebu-e-as-formigas.html. Acesso em 30 maio 2019 (adaptado).