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O Audaz Peregrino da Paraíba

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O Peregrino Audaz
Por: Flávio Ramalho Brito


Em 1864, iniciava-se o mais grave e duradouro conflito que já houve entre os países da América do Sul, a Guerra do Paraguai, como ficou, aqui, conhecida. A luta da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai, a Maldita Guerra, como a denominou o historiador Francisco Doratioto, deixou como saldo o quase total aniquilamento da população masculina do Paraguai que, ao final da guerra, era constituída, em sua maioria, por menores de 10 anos. Do lado dos aliados, as baixas também foram numerosas. O conflito se deu em razão de antigas divergências, entre brasileiros e paraguaios, com respeito às fronteiras entre os dois países, à necessidade de garantia da utilização pelo Brasil da navegação através do rio Paraguai, que era a principal via de acesso ao Mato Grosso, e, principalmente, devido a um reordenamento nas relações entre Brasil, Argentina e Uruguai, que os paraguaios julgavam prejudicial aos seus interesses na região. A conflagração foi iniciada com o apresamento, pelo Paraguai, de um navio mercante brasileiro, seguido de ataques paraguaios ao território mato-grossense. Na época, o Brasil não estava, militarmente, preparado para o  enfrentamento de uma guerra. O exército nacional tinha um efetivo bastante modesto e uma organização muito precária. As tentativas de compor as tropas arregimentando a Guarda Nacional, estabelecendo cotas de recrutamento por cada Província, não tiveram sucesso. A Guarda Nacional era uma força civil, que havia sido criada em 1830, comandada pelos “coronéis” regionais e os seus quadros eram compostos pelas elites locais, que resistiram em ir para a guerra. A saída para constituir as tropas que iam combater no Paraguai foi, então, a criação do chamado “Corpo de Voluntários da Pátria”. Foi esse agrupamento, formado pelo alistamento voluntário de pessoas, principalmente, nos Estados do Norte e Nordeste, que forneceu o principal contingente do exército brasileiro. Na Paraíba, como nas demais Províncias, houve, também, os chamados “voluntários da corda”, que eram, principalmente, escravos que eram recrutados à força para completar a cota de combatentes que fora determinada para a Província. Jornais da época registram esses recrutamentos forçados, como foi o caso de trinta “voluntários” que foram trazidos acorrentados da cidade de Pilar, “todos de gargalheiras ao pescoço”, para a capital da Paraíba. Mas, o chamamento para compor o Corpo de Voluntários, ao mesmo tempo, seduziu o patriotismo de muitos jovens idealistas, que, voluntariamente, se apresentaram para formar nas forças nacionais, como aconteceu com alguns estudantes da Faculdade de Direito do Recife, dentre eles o paraibano Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, então quartanista do curso.

Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, que ficou comumente conhecido como Maciel Pinheiro, nasceu, em 1839, na capital da então Província da Paraíba, onde fez os estudos básicos. Em 1860, ingressou na Faculdade de Direito do Recife e passou a atuar na imprensa da capital pernambucana, publicando poesias e escrevendo artigos em vários jornais. Em 1863, fundou e assumiu a direção de um “periodico scientifico e litterario”, chamado O Futuro, onde foram publicados, pela primeira vez, vários poemas de um jovem baiano de dezessete anos, que chegara ao Recife para cursar Direito e de quem Maciel Pinheiro ficara muito amigo. O jovem baiano chamava-se Antônio Castro Alves e ficaria conhecido, pouco tempo depois, como o “Poeta dos Escravos do Brasil”. Naquela época, a Faculdade de Direito tinha entre os seus acadêmicos, além de Maciel Pinheiro, Tobias Barreto, Fagundes Varela, Castro Alves, José Higino, Martins Junior e outras tantas expressivas figuras que fizeram com que o período fosse considerado como o mais brilhante na história da Academia recifense. Quando cursava o quarto ano de Direito, Maciel Pinheiro publicou, em um jornal do Recife, críticas a um professor. Em razão disso, foi punido pela Congregação com a penalidade de prisão, por quatro meses, nas próprias dependências da Faculdade, punição absurda e anacrônica, herdada do regulamento da Universidade de Coimbra, mas, à época, ainda aplicável em Pernambuco. Em protesto contra a punição aconteceram várias manifestações dos estudantes, em solidariedade a Maciel Pinheiro, onde se destacava a voz já luminosa e inflamada do jovem Castro Alves. Para Jorge Amado “será Recife quem fará do poeta um agitador e um líder. Desta cidade a voz de Castro Alves levantará as bandeiras da Abolição e da República […] Recife será sua melhor tribuna”.

Maciel Pinheiro, desenho feito por Castro Alves.

Quando da partida de Maciel Pinheiro, como voluntário, para a guerra do Paraguai, Castro Alves lhe dedicou um poema com o título A Maciel Pinheiro, depois incluído no seu livro Espumas Flutuantes, único publicado em vida pelo poeta baiano. O poema se inicia com “Partes, amigo, do teu antro de águias” e segue com todas as estrofes terminando com “Deus acompanhe o peregrino audaz”. O “Peregrino Audaz”, que se repete nas seis estrofes do poema de Castro Alves, ficou como uma marca, o cognome, que Maciel Pinheiro carregou pelo resto da sua vida. Nas Notas finais do livro Espumas Flutuantes, Castro Alves se refere, mais uma vez, ao amigo paraibano: Maciel Pinheiro é um destes moços que simbolizam o entusiasmo e a coragem, a inteligência e o talento nas Academias. Poeta e jornalista o moço estudante, aos reclamos da pátria, improvisou-se soldado. Hoje que o tempo e a distância nos separam é me grato falar de um dos mais nobres caracteres que tenho conhecido ”.


Castro Alves, aos 20 anos.

Maciel Pinheiro voltou da guerra doente, acometido pela malária, mas, conseguiu concluir o curso de Direito e passou a atuar na área jurídica. Foi promotor no Rio Grande do Sul, juiz em Recife e em comarcas no interior de Pernambuco e, depois, por perseguição pelas suas ideias, foi transferido para o interior do Pará. Como escreveu seu amigo Martins Junior, “era o tempo em que se castigava pelo crime de abolicionismo”. Inconformado com a transferência que lhe fora imposta pelo governo imperial, Maciel Pinheiro solicitou licença do cargo de juiz. Negada a licença, decidiu abandonar a magistratura. Na ocasião, o escritor e líder abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco publicou, na primeira página do jornal O Paiz, do Rio de Janeiro um longo artigo, que tinha como título Maciel Pinheiro:

“em toda a imprensa brasileira não há um homem igual. Há outros que escrevem com mais imaginação e, portanto, com mais brilho […] Não há nenhum, porém, cuja pena corte, como uma espada afiada, como a dele […] Em Maciel Pinheiro o jornalista é o homem. Pobre, combatido por uma enfermidade cardíaca, pai de família que, a presente, de um dia para o outro ficou ao desamparo, ele quer morrer na imprensa como José Bonifácio morreu na tribuna. […] Estudante ainda, Maciel partiu para a guerra do Paraguai como voluntário da pátria, o Castro Alves, que conhecia pela atração que sentia por ele[…] deixou o nome do seu companheiro soldado gravado nas suas belas estrofes”

Abandonando a magistratura, Maciel Pinheiro voltou para o Recife dedicando-se inteiramente à imprensa, fazendo dos jornais a trincheira de lutas na defesa dos seus ideais, a abolição da escravidão e a instauração da República no Brasil. Desde o tempo do jornal O Futuro e, depois, emA Província, Maciel Pinheiro desenvolveu intensa campanha contra o sistema escravista vigente no País, inclusive denunciando casos de atrocidades contra escravos, acontecidas na Paraíba. Por essa sua combativa participação em favor da extinção da escravidão no Brasil ele é considerado um dos principais nomes do movimento abolicionista brasileiro. Em junho de 1889, Maciel Pinheiro e Martins Junior, seu contemporâneo de Faculdade, fundaram, no Recife, o jornal de propaganda republicana O Norte. Durou pouco tempo a contribuição do paraibano ao jornal. Debilitado pela enfermidade contraída na guerra do Paraguai, Maciel Pinheiro faleceu, no Recife, na sua casa da Rua da Aurora, no dia 9 de novembro. Ainda não chegara aos 50 anos e faltavam apenas seis dias para que fosse implantada a República no País, regime pelo qual o jornalista paraibano tanto se batera. Maciel Pinheiro foi reverenciado, em várias partes do País, como um dos maiores propagandistas da República, como se observa em uma edição, do dia 15 de novembro de 1889, do jornal Libertador, de Fortaleza.


Pouco tempo depois da morte de Maciel Pinheiro, a Paraíba Republicana rendeu homenagens ao seu destemido filho. Foi dado o seu nome às principais ruas do comércio, da capital do Estado e de Campina Grande. No Recife, a cidade que foi o palco das lutas do indomável abolicionista e republicano, foi denominada de Maciel Pinheiro à Praça Conde d’Eu, localizada no bairro central da Boa Vista, que fora construída em homenagem à vitória brasileira na guerra do Paraguai. Várias cidades do Brasil também prestaram homenagens a Maciel Pinheiro, colocando o seu nome em ruas e praças.
Flávio Ramalho Brito
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4 COMENTÁRIOS

  1. O amigo Flávio é sem duvidas um cultor da história e tem trazido riquíssimas informações ao blog. Muita gente conhecia Maciel Pinheiro como uma rua objeto da encrenca Campina Grande onde é a rua principal da cidade e a Parahyba onde era a rua dos cabarés.

  2. Quando cheguei em Campina Grande no ano 1979, a Rua Maciel Pinheiro era o point da mocidade, sempre no final de tarde. Eu na época era uma jovem de 16 anos e passava por ela de volta do Colégio, jamais imaginei que essa homenagem fora feita a uma personalidade tão importante para nossa história. Infelizmente, estudamos história e não historiografia. Parabéns João.

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