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Chico Buarque e As Cidades

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Por: Cristina Couto

    Conhecido e reconhecido como um compositor capaz de colocar em cada sentença, em cada frase e em cada contexto a palavra certa, usando e abusando dos recursos da língua portuguesa, coube a Chico Buarque a utilização da palavra como instrumento de luta e de protesto, numa época, em que a Censura ceifava e queimava nas fogueiras dos atos institucionais o espírito critico de toda uma geração. Apesar das perseguições Chico manteve acessa a chama da consciência e da dignidade humana.  

    Em meados do século XX, as cidades brasileiras entraram numa nova fase histórica, sendo palco das transformações ocorridas pelos efeitos produzidos na industrialização, na internacionalização da cultura e do capital, cujos núcleos estruturais foram, justamente, os grandes centros. O duplo movimento da cidade despertou em Chico Buarque o observador, o flâneur, o homem da multidão que passeia pelas ruas a observar a paisagem urbana. Por um lado, é nos grandes centros que se concentram as funções mais avançadas do capitalismo descrita nos versos da canção “As Vitrines”, onde o mundo do fetiche e do consumo se funde ao medo e a insegurança que passaram a dominar a vida urbana na pós-modernidade. Por outro, as cidades tornam-se objetos de intensos fluxos de população e de uma profunda redistribuição de renda: seja nos bairros nobres, com uma formação de uma elite global móvel, e altamente profissionalizada, seja nos bairros populares, com a ampliação dos cinturões periféricos que hoje as circundam, onde se junta uma grande quantidade de população deserdada. Em resumo, a cidade socialdemocrata que se afirmou no pós-guerra, torna-se ameaçada em suas fundações, pois, o tecido social é submetido a intensas pressões que produzem uma verticalização crescente: onde os ricos tendem a se tornar ainda mais ricos, desfrutando as oportunidades disponibilizadas pela ampliação dos mercados, enquanto, os mais pobres afundam na miséria, destituídos de sistemas de proteção social, da ausência de políticas públicas e da falta de compromisso dos seus governantes. 

    O efeito desse duplo movimento é presente na vida cotidiana dos moradores das cidades contemporâneas: os bairros centrais são valorizados e tornam-se objetos de grandes investimentos urbanísticos, já outras áreas são corroídas pela degradação e tornam-se marginais, locais estes versados na canção “Geni e o Zepellin”, onde Chico Buarque discutiu a pobreza, a diversidade sexual, o preconceito, os poderes ali dominantes, e de como tudo cai por terra quando o medo e o interesse falam mais altos.  

  Em decorrência da dinâmica estrutural a que estão sujeitas as cidades, não surpreende que alguns explorem o medo, transformando-o na base de uma política de controle e repressão. A curto prazo, o jogo parece funcionar: a ação repressora e as reivindicações comunitárias servem apenas para tornar tolerável uma transformação que se processa fora de qualquer controle. Para que possamos reconstruir equilíbrios socialmente aceitáveis, precisamos de tempo, paciência, empenho da sociedade, competência e vontade dos governos.

 Tradicionalmente, nossas grandes cidades possuem um grau relativamente alto de integração social. Não lhes faltam problemas. Nos últimos anos os índices de pobreza aumentaram consideravelmente, e com isso, algumas áreas periféricas começaram a sofrer um processo evidente de degradação. Da mesma forma, sabemos que crescem os processos de marginalização dos mais pobres: os desempregados por longos períodos, psicologicamente fragilizados, a prostituição e os sem tetos. Cidadãos tratados como empecilho, como estorvo, prática comum nas grandes cidades. E as capitais brasileiras não fogem a regra.

    Uma das qualidades das reflexões que Chico Buarque oferece nos versos de suas canções é a capacidade de jamais fechar o discurso, deixando sempre aberto o campo das possibilidades para longos e proveitosos debates. E nesse sentido Chico é um compositor efetivamente urbano que mostra dentro da sua arquitetura poética todas as faces da cidade, sem se intimidar de incomodar os poderosos e o sistema dominante. É um poeta moderno que arrasta a tradição no imenso bloco carnavalesco que ele mesmo denominou de “Sanatório Geral”, dando vida a personagens fictícios tão vivos, tão reais, como: Juca, o cidadão relapso do Brás, o operário Pedro Pedreiro, a prostituta Ana de Amsterdã, a lésbica Bárbara, o homossexual Geni e a senhorita da janela Carolina. Todos envolvidos e levados pela grande festa, pela folia e a euforia do carnaval, deixando suas marcas e suas histórias registradas nos paralelepípedos das velhas cidades e na memória coletiva do povo brasileiro.

Afinal: tudo vai passar….

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6 COMENTÁRIOS

  1. A leveza dos escritos de Cristina, aliada a capacidade de elaboração que tem, nos desperta fatos do cotidiano que muitas vezes nos passam desapercebidos. É sem duvidas uma escritora consagrada é que ainda vai dar muito o que falar.
    Este texto é um primor de síntese é muito revelador do real tamanho de Chico Buarque, para mim o maior compositor do Brasil.

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