Canudos não se rendeu

Por: João Vicente Machado
    O genial escritor Euclides da Cunha   deixou uma obra escrita que eu considero um dos melhores,  senão o melhor, dos livros que já tive oportunidade de ler. Trata-se de Os Sertões.

     Como  jornalista  e  escritor, Euclides saiu da zona de conforto e veio aos sertões da Bahia com a missão de descrever a Campanha de Canudos.

    Engenheiro militar e afeito à geologia antropológica, ele decompôs  a obra em três partes :
  •     A terra
  •     O homem
  •     A luta

    Ao descrever   a  terra,    ele   dá  uma  verdadeira  aula de geologia, começando    a     sua   narrativa   desde   as   escarpas  costeiras   e íngremes   da   Serra  do   Mar,   em    Santa  Catarina   até   a    costa  nordestina do  sul  da  Bahia.   Essa  é   a  parte  mais  árida  do  livro que,     pela      minha    formação    de     engenheiro   e  curioso na morfologia   do   solo,  consegui  atravessar  e   chegar a  segunda parte da  leitura.

    Isso,  para   um sertanejo,   matuto     “praticante   e   juramentado” como  eu,  foi  uma  delícia que vez por outra releio.

     A   fotografia  fala por si  só e,  agora   mesmo,  eu vejo a pena  de Euclides  escrevendo:

O umbuzeiro é a árvore sagrada do sertão. Sócia   fiel   das   rápidas  horas   felizes  e longos dias amargos dos vaqueiros.”

   Por fim, a terceira e última parte do livro que narra em detalhes a guerra de Canudos, descrevendo nas entrelinhas  a  liderança   inconteste  de  Antônio  Conselheiro,  a capacidade  de  articulação política   de João Abade,   além   da  coragem,    da  bravura   e  da estratégia  de Pajeú e seus comandados.

    Pajeú  era   um  negro   pernambucano originário   da    região  do Pajeú  das  Flores,  que  incorporou-se  ao  grupo e  revelou-se um líder   guerrilheiro  ardiloso, além  de  um  exímio  estrategista   que   nunca    frequentou   qualquer  academia  militar,  tornando-se  um  marechal de campo da campanha.
     Enfrentou  com  armas artesanais e  derrotou  as duas primeiras expedições  de guerra  do exército  em ação conjunta com a polícia  baiana,   sendo    derrotado   na   última  e mais cruel  expedição  de guerra,   que  incorporou  5 mil soldados armados até os dentes, inclusive com o uso pioneiro  da   metralhadora que  os  combatentes  chamavam a matadeira.
     O   único senão   que    eu  tenho   de    Euclides  é  muito pessoal, e  diz   respeito    apenas   a    interpretação    que   ele  confere   ao conflito,  por considerá-lo   não  uma mostra  da fome e da miséria numa nítida divisão de  classes, mas  um amontoado de fanáticos, o que cá pra nós não é verdade.

     Ele incorporou a visão da Casa Grande divergindo de Rui Faco  e do próprio Gilberto Freire,   embora encerre o livro com  o magistral trecho  redentor de parte da sua falha:

           “Fechemos esse  livro, Canudos não se rendeu“.
  Exemplo   único   em   toda   história,   resistiu   até  o   esgotamento completo.  
    Expugnado   palmo   a   palmo  na   precisão  integral  do termo, caiu no  dia  5 ao entardecer,  quando  caíram  seus últimos  defensores, já   que   todos   morreram.
     Eram   quatro  apenas: um velho,   dois   homens   feitos e  uma   criança,  na  frente  das  quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.

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