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O rebu que deu quando o Corta-Jaca entrou no Palácio do Catete

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Por: Flávio Ramalho de Brito

No início de novembro de 1914, o senador Ruy Barbosa subiu à tribuna do Senado, para denunciar o que seria, para ele, a falta de compostura do governo da República:

“De quem a culpa se em toda cidade se fala no ‘corta-jaca’? O publico não dava attenção a essa dança considerada das mais baixas, das mais chulas, das mais grosseiras, irmã gemea do ‘cateretê’, do ‘miudinho’ e do ‘maxixe’. Foi o governo quem a celebrizou levando-a para as recepções do Cattete, cantando-a perante o corpo diplomatico com honras de musica de Wagner”.

A descrição da sessão do Senado feita pela Gazeta de Notícias relatava que o senador baiano brandia, na tribuna, um exemplar do jornal A Rua “em que foi publicado o programma do concerto do palacio do Cattete em que figura o corta-jaca”. Mas, o que acontecera para tamanha exasperação daquele homem público de rebuscada oratória, que, dele diziam, sabia todasas línguas e tinha lido todos os livros? O que era esse Corta-Jaca que provocava tamanho rebuliço na capital do País? Vou chegar lá.


Vivia-se, em 1914, o último ano do mandato presidencial do marechal Hermes da Fonseca. Eleito pela força da estrutura de poder montada pelo Presidente Campos Sales e sua Política dos Governadores, que inviabilizava qualquer possibilidade de vitória de um candidato oposicionista, o marechal Hermes derrotara nas eleições exatamente Ruy Barbosa, numa disputa memorável, que ficou conhecida como a Campanha Civilista. Pela primeira vez, houve, efetivamente, a participação popular em um prélio eleitoral, com multidões que eram atraídas pela oratória invulgar e arrevesada do político baiano. Hermes da Fonseca, gaúcho, sobrinho de Deodoro da Fonseca, monarquista (tinha assessorado o conde d’Eu, genro de Pedro II), não tinha nenhuma experiência administrativa e era um pau-mandado do senador Pinheiro Machado, que o colocara no posto e era quem dava as cartas no governo. O marechal, apelidado Dudu, o Urucubaca, foi o Presidente da República mais ridicularizado pela imprensa e pelas piadas criadas pelo povaréu, que o considerava um grande pé-frio, e, diziam, tudo dava errado com ele. Durante o mandato de Hermes da Fonseca, faliu um banco russo, onde o Brasil tinha depositado 2,4 milhões de libras, com grande prejuízo para o Tesouro, e, até a sua mulher, D. Orsina, mãe dos sete filhos do marechal, morreu, no início do seu governo.
Fazia pouco mais de um mês que o presidente Hermes da Fonseca ficara viúvo, quando resolveu ir a Petrópolis, para tentar espairecer a dor da perda da esposa. Na estação ferroviária, entre os que esperavam a chegada do Presidente, estava um antigo barão do Império, acompanhado da sua jovem e bonita filha. E, é ela quem conta o que ocorreu na estação, em entrevista dada quando já tinha 88 anos, mais de sete décadas depois do ocorrido:

“Naquela época, a principal diversão das moças da cidade era ir à estação ver a chegada do trem do Rio. No dia que o marechal Hermes chegou, papai foi recebê-lo e levou-me com ele. O presidente era um homem muito simples. Tinha acabado de ficar viúvo e não queria chamar a atenção. Dispensou o trem especial e desembarcou acompanhado somente por um ajudante de ordens. Estava cabisbaixo e todo vestido de preto. Papai apresentou-me a ele. O marechal pegou minha mão e ficou uma porção de tempo segurando-a e olhando para mim. No dia seguinte, o fato já era comentado pelos jornais”.
A paixão fulminante do sorumbático marechal por aquela moça, que se chamava Nair de Teffé Von Hoonholz, virou escândalo. O pouco tempo da viuvez e a diferença de idade entre eles (o presidente tinha mais do que o dobro da idade da moça) eram as razões, alegadas pela família de Hermes da Fonseca, em desaprovação ao casamento. Mas, o que mais chocava as provincianas, na época, sociedades de Petrópolis e do Rio de Janeiro, era a diferença de perfil entre os dois. O velho marechal, de reluzente careca, era um homem de hábitos simples, um sujeito que poderia ser considerado bronco.  Nair de Teffé, ao contrário, era muito inteligente, viajada, morara mais de dez anos na Europa, tocava piano e, o que era imperdoável naqueles tempos, sabia tocar, também, violão. E, além do mais, era pintora e desenhava caricaturas, que publicava em revistas e jornais do Rio, sob o pseudônimo de Rian (seu nome, ao contrário). Mas, apesar de toda a reação, eles se casaram.


No final do ano de 1914, faltando menos de um mês para o término do mandato do marechal Hermes, a primeira-dama Nair de Teffé resolveu fazer, à noite, no Palácio do Catete, um convescote para vários convidados, com apresentação de músicas, como já ocorrera várias vezes. E, é a própria Nair de Teffé, quem fala sobre o assunto: “Não acontecia nada de mais. Eram reuniões de família. Mas, apesar disso, a noite do ‘Corta-Jaca deu assunto para Rui Barbosa pronunciar no Senado uma verdadeira catilinária contra o presidente”. Os jornais noticiaram que a recepção dada pelo “Sr. Presidente da Republica e Mme. Hermes da Fonseca”, realizada das 9h à meia-noite, “esteve brilhantíssima” e que foi organizado um concerto, com peças executadas por Arthur Napoleão, Ernani de Figueiredo e Leopoldo Duque-Estrada. A lista das músicas ia de Lizt até a Fantasia do Hino Nacional, de Gottschalk. Só que, no meio do programa do sarau, estava lá o Corta-Jaca, em “solo de violão de Mme. Nair Hermes da Fonseca”. O que era esse tão perigoso Corta-Jaca, com poderes para abalar os pilares da República?

O Corta-Jaca era uma música classificada, na época, como tango brasileiro, e, fora composta, ainda no final do século 19, para uma revista musical de teatro, pela maestrina Chiquinha Gonzaga, a primeira mulher brasileira a se destacar no campo da música. O Corta-Jaca, também chamado Gaúcho, teve grande aceitação popular e, na ocasião, já tinha três gravações em disco, uma delas pela Banda do Corpo de Bombeiros. Aquela apresentação do Corta-Jaca no Palácio do Catete marcou a entrada da música popular feita no País, nos salões da retrógrada e colonizada elite brasileira, como se deduz pela reação à presença da música no Catete, expressa na imprensa da época e traduzida, na tribuna do Senado, por um dos seus representantes mais conservadores, que, uma década antes, já havia se posicionado contra a vacina obrigatória, instituída pelo médico Oswaldo Cruz, como forma de debelar os surtos endêmicos de varíola e peste que assolavam o Rio de Janeiro.

A presença do Corta-Jaca no Palácio do Catete uniu as duas mulheres mais revolucionárias daquele tempo, na derrubada dos padrões e costumes vigentes na carcomida sociedade brasileira de então: Chiquinha Gonzaga e Nair de Teffé. Chiquinha morreu, em 1935, aos 88 anos. Nair de Teffé, em 1991, aos 95 anos.

Nair de Teffé

Chiquinha Gonzaga


Corta-Jaca (Chiquinha Gonzaga), com os jovens músicos Victor Angeleas, Márcio Marinho, Larissa Umavtá e Paulinho Félix

Corta-Jaca – Discurso de Ruy Barbosa, por Mario Lago

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7 COMENTÁRIOS

  1. Quem imaginaria que tais momentos tivessem ocorrido na nossa outrora história. Quem de nós,eu com minha já avançada idade já ti há ouvido pelo menos falar nesse tal de "Corta JACA". É por essa e outras tá das que acompanho sempre que posso essas histórias com a peculiar narrativa deste BLOGUEIRO que sabe como ninguém com suas profundas pesquisas trazer para nós as realidades dantes vividas por nossos antepassados.

  2. A politica brasileira ciclicamente leva ao poder um bobo da corte, um atrapalhado, um pau mandado para operar o que a “elite” não pode fazer, não pode aprovar. Essa prática é antiga e tem levado o nosso país ao empobrecimento da população, ao desemprego, menos direito e mais enriquecimento para a minoria. O que nos salvou e continua salvando são as artes, em especial, a música, e, a MPB teve em seus tempos áureos um papel fundamental como contra ponto das nossas desventuras. Muitos foram os heróis e heroínas que com inteligência e sabedoria conseguiram protestar e reivindicar dando voz ao povo, através das letras e melodias das suas canções.
    Salve! Chiquinha Gonzaga, Nair de Teffé, Chico Buarque, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, Belchior, e como disse Caetano Veloso na sua música Podres Poderes: Será que apenas
    Os hermetismos pascoais. E os tons, os mil tons seus sons e seus dons geniais
    Nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais.
    Cristina Couto.

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