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O engenheiro, a aranha e um esquecido cientista paraibano

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Por: Flávio Ramalho de Brito
    

    Meu primo Paulo Roberto Campos, engenheiro com doutorado na universidade alemã de Aachen, comprou, anos atrás, um pequeno sítio nas cercanias de Campina Grande. Ao se aboletar no seu minifúndio, ficou assombrado com a regular visita ao local de estranhas e enormes aranhas. Curioso para saber qual era o tipo das suas vizinhas caranguejeiras, ainda em tempos de incipientes pesquisas no Google, procurou em compêndios e calhamaços de zoologia que se ocupavam dos aracnídeos. Terminou encontrando aquela espécie indicada numa revista francesa especializada no assunto. Ao verificar a classificação da aranha teve a surpresa ao constatar que aquele tipo chamava-se Lasiodora Parahybana, considerada a segunda maior tarântula do mundo e era endêmica na Paraíba. Ficou ainda mais surpreso ao tomar conhecimento de que a espécie foi descoberta e catalogada nos registros científicos internacionais, em 1917, pelo brasileiro Cândido Firmino de Mello Leitão. Ao procurar saber quem era esse cientista constatou que ele era um seu conterrâneo de Campina Grande. Paulo Roberto desfez-se, anos depois, do sítio, mas, até hoje, agradece àquelas caranguejeiras por terem-no livrado do desconhecimento sobre aquele pesquisador campinense. Mas quem foi Mello Leitão?



Cândido Firmino de Mello Leitão Junior nasceu, em junho de 1886, em uma fazenda no município de Campina Grande. Fez os estudos fundamentais no Recife e no Rio de Janeiro, onde ingressou na Faculdade Nacional de Medicina. Em 1908, concluiu o curso com distinção. Iniciou no magistério na antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária, onde foi diretor e depois catedrático da cadeira de Zoologia. A partir de 1915, deu início à publicação de trabalhos de pesquisa científica que chegaram a duas centenas. Foi diretor de Zoologia do Museu Nacional e, durante vários anos, de hospital da Santa Casa, no Rio de Janeiro. Mello Leitão foi membro efetivo da Academia Nacional de Medicina e um dos fundadores da Academia Brasileira de Ciências, da qual foi Presidente. Representou o Brasil em vários simpósios e reuniões científicas internacionais e era considerado uma das maiores autoridades mundiais em aracnídeos. Da vastíssima obra publicada pelo professor Mello Leitão destacam-se: Dicionário de Biologia, Compêndio de Botânica, Compêndio Brasileiro de Biologia, Glossário Biológico, Zoogeografia do Brasil, História das Expedições científicas no  Brasil e Curso Elementar de História Natural, todos com várias edições. A Academia Brasileira de Ciências instituiu, em sua homenagem, um prêmio denominado “Mello Leitão”.

Em 2000, o governo da Paraíba transformou a Mata do Buraquinho, reserva de cerca de 330 hectares inserida na área urbana da capital do Estado, em um Jardim Botânico. Precisava-se, como de praxe, uma denominação para o novo equipamento ecológico. Arruda Câmara, importante naturalista paraibano nascido no século 18, já havia, com todos os méritos, sido homenageado com seu nome na Bica, um parque zoobotânico da cidade. Para denominar o Jardim Botânico recém-criado esperava-se que o nome de Mello Leitão fosse lembrado, mas outro foi o escolhido. Deveria ter, obviamente, mais assinalados serviços do que o cientista campinense. Desta vez, o curioso fui eu. Procurei trabalhos científicos do nome escolhido, nada encontrei. Atividade acadêmica, nada. Talvez, tivesse a escolha sido motivada pela descoberta de uma nova espécie de vaga-lume ou de alguma desconhecida formiga de roça, ou mesmo decorrente da defesa intransigente de um pé de pau em vias de extinção. Nada achei. Só encontrei uma explicação: a escolha do nome deveu-se apenas a uma única e exclusiva razão, era o pai do governador do Estado daqueles tempos. Parafraseando o poeta seiscentista Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”, se poderia dizer: Triste Paraíba.

Felizmente, o Estado do Espírito Santo, décadas atrás, já havia reconhecido em Mello Leitão o valor que a Paraíba, posteriormente, lhe negou. Em 1949, no ano seguinte a sua morte, um seu dileto discípulo criou, em sua propriedade, no munícipio de Santa Tereza, no vale do Canaã (aquele mesmo do cenário do livro de Graça Aranha), um museu com o nome de Mello Leitão que, desde a sua origem, é um dos principais equipamentos mundiais na preservação da biodiversidade. A partir de 1983, o Museu de Biologia Professor Mello Leitão passou a ser gerido pelo Governo Federal. O discípulo que fez a homenagem a seu mestre e amigo não era qualquer um. Tratava-se de Augusto Ruschi, que foi proclamado, por meio de lei federal de 1994, o Patrono da Ecologia no Brasil e que teve até sua estampa colocada em antiga cédula de quinhentos cruzados.
Campina Grande, a terra natal do professor Mello Leitão, não esqueceu seu ilustre filho. A cidade tem uma rua e uma escola municipal com o nome do cientista. Mas, eu tenho minhas dúvidas, se algum professor ou professora da escola saiba mesmo quem foi Cândido Firmino de Mello Leitão.

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12 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom. Não fosse a aranha do sítio de Paulo Roberto eu também ficaria sem saber quem foi Mello Leitão. Esse Flávio Ramalho é um verdadeiro Google de antigamente Kkkkkk
    Envie o artigo à diretora da escola, quem sabe ela divulga com os alunos e docentes.

  2. Complementando os comentários feitos sobre a vida de Dr. Mello Leitão, neste artigo gostaria de lembrar que o inesquecível Dr Virgílio Brasileiro era um profundo conhecedor da vida e da obra do nosso sacramentado cientista paraibano.

  3. Registro também que ao inauguramos o Museu Vivo de Ciência e Tecnologia(1997) em Campina Grande, convidamos um pesquisador do Butantã, par dar uma palestra. Durante a palestra ele falava sobre os animais peçonhentos e de sua extinção que comprometia o bioma da Caatinga a exemplo da cascavel etc. Qdo se referiu aos aracnídeos e como consequência de Mello Leitão. Lembrei prá ele que Mello era Campinense, o que deixou surpreso e quase duvidoso do fato. Voltou prá São Paulo no mínimo enriquecido de conhecimento.

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