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Frutas Estranhas

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Em 1939, o Cafe Society, uma boate localizada em um porão no Greenwich Village, em Nova York, era o único local da espécie, existente na cidade, em que havia integração entre brancos e negros, tanto no palco, onde se davam os shows, como na plateia. A casa era frequentada por artistas, intelectuais, políticos e pessoas liberais, caracterizando-se a sua clientela o que poderia se considerar como progressista, a comprovar o lema do lugar: “The wrong place of the Right people”. A principal atração da boate, desde a sua inauguração no ano anterior, era uma jovem cantora negra de pouco mais de vinte anos, que já despontava como uma das mais prestigiosas da música norte-americana.

Por: Flávio Ramalho de Brito

    Certo dia, a jovem cantora foi procurada no Café Society por Abel Meeropol, professor de inglês, poeta, ativista político, e, também autor de músicas, que assinava com o pseudônimo de Lewis Allan. Meeropol apresentou à cantora uma canção de sua autoria, e, nas palavras dele: “tive a impressão de que ela não se sentiu à vontade com a música […] ela olhou para mim depois que eu terminei de apresentar a canção e disse: o que você quer que eu faça com isso, cara?, e eu respondi: seria maravilhoso que você cantasse essa música. Se quiser, não se sinta obrigada”. A canção não se enquadrava bem no repertório da cantora, formado de baladas que falavam de amor e romance. Mesmo considerando o perfil liberal da plateia do Café Society a cantora relutou em apresentar a música na boate. Mas, por fim, decidiu cantá-la, segundo ela, porque ficara muito impressionada com o poema, “parecia que falava de todas as coisas que tinham morto meu pai […] mas não tinha a certeza se conseguia transmitir essas coisas, que tinham significado para mim, ao público de um clube fino. Tinha medo que a detestassem”. A cantora relatou, em depoimento posterior, a primeira vez que cantou a música: “A primeira vez que a cantei fiquei com a sensação que tinha sido um erro e tinha razões para ter medo. Não houve sequer um ameaço de palmas quando acabei de cantar. Então uma só pessoa começou a bater palmas nervosamente. E de repente toda a gente estava a bater palmas”. São essas as primeiras palavras da canção de Meeropol:

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“Southern trees bear a strange fruit. / Blood on the leaves and blood at the root. / Black body swinging in the Southern breeze. / Strange fruit hanging from the poplar trees” “Árvores do Sul dão uma fruta estranha/ Sangue nas folhas e sangue nas raízes / Corpos negros balançando na brisa do Sul / Fruta estranha pendurada em galhos de árvores”.

 A obra de Abel Meeropol era uma denúncia cortante contra os linchamentos de negros que vinham acontecendo, principalmente em pequenas cidades do Sul dos Estados Unidos, desde o fim da guerra civil, sendo estimado um número de 3 mil linchamentos entre 1889 e 1940. Os atos eram feitos como punição a crimes que teriam sido praticados pelas vítimas. Em alguns casos, o justiçamento visava a apenas demonstrar para negros mais salientes e intrometidos a “conhecer o seu lugar”. A canção de Meeropol foi composta dezesseis anos antes que a negra Rosa Parks, em 1955, no Alabama, se recusasse a ceder o seu lugar em um ônibus a um branco, marco do movimento contra a segregação nos Estados Unidos.

A música de Meeropol, que tinha o título de Strange Fruit, tornou-se a mais emblemática obra contra o racismo nos EUA e em todo o mundo, chegando a ter sua execução proibida na África do Sul durante o período do apartheid. A intérprete, Eleanora Fagan Gough, com o nome artístico de Billie Holiday, com sua voz arrastada, arranhada e inconfundível, acrescentando o sentimento da discriminação por que já passara, carregou Strange Fruit, de forma indissociável da sua pessoa, até o final da sua breve vida, destruída pelo álcool e pela heroína.

Billie Holiday – Strange Fruit

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