Por ;João Vicente Machado
O som extraído de panelas é uma forma criativa de protesto genuinamente brasileira, nascida na cidade do Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1983/1984, quando a nação não tolerava mais a ditadura militar. Depois disso, esse tipo de manifestação espalhou-se pelo Brasil e passou a ser usado como sinal de insatisfação.
No segundo mandato da presidenta Dilma Roussef, as panelas foram tiradas das cozinhas de classe média para, do alto dos terraços gourmet, sonorizarem a escalação do golpe parlamentar que foi ensaiado e perpetrado pelas elites, com o apoio da pendular classe média brasileira.
Ela, a classe média, sempre acompanha o tic tac da política igualmente a um relógio pendular, que ora vai para esquerda quando lhe convém, hora vai para direita, o lado das suas miragens de classe. Foi assim no movimento das diretas já, quando pendeu para a esquerda, onde lá estavam: Lula, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Waldir Pires, Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela, Franco Montoro, Tancredo Neves, Mário Covas, Roberto Requião, Pedro Simon e até mesmo os oportunistas Fernando
Henrique Cardoso e José Serra. Tudo por mera questão de sobrevivência e já em processo de adaptação a redemocratização iminente, com o mimetismo que lhe é característico.
Agora, ao pressentirem a agonia terminal do desastrado governo Bolsonaro e verem o povo protestar nas ruas contra as suas sucessivas trapalhadas, os terraços gourmet voltam à cena, acendem as suas luzes e novamente mostram o brilho e o som das panelas, tal qual os sons de sinos que dobram, nos fazendo refletir que o contágio tem amplidão e o momento é de união de todos em prol da saúde coletiva. A transgressão dessas premissas de quarentena poderá nos levar a óbito.
“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. Por isso, nunca perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
John Donne