Isolar é preciso, morrer não é preciso

Por: João Vicente Machado
   Nesses tempos ameaçadores de pandemia é imperativo entender que a contenção do vírus só é possível, ou com a vacina, ou com isolamento mais amplo de forma horizontal e com a curva mais aberta possível.

    A proposta já declarada de viva voz pelo presidente da república vai na contramão da ciência que propõe promover uma imunização vertical ou de bando, que preconiza esperar o nível de infestação atingir 60% a 70% da população, visando alcançar a imunização. É por esse motivo que ele dá declarações tão sinistras como a dessa semana quando Indagado por um repórter sobre o número de mortes,  diz: “… E daí? Lamento. Quer que eu faça o que”?”e ainda blasfemou:” Eu sou Messias, mas não faço milagre!”“.

    Uma grosseira resposta revestida de um misto de desfaçatez, dissimulação e cinismo.

   Um opróbrio a um povo sofrido, um escárnio para o país  governado por  histrião de um pastoril de humor   necrológico.

Faz-nos lembrar a celebre frase do tribuno  Cícero, senador romano, referindo-se a um seu par de bancada e também senador, de nome   Catilina, proferida em latim, a língua da época: “Quousque tandem  abutere Catilina patientia nostra” de tradução mais ou menos assim: “até quando Catilina abusarás da nossa paciência!”

    Não imaginei viver para presenciar o que acontece no Brasil de hoje, tão achincalhado, tão ridicularizado, tão humilhado diante da comunidade internacional e do mundo civilizado. E o pior é que  parte da população apoia e é exatamente o extrato social majoritariamente composto de pobres, usados como aplicativo de entrega. 

    É verdade que esse apoio está sofrendo uma forte erosão, quer seja pelo descrédito decepcionante que emergiu dos fatos, quer seja pelo despertar e abrir dos próprios olhos. Esse apoio advindo dos desinformados que hoje têm a coragem de mudar e certamente se somarão conosco a partir de agora.   
 A outra parte, formada por segmentos de todos os matizes, fundamentalistas incorrigíveis, deve ser ignorada: “…pai perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem..”

  A política de saúde pública de quaisquer pais é uma prerrogativa indeclinável do estado nacional e nasce de um planejamento que propõe política pública de saúde. Os países com mais compromisso com o bem estar dos seus povos adotam com muito sucesso essa política como é o caso de Cuba e da China. 

  Quando o SUS foi idealizado logo após a redemocratização em 1985, foi definido um modelo de prestação, gestado dentro da FIOCRUZ, sob a orientação de Sergio Arouca e Frederico Simões Barbosa que acabavam de retornar do exílio, onde haviam planejado e montado  o sistema de saúde da Nicarágua.

 O SUS norteia-se por três princípios doutrinários básicos: universalidade, integralidade e equidade. 

 A Universalização leva em conta que a saúde é um direito de cidadania de todos e cabe ao estado assegurar-lhe.

 A Equidade tem por principio diminuir desigualdades e significa tratar desigualmente os desiguais.

 A Integralidade considera as pessoas como um todo e atende a todas as suas necessidades.

 Até então os trabalhadores rurais que alimentam a cidade viviam à margem do serviço de saúde e a muito custo eram atendidos, por favor, como indigentes.  Foi  o SUS acabou com essa excrescência.

 Por conta disso o SUS desagradou ao empresariado médico e passou a sofrer ataques até agora, quando desafiado por uma calamidade pandêmica está sendo a salvação de todos.

 O presidente da república, como que indiferente e alheio a tudo, contraria o mundo cientifico e sugere a quebra do isolamento, culpando os governos estaduais e os municípios pelas consequências econômicas, a rigor uma injustiça contra   aqueles que estão pondo em prática o que tanto a OMS como o mundo científico recomendam.  

  É óbvio que a prestação ocorre na ponta, que são os estados e municípios, mas é obrigação indeclinável do governo do país, prover os prestadores, dos recursos necessários para que a universalização, a equidade e a integralidade se materializem. 
  A questão de fundo é que a pandemia nos alcançou numa grave crise econômica e o Ministro da Economia cuja política é voltada para o sistema financeiro, é irredutível na preservação do superávit primário, e a manutenção de uma ortodoxa política econômica liberal. Ele não admite o uso de recursos públicos para financiamento da seguridade social e o bem estar da população.

    O governo federal, em sendo o único ente público que pode fazer dinheiro para financiamento do enfrentamento ao Covid 19 se for o caso até emitindo moeda para tanto, mas não o faz para não impactar o sistema financeiro, fato comprovado com a compra em plena pandemia, de uma carteira podre do Bradesco pela bagatela de R$ 123 bilhões.

O resto é “conversa flácida para bovino dormitar”, e a população não pode permitir isso.

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