
Por: Mirtzi Lima Ribeiro;
Eu nasci na época em que se trocava correspondência através de papel, envelope e com selos que pagavam o envio. Era comum que escrevêssemos às amizades, e especialmente, que as pessoas enviassem cartas de amor.
Os cartões de Natal eram sempre festejados quando recebidos. A escolha do mais adequado e vistoso para o destinatário era um enorme prazer, principalmente se o cartão fosse confeccionado artesanalmente sob o bom gosto do remetente.
As cartas carregavam consigo as energias e as recordações do que se passava na mente e no coração quando estavam sendo elaboradas. Ao serem transcritas manualmente, cada letra nas sentenças, ficava impregnada com muito sentimento. Era maravilhoso receber notícias dos amigos e amigas dessa forma, contando novidades, pensamentos ou trocando ideias.
As cartas de amor, então, eram esperadas com fulgor e expectativas. Receber ou enviar essas comunicações escritas, gerava entusiasmo. Muitos papéis de cartas continham imagens de flores, arabescos estilizados, bichinhos desenhados, corações ou paisagens de jardins. Para completar, se fosse para o amado, eram colocadas gotas de perfume. Antes de despachá-las, as garotas acrescentavam um carimbo singular sobre seus manuscritos, quando fixavam seus lábios pintados de batom.

Essas cartas revelam o traço de uma época em que o campo afetivo tinha durabilidade, o amor era valorizado e validado. Vivia-se por amor e ele também era a razão e a motivação para as demais realizações na vida. Junto com ele, vinham outras tantas responsabilidades que o ser humano desenvolvia e se afinava para cumpri-las a contento.
Era um tempo em que os sentimentos balizavam os contatos e intercâmbios de amizade e de amor. A espera em receber as respostas gerava uma adrenalina saudável. A imaginação cobria o lapso de tempo, as recordações ajudavam a manter acesa tanto a amizade quanto o amor.
Viagens? Elas eram a garantia de receber postais das localidades visitadas e isso era o termômetro da amizade e do amor: pelo fato de, mesmo distante, lembrar com carinho de alguém e escolher uma imagem que fosse bonita, que trouxesse sensações agradáveis para o destinatário quando lesse as breves palavras no verso do cartão postal.
Na minha adolescência, tive amigas e amigos com quem trocava cartas. Muitas delas longas, com detalhes de assuntos correntes, notícias, narrativas dos planos, pensamentos e sonhos.

Atualmente, com o advento do “fast” para comidas e outros itens de consumo, muitos levaram esse conceito para amizades e amores. O que vemos é um cenário volátil, portanto, estéril. Hoje em dia os sentimentos e a intuição ficaram acabrunhados.
Além disso, a velocidade com que equipamentos, objetos e móveis são trocados porque se tornam inservíveis ou obsoletos, também reverberou nas relações pessoais, cuja responsabilidade afetiva tombou ao chão.
O reverso é verdade: as coisas que têm subido de cotação e popularidade são as omissões, o egoísmo, o oportunismo, a falta de cultivo de sentimentos e de compromissos. Parece mais uma selva e um salve-se quem puder.
Por isso e mais um pouco, lembro de quando a virtude, a honra, o sentimento de verdade (de amizade e de amor), o respeito, o cuidado, a responsabilidade afetiva, valiam mais do que um documento assinado em cartório ou um contrato firmado. E se fosse acertado formalmente, mais zelo se demonstrava com o que fora contratado e acertado moralmente.

Por isso, para mim, a lembrança dessa fase da vida é o bálsamo e a alegria, exatamente por ter vivido nessa época, cujos integrantes estão para entrar na faixa dos sessenta anos ou outros tantos que já partiram para outras esferas de existência.
A reminiscência é válida para refletirmos onde e com que qualidade, colocamos o foco de nossas vidas.




