Por: Joao Vicente Machado Sobrinho;
Que as manchetes dos jornais e revistas exercem grande influência na percepção de muitos leitores é fato. Principalmente daqueles leitores que são habitués na leitura de orelhas de livros, e para além disso, são vorazes observadores das manchetes dos jornais e das revistas. Em ambos os casos, apesar de satisfazerem na plenitude às suas curiosidades, não estarão infensos de incorrerem em informações incompletas ou distorcidas. Em assim agindo, assumem a postura de semeadores da dúvida, além de confundir e comprometer a percepção do leitor. Uma informação incompleta, tem sempre o condão de contribuir para a difusão de notícias incompletas. E o que é muito pior, transformá-las em dogma de fé.
Tomemos como exemplo concreto, um fato histórico que serve muito bem para ilustrar de forma hilariante, a mudança repentina de opinião dos noticiosos pretéritos.
A Metamorfose da Imprensa:
Quando os ventos da política tendem a mudar de direção, entra em cena o processo de adaptação da imprensa oficial às diversas conveniências, de forma quase instantânea. Vejamos os remendos diários que a imprensa francesa se obrigou a fazer, ao ser surpreendida com a notícia da fuga de Napoleão Bonaparte do seu exilio obrigatório na Ilha de Elba, e o seu consequente retorno à Paris para reassumir o poder. O fato se deu entre os dias 9 de março e 22 de março de 1815.
Para aqueles que ainda insistem em duvidar do pragmatismo e do mimetismo da mídia, sugerimos ler com atenção a cronologia das manchetes do jornal Le Moniteur Universal, no exíguo espaço de 14 dias. A notícia tratava do retorno de Napoleão Bonaparte, do seu autoexílio na Ilha de Elba, em março de 1815.Vejamos:
“09 de março — O Monstro escapou de seu banimento.
10 de março — O Ogro Corso desembarcou no Cabo Juan.
11 de março — O Tigre mostrou-se em Gap. As tropas avançam por todos os lados para deter o seu progresso. Ele findará sua miserável aventura tornando-se um andarilho entre as montanhas.
12 de março — O Monstro realmente avançou até Grenoble.
13 março — O Tirano está agora em Lyon. Medo e Terror tomam a todos pela sua aparição.
18 de março — O Usurpador aventurou a aproximar-se da capital dentro de 60 horas de marcha.
19 de março — Bonaparte está avançando em marcha forçada, mas é impossível que possa chegar a Paris.
20 de março — Napoleão vai estar dentro dos limites de Paris amanhã.
21 de março — O Imperador Napoleão está em Fountainbleau.
22 de março — Ontem à noite, Sua Majestade o Imperador fez sua entrada pública e chegou às Tulherias. Nada pode deter o General. “
A manchete do Estadão e o truque da soma:
Toda essa preleção até aqui feita, é fundamental para um bom entendimento, e a forma mais adequada e didática de nos fazer entender é recorrer às metáforas. Neste texto, tentamos construir um contraponto a uma matéria publicada no jornal Estadão, edição do dia 7/9/2025, que no nosso entender, além de tendenciosa é deveras insinuante.
A manchete: “Reforma administrativa: Brasil deve gastar recorde de R$ 1,7 tri com servidores públicos.”
No corpo da matéria jornalística, consta que os valores usados para os cálculos, representam a soma das despesas públicas com o quadro de pessoal ativo e inativo tanto da União, quanto dos Estados e dos Municípios. Ademais, ainda se dá ao desplante de lamentar ironicamente: “enquanto discute uma reforma administrativa!”
Ora, além de juntarem numa única rubrica todas as despesas da União, dos Estados e dos Municípios, numa espécie de balanço expedito e provavelmente de olho gordo no saldo, ainda lamentam não poderem se apossar tudo, através da transferência de ativos para a iniciativa privada. Além do mais fizeram questão de fechar olhos para o significado do termo seguridade social.
O peso real a seguridade social:
A seguridade social nada mais é do que um leque de politicas públicas que têm como objetivo, garantir os direitos sociais básicos com: a saúde, a previdência e a assistência social, assegurando dignidade humana, solidariedade e um limite mínimo de bem-estar social à população.
A seguridade é composta por três pilares essenciais: a saúde, que será prestada através do SUS, numa forma modelar de atendimento médico universal e gratuito; a previdência, que assegura a proteção financeira em situações de incapacidade, de idade avançada ou de morte e a assistência social, aos grupos populacionais que estejam em vulnerabilidade, ou seja, os necessitados que não têm acesso à renda.
Façamos uma simples operação de adição: Se adicionarmos os percentuais que correspondem à previdência=21,16%, com os da assistência social = 5,99%, com os da saúde = 4,16%, teremos uma soma correspondente a:
21,16+5,99+4,16=31,31%
Assim, o percentual total destinado à seguridade, correspondente a: 31,31% do orçamento da união, ou seja R$ 14,40 bilhões.
Se há dúvidas sobre a soma, verifiquem os números impressos no infográfico abaixo e conferir.
O veículo noticioso, depois, de haver plantado de forma “inocente,” a matéria jornalística do dia 07/09/2025, ao que parece compilou a peça orçamentária da União, dos 26 Estados + o Distrito Federal, além de mais 5.143 municípios, (mais de 90% do total de municípios) que segundo a matéria jornalística corresponde às despesas com pessoal e encargos sociais programados para este ano de 2025.
Eles não apresentaram os números usados para os cálculos, nem disseram em detalhes como chegaram ao resultado abstrato de U$ 1,7 trilhões. Mesmo assim, tomamos a iniciativa de lançar um repto, a quem interessar possa.
Se utilizarmos os percentuais impressos em todas as fatias da pizza, à exceção da fatia amarela e adicionarmos, obteremos 58,04%. Esse percentual equivale a R$ 2,70 trilhões do orçamento da união. Assim sendo o governo brasileiro teria a seu dispor, pouco mais da metade do orçamento total de R$ 4,648 trilhões para: custear todas as despesas de custeio e de investimentos, num país com dimensões continentais e de enormes carências como é o caso do Brasil.
É exatamente nessa contradição, que reside pomo da nossa divergência. Ora, se exclusivamente com o pagamento do serviço de uma dívida externa que nunca foi auditada, foram consumidos entre juros e amortizações 42,96%, no ano de 2024, esse percentual correspondente a U$ 1,997 trilhões do orçamento anual.
Como está se tornando, cada vez mais difícil transferir recursos das fatias poli coloridas da pizza para a insaciável fatia amarela, os economistas heterodoxos de plantão no modelo liberal capitalista, surgem com outra ideia “inocente”. Agora insinuam fazer uma incursão nas finanças dos estados e municípios. Para tanto, procuram acelerar o desmonte das demais instancias do Estado através da privatização.
Além da sangria desatada da dívida pública, haveremos também de considerar o gigantismo do dispêndio orçamentário com as emendas parlamentares. Elas consomem muito mais do que o governo pode investir em ações estruturantes como as do PAC. Nesse caso estamos vivenciando dois tipos de sangria: uma sangria externa e outra interna, ambas custeadas pelo povo trabalhador do Brasil.
A pilhagem liberal capitalista interna, pode ser percebida com clareza com os fatos que vem ocorrendo no Estado de São Paulo, na gestão Tarcísio Freitas, pretenso candidato à presidência da república e o queridinho da extrema direita fascista.
Ele tem conquistado a simpatia dos grupos financeiros e para se cacifar como confiável junto ao establishement, está torrando os ativos do Estado à preço questionável em benefício do capital privado, num processo alucinante de privatização. O seu propósito prioritário é adquirir a confiabilidade do establishement, para disputar a Presidência da República em 2026.
Privatizações e o apetite da Faria Lima:
Já não basta achacar apenas a União. É preciso fazer com que a pilhagem vá a nível de Estado e de Municípios. Essa voragem entreguista para saciar o apetite da Faria Lima, irá beneficiar apenas 10% da população do país em detrimento do restante. E por ser uma política excludente, lançará na fome e na miséria mais de 40% da população do Brasil, e ainda provocará insegurança alimentar em mais de 50%. Não é demais afirmar com convicção que:
Todo problema das contas públicas no Brasil tem um nome: Sistema Financeiro que é o papagaio que come o milho junto com as calopsitas do parlamento, enquanto isso os periquitos que são o povo levam a fama.
Dados de 2022 mostram que o Brasil emprega menos funcionários públicos em comparação a outros países (12,1% sobre total do emprego contra 20,8% da média da OCDE), mas gasta mais (13,5% do PIB, contra 9,3% da OCDE), considerando servidores da ativa e aposentados na União, Estados e municípios, segundo dados do Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) levantados pela Fecomércio-SP.
“O Brasil não emprega tanto, mas gasta muito com o funcionalismo público e, aqui, a diferença fundamental, e principalmente no governo federal, é a remuneração, que é 67% maior para os mesmos cargos do setor privado”, diz o economista Antonio Lanzana, presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Fecomércio-SP e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Para o especialista, a reforma administrativa atinge um nó que impede o Brasil de crescer mais nos últimos anos: a produtividade. “Quem espera que a reforma administrativa vai resolver o problema das contas públicas ou os déficits que o Brasil tem, que são enormes, está errado”, avalia.
“O foco tem de ser melhorar a qualidade dos serviços, principalmente aqueles dirigidos às classes de renda mais pobre, como saúde e educação, e aumentar a eficiência do gasto. Você tem hoje, por exemplo, cargo público de datilógrafo, ascensorista e açougueiro, coisas muitos estranhas.”
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos afirmou que está implementando várias ações desde janeiro de 2023 nas áreas de pessoal, organizações e ampliação da agenda digital com o objetivo de aumentar a eficiência do Estado e a entrega de políticas públicas para a população.
“O crescimento das despesas de pessoal no governo Lula 3 concilia a sustentabilidade das contas públicas com a valorização dos servidores e a recomposição da força de trabalho. A folha do Executivo federal representava 2,68% do PIB em 2022 e a projeção é que alcance 2,59% do PIB em 2026″, disse a pasta.
Referências:
A isenção da imprensa: Napoleão e o Le Moniteur – Ensaios e Notas;
Fotografias:
A isenção da imprensa: Napoleão e o Le Moniteur – Ensaios e Notas;
Confira o novo gráfico do orçamento federal de 2024 e o Dividômetro – Auditoria Cidadã da Dívida;
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