A Crônica de uma Catástrofe Esquecida Tchê?

Por: João Vicente Machado Sobrinho,

Com o mês consagrado ao meio ambiente no ano de 2025, em curso, é inevitável não vir às nossas mentes, a tragédia climática que se abateu sobre todo estado e o povo do Rio Grande do Sul-RS, principalmente sobre a capital Porto Alegre. A amplitude da tragédia na sua grandiosidade variou entre os meses de abril e outubro com ápice entre os meses abril e julho do ano de 2024. Não é nenhum exagero afirmar que a magnitude da gigantesca tragedia deixaram um legado de efeitos colaterais que ainda perduram. Um ano e três meses depois da hecatombe, os rastros da destruição ainda estão presentes tanto materialmente como na memória das famílias pobres daquele estado, a rigor as grandes vítimas. O pior de tudo isso, é que a probabilidade de recorrência de uma nova tragédia não está afastada, segundo os prognósticos dos cientistas e estudiosos do clima. Em acontecendo ela poderá atingir novas e/ou as mesmas vítimas, de forma ainda mais contundente e esmagadora do que aconteceu em abril de 2024.

Uma programação preventiva coerente e objetiva, que deveria estar em curso e em ritmo acelerado, até o presente momento não foi sequer divulgada. Todas as medidas que foram adotadas até agora, foram meramente corretivas visando mitigar uma parte ínfima do grande prejuízo da pobreza, parecendo um cenário para Inglês ver. Enquanto isso, grandes latifundiários e os capitães agropastoris, obtiveram operações creditícias generosas e, o mais importante, tiveram a garantia que tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes. A velha pratica do império romano de “panes e circenses,” continuará em voga como um pilar incólume da ideologia da exploração.

Todas as ações anunciadas e ora em andamento à passo de tartarugas, têm contemplado apenas paliativos, onerosos e inadequados para fazer frente ao agravamento climático que se prenuncia e que são cevados pela insanidade deles próprios. Além desse aspecto que é permanente, não existe uma só estratégia de sobrevivência às hecatombes que se prenunciam. Essa inercia, essa leniência e esse descaso aos sinais climáticos só podem ser creditados a três aspectos: a ignorância, o oportunismo, a má fé, ou as três reações simultâneas. Ora, a natureza vem sendo violentamente agredida e, como sabemos, ela não se queixa, ela se vinga.

Para Nosotros, o período crítico foi contado em seis meses. Enquanto isso para as vítimas da catástrofe, o tempo pareceu infinito e a cadencia das horas era contada pela descoberta de mais desabrigados, de mais mortos, de mais desaparecidos, de mais feridos, de mais resgatados e de mais desabrigados. Vejam o balanço:

“Desde o primeiro alerta vermelho até hoje, o Rio Grande do Sul contabiliza 82.666 moradores resgatados e 12.215 mil animais socorridos em meio à calamidade. Os números retratam um cenário de destruição causado pelas chuvas e enchentes em 463 municípios do estado. Juntas, as cidades gaúchas já registram 157 mortos, 88 desaparecidos, 806 feridos, quase 600 mil desalojados e um total de 2.336 milhões de afetados.

De acordo com a Defesa Civil, cerca de 350 famílias seguem isoladas, muitas recebem donativos e água potável com a ajuda de aeronaves e pequenas embarcações. Mas, assim como a água avança pelas ruas, os índices negativos não param:
• 76.955 pessoas em abrigos;
• 1.078 escolas afetadas;
• 378 mil alunos impactados;
• Cerca de 240 mil pontos sem energia elétrica;
• 136.118 mil clientes sem abastecimento de água;
• Seis municípios sem serviço de telefonia e internet;
• 37 rodovias federais com bloqueio total e 13 com bloqueio parcial;
• 49 rodovias estaduais com bloqueio total e 41 com bloqueio parcial;
• Travessia de pedestres e veículos, de Rio Grande – São José do Norte, suspensa;
• Porto do Rio Grande com restrições;
• Porto de Porto Alegre com operação suspensa por tempo indeterminado; e
• Aeroporto de Porto Alegre: fechado.” (1): https://www.agencia.marinha.mil.br/

Naquele período de sofrimento, angustia, desespero, impotência e de desesperança diante do imponderável, o clamor das vítimas foi ouvido pelo nosso povo e a mobilização em socorro foi nacional, no sentido de recolher alimentos e roupas, para os desabrigados e famintos. Mesmo as populações secularmente sofridas, como os povos nordestinos, não se negaram a contribuir. Com o seu reconhecido espirito de solidariedade, tiraram do pouco que tinham e dentro dos seus limites contribuíram. Até hoje ao que nos conste, grande parte das providencias preventivas e cabíveis que eram prementes, sequer foram cogitadas por quem de direito, ou seja, as lideranças econômicas e políticas do Rio Grande do Sul. Em se tratando de mitigar as causas das mudanças climáticas tudo já deveria estar planejado e projetado e em execução. Mas afinal quais foram, na verdade, as causas determinantes da catástrofe?

A tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul com as fortes chuvas caídas, deixou um rastro de: imensas áreas inundadas, de: feridos, desabrigados, desaparecidos mortos e desaparecidos. Além do mais, revelaram ao cidadão comum o desconhecido, ou seja, causas complexas e multifacetadas, muito tempo confundidas com castigo divino e com perspectivas diversas para cada região do estado.

De um modo geral, as mudanças climáticas, com eventos extremos, tendem a ser cada vez mais frequentes e mais rigorosas. Todavia, a ação deletéria da mão e da mente humana, insiste em não dar a mínima importância para o fato e continuam adotando práticas laborais impactantes ao ambiente no que se refere a:

. Uso inadequado do solo para os diversos fins.
. Falta de um planejamento sustentável do crescimento rural e urbano.
. Ausência de ordenação e de planificação da expansão da atividade agropastoril.
. Uso exagerado e abusivo das energias fósseis e termelétricas.
. Abuso ambiental na geração da energia hídrica, em detrimento da devastação de vastas áreas para construção de barragens.
. Ausência de planejamento na questão da mobilidade urbana, através do abuso do modal rodoviário.
. Descontrole e permissividade abusiva no tocante à apropriação dos recursos naturais tais como:

. Mineração: A exploração mineral de forma abusiva e predatória, é uma das maiores causas dos grandes impactos ambientais que conhecemos. Sobretudo quando ela é praticada em regiões montanhosas como é o caso das Minas Gerais, sem obedecer aos devidos cuidados com a destinação do material escavado e com os rejeitos, tais como: a ganga descartável; os grandes volumes de rejeitos líquidos; e as escavações desordenadas à céu aberto no interior da bacia hidrográfica dos rios. Uma exploração de recursos naturais desse jaez, causará danos irreparáveis em toda bacia hidrográfica pois, aumentará a magnitude da erosão. Além do empobrecimento do solo, a erosão provoca danos enormes às águas de superfície, aumentando a turbidez e tornando-a inadequada ao consumo dos ribeirinhos. Além desse aspecto, a erosão contribui ainda para a morte dos rios, provocando os deslizamentos de solos das as vertentes e o assoreamento do seu leito deixando-o menos profundo. Então, com a calha diminuída, é inevitável a elevação dos níveis da água corrente, causando grandes inundações. Se tudo isso não bastasse há ainda a contaminação química decorrente do uso de metais pesados no garimpo. Com esses impactos em cadeia a tendencia é inviabilizar os usos da água para o consumo e para a agricultura irrigada.

. Madeireiras: O desmatamento para obtenção de madeira para fins comerciais, especialmente nas áreas de proteção ambiental, aumenta a vulnerabilidade dos biomas, expõe o solo à calcinação, permite a fuga do monóxido de carbono aprisionado e provoca deslizamentos, assoreamentos e às inundações. A cobertura vegetal natural, atua como um filtro que protege o solo entre outras coisas contra erosão.

. Agronegócio: O modelo capitalista de produção intensiva, inclusive de grãos, por via de regra é voltado para a acumulação ilimitada de capital e para o lucro máximo. O Brasil como usuário desse modelo, abandonou um processo de industrialização florescente para se tornar um simples produtor de commodities. Com essa prática submissa tem se tornado cada vez mais dependente do capital externo que é regido pelas regras ditadas pelas famigeradas leis de mercado. Como essa prática vem crescendo, ano a ano o Brasil vai produzindo com o olhar no mercado externo e tem praticando uma agricultura invasiva e de forma avassaladora. A prática epidêmica da monocultura, com o uso de biocidas de largo espectro, tem causado impactos diretos ao meio ambiente e à vida as pessoas, isso desde o plantio. Os grandes campos de grãos sempre são precedidos de um desmatamento radical com o uso de um dispositivo atrelado ao trator, denominado correntão que na sua passagem raspa o que encontram pela frente, maltratando o solo e extinguindo espécies vegetais e animais. O grande plantio muitas vezes consorciado com adubo e biocidas, contamina o solo, a água e os alimentos, estendendo essa contaminação aos lagos, aos rios, e aos aquíferos de superfície e subterrâneos.

A compulsão expansionista desenfreada e anárquica das fronteiras agrícolas, é uma das principais causas da liberação indesejada do monóxido de carbono-CO aprisionado no solo. O CO, é um dos grandes vilões causadores do efeito estufa na atmosfera que por sua vez tem como consequências: o aumento da temperatura do planeta, o excesso de chuvas; o derretimento da neve e das geleiras; a elevação crescente dos níveis dos mares, onde a consequência direta são as inundações como a que aconteceu no Rio Grande do Sul com o refluxo da água do mar através da abertura de Rio Grande e que se comunica com a da Lagoa dos Patos e o Rio Guaiba. Dessa vez o mar refluiu, todavia, a continuar o aumento dos níveis dos mares, um dia ele virá para ficar.

. Indústria da Construção Civil: A construção civil, no latu sensu da palavra, tem sido uma permanente dor de cabeça, principalmente em se tratando de áreas de risco. A falta de uma definição adequada e rígida do uso do solo, aliada a um planejamento movido por conveniências, é a causa maior de alagamentos, de deslizamentos e de outras catástrofes decorrentes. Obras públicas ou privadas necessárias à infraestrutura, quando mal planejadas e mal executadas (como diques, pontes, elevatórias de água e sistemas inadequados de drenagem), podem agravar ainda mais as consequências das inundações, hoje recorrentes, além de causar grandes e crescentes impactos sequenciados, aumentando ainda mais a vulnerabilidade da população.

Em resumo, cada segmento da economia no seu processo de expansão, pode causar impactos toleráveis ou não, dependendo da atividade econômica que praticam.

A falta de planejamento urbano e rural e a indefinição ou leniência no uso adequado do solo, o desmatamento, a exploração intensa e abusiva recursos naturais, a construção em áreas de risco e a ausência de infraestrutura adequada, são fatores que contribuirão com certeza para a degradação ambiental.

Todas essas catástrofes anteriormente citadas, estavam e ainda estão presentes no cotidiano brasileiro e mundial, de forma intensa, agravada e ameaçadora. Quando se conjugam e se somam, são capazes de produzir catástrofes recorrentes de forma pontual, como aquela que abalou o Rio Grande do Sul.

O que nos chama muito a atenção é a forma dissimulada como se comportaram os entes privados e públicos daquele estado. Os capitães da economia gaúcha, além das bravatas e dos arrufos, nada fizeram de evitável até o presente momento. De parte dos representantes políticos do estado, em sintonia com os latifundiários, parece terem ensaiado um discurso de uma nota só. Abriram o berreiro e de posse de uma metralhadora giratória verbal, culpabilizaram e continuam a fazê-lo, Deus e o mundo, menos eles próprios, a quem cabe verdadeiramente grande parte da culpa. Ao se eximirem da responsabilidade, parece que a intenção era posarem de inocentes alegando não ter conhecimento do agravamento da situação climática geral e a do RS em particular. Assim sendo, ainda hoje escamoteiam as causas do grave desastre climático que se abateu sobre os gaúchos e até a querência como dizem eles. A única coisa de concreto que fizeram, na realidade dos fatos, foi transferir a culpabilidade para um ou mais bodes expiatórios.

Ora, ainda com a catástrofe em pleno curso, o governador Estado Eduardo Leite foi o mais falastrão quando havia por decreto, liberado a legislação ambiental do estado, de compromissos mais rigorosos das Leis, normas e protocolos ambientais e o verbo usual da transgressão passou a ser destravar. O que fez ele? enviou um dos seus auxiliares aos países baixos para trazer algumas sugestões paliativas de enfrentamento de cheias. O emissário parou na Holanda, com o pensamento e o olhar voltado não para a prevenção, mas exclusivamente para a briga dos holandeses contra a natureza. Ou seja, o emissário governamental foi aprender a enxugar gelo com a Holanda, país que até hoje tem lutado com a contensão de águas mansas e límpidas, mas que vive uma situação muito pior do que o RS, está também ameaçado por um Rio. Na Holanda e nos países baixos, a ameaça é muito maior e vem de todos os lados. Há muitos anos os Batavos também estão no olho nas ameaças do clima.

A atitude do governador fez lembrar a estória dos três porquinhos de Walt Disney, que vivem a desenvolver artifícios para a defesa contra o lobo, que sempre volta e volta cada vez mais faminto.

Enquanto isso ele ocupava diariamente a mídia “oficial” e as milicias digitais para culpabilizar todo o mundo, principalmente o governo Lula, por toda tragédia. Os verdadeiros culpados, entre eles os capitães do agronegócio e os maus políticos gaúchos, esses ainda hoje insistem na mesma prática devastadora. Com o velho e surrado discurso liberaloide direitizante, continuam a culpar em coro, o governo Lula e o povo pobre do Rio Grande do Sul, como se a situação dos excluídos não tivesse raízes no modelo de desenvolvimento liberal-capitalista implantado por eles.

Os maus políticos, que são também selecionados pelo establishement para serem detentores de mandatos populares, recebem do povo uma delegação conferida pelo voto popular para representa-lo. Como são pertencentes a outra classe social, por origem ou por afinidade, são também vinculados por compromisso com à classe dominante que controla toda macro economia e devotam ao mercado fidelidade absoluta, tipo “até que a morte os separe.” Para a elite econômica, o verdadeiro poder prioriza tudo quanto se refere aos seus interesses.

Foi desse nicho político viciado e com as características retro-citadas, que saíram as propostas quase todas elas corretivas daquilo que existia e que não foi suficiente para conter as águas evitando a hecatombe. Vejamos:

Recuperar as eletrobombas, elevar ao máximo o nível das chaves de comando dos motores e, aumentar ainda mais a extensão do paredão da Mauá; reconstruir as estradas com um greide mais elevado; reconstruir pontes e viadutos com maior largura e altura; mudar o aeroporto Salgado Filho para a serra gaúcha; elevar as sapatas das novas construções civil; elevar (pasmem) a altura das soleiras de portas e janelas, como se a água fosse um ladrão que entrasse por elas; construir diversas barragens no curso dos rios Javari, Jacuí e Guaíba, todas como níveis controlados eletronicamente. e outros paliativos mais.

Haveremos de convir, em sã consciência, que essas providencias paliativas são obras inúteis diante do que se prenuncia em termos climáticos. Além de serem desperdício de dinheiro público ou seja do povo. São obras de alto custo, que se assemelham à insanidade de enxugar gelo, esperando a próxima catástrofe que poderá acontecer se o clima como um todo não for encarado como a prioridade zero.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referencias:
A tragédia em números: um balanço da calamidade no RS | Agência Marinha de Notícias; (1)
Quais foram concretamente as causas da catástrofe no RS pela ótica dos mineradores, dos madeireiros, do agronegócio, da indústria da construção civil? – Pesquisa Google
Você sabe o que é mudança climática? – Copaíba

Fotografias:
Resgatado de enchente, cavalo Caramelo é destaque em feira agro;
Quase 80 mil pessoas estão em abrigos no RS; mortes chegam a 149 | Agência Brasil;
Você sabe o que é mudança climática? – Copaíba;
Mineração de grande impacto ambiental no brasil – Pesquisar Imagens;
Extração abusiva de madeira – Pesquisar Imagens;
Área plantada de arroz na Safra 2024/2025 deve ter crescimento de 5,3% – Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação;
As obras de recuperação do paredão Mauá – Pesquisa Google;
Construções na Holanda abaixo do nível do mar. Moinhos de vento – Pesquisar Imagens;
Dados Gerais das Bacias Hidrográficas – Sema – Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura;
‘Efeito funil’ e ventos impedem escoamento das águas no RS; entenda | Rio Grande do Sul | G1;
A ilha inundada e o discurso do 1° ministro – Pesquisar Imagens;

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