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O natal do menino Jesus

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Quando o mês de dezembro se aproxima meu coração se enche de alegria e de esperança, nem sei de onde vem, penso que vem na menina que habita em mim; daquela criança magra, cabelos pretos e lisos, apesar da minha mãe comprar muitos laços, grampos enfeitados, diademas com pedrarias, tudo em vão, nada segurava neles.

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A Noite de Festa como era conhecido o Natal na minha infância tinha toda uma simbologia que o tempo levou, da mesma forma que levou os sonhos, as pessoas queridas que ficaram congeladas nesse tempo; e estão mesmo bem congeladas dentro da minha memoria, quando estou muito saudosa, vou lá e revivo tudo, dou vida a todas, bato a poeira do passado distante e chego a me deleitar com tanta felicidade, era tanta, que nem questionava sus existência, talvez pelo seu excesso não fazia falta.

Nos últimos dias de novembro começavam os preparativos, pois no dia primeiro de dezembro as casas deveriam estar com as paredes pintadas, lapinhas arrumadas, tecidos comparados para confecção de roupas novas; muitas já em ponto de prova, não devemos esquecer que nessa época as costureiras estavam abarrotadas de encomendas. No quintal um peru amarrado na fase de engorda para ser embriagado e sacrificado de véspera, sendo o prato principal na ceia, este não deveria faltar.

Na Igreja Matriz da minha pequena cidade o padre começava os preparativos para Missa do Galo, ornamentava a nave central, o altar-mor e num canto, perto de algum altar era arrumado o grande presépio, grande em tamanho, tão grande, que o Menino Deus parecia um bebê de verdade. Talvez por eu ser pequena tudo parecia grande. Padre Alzir, nosso eterno Vigário, vivia em plenitude seu sacerdócio e tudo que ligava a ele.

Em minha casa as coisas funcionavam diferentes. O que me lembro com muitas saudades. Lá, não tinha presépio, minha mãe sempre gostou de casa bem ornamentada, então, ela comprou uma árvore de natal grande e branca que parecia ser de neve, festão verde escuro opaco e bolas de vidro, ela dizia que o nome era bola de aljofre, sei que eram finas demais, quebravam facilmente, vinham em caixas de papelão com divisórias para que não tocassem umas nas outras.

A casa da minha avó ficava na cidade e em frente à Praça da Matriz, por nutrir antigos costumes, sua lapinha era impecável, pequena em tamanho, mas possuía tudo que a cena da Natividade exigia: José, Maria, Jesus na manjedoura, os três Reis Magos, os Pastorzinhos, carneiros em vários tamanhos, burro, vaca, galo e um Anjo com uma faixa na roupa com a seguinte inscrição: Glória a Deus nas alturas! Ela contratava Raimundo de França, profissional habilidoso e artista nato para criar um espaço fiel ao acontecimento. No canto da sala ele moldava com papel grosso uma montanha e no seu sopé uma gruta, na qual, era criada toda a cena da Natividade: em cima e na entrada da gruta ficava o anjo, dentro a Sagrada Família e alguns animais, ao redor os Reis Magos, os pastorzinhos e suas ovelhas, o chão era coberto com areia e um espelho ficava logo ao lado, dando a impressão de um lago, em cima dele, umas patinhas a nadar alegrando a chegada do Menino. No topo da montanha a Estrela que guiara o caminho dos magos até Belém de Judá. Na minha cabeça de criança lar lavrense era Belém.

Eu amava acreditar em Papai Noel, embora, e lá no fundo achasse sem lógica, o barato do mundo do faz de conta é imaginar, tudo fica mais interessante, alegre e feliz. Meu presente de Natal sempre foi o mesmo, anualmente, a Fábrica de Brinquedos Estrela lançava uma boneca e eu ganhava a minha, foi assim do primeiro aos meus doze anos. Até hoje quando sinto cheiro de plástico novo dispara o gatilho da memória e automaticamente sou arremessada para minha infância, meu Natal.

Quando o grande dia chegava à movimentação começa nos primeiros raios do sol. A praça ia sendo tomada pelas barracas que a noite serviria de ponto de encontro, de conversas, de flertes e degustação. Os vendedores vinham de todas as partes puxando seus jumentos com caçoas cheios de guloseimas da época. Nada era industrializado, nada se comprava pronto, inclusive, os cascos secos de refrigerantes (KS), serviam para acondicionar Ki-suco de vários sabores, sendo os mais vendidos os de morango, pois a cor chamava a atenção dos transeuntes que não resistiam aquele sabor desconhecido, os roletes de cana de açúcar, os bolos de manzape, os bolos de caco, tapioca com coco, filhós trazidos do Crato, cocada de leite com rapadura, chupeta de açúcar, e tudo que nossa gente fazia com perfeição.

Pelas 18 horas chegávamos à casa da minha avó, na época, morávamos no Posto Agrícola que ficava a 2 km. da cidade, todos de roupas e sapatos novos, cabelos penteados, cada um ao costume daquele tempo. O meu pai e irmãos com o corte Príncipe de Gales, minha mãe cedo colocava bobs nos cabelos, e à tardinha já fazia seu penteado, muitas vezes usava laquê para não desmanchar, e em mim, ela fazia as famosas Maria Chiquinha, sempre com um laço combinando com a roupa. Eram momentos difíceis não gostava de prender os cabelos, doía o couro cabeludo, o elástico que prendia antes da fita incomodava muito, sem falar nas meias de crochê que marcavam as canelas.

Quando descíamos do Jipe cada um tomava seu rumo. Eu como sempre peregrinava nas casas das amigas, corria na praça, e sentava nos batentes da porta da casa de vovó para saborear uma Fanta Laranja que anualmente tinha direito. Esse refrigerante era comprado no Bar de Seu Zé Alves, não posso esquecer-me da quantidade de gente que ele atendia, era lotado, para ele e seus filhos o Natal era ali, despachando quem chegasse para consumir seu delicioso sorvete de coco, picolé de abacate, refresco de tamarindo, refrigerantes, cerveja, chicletes, bombons, pirulitos e alguma novidade, o que era raro, a globalização não chegara lá.

A mesa era posta com o peru no centro, arroz e farofa. Não tínhamos o costume de verduras ou salpicão. Minha mãe por ser professora de Arte Culinária sempre fazia novidades: pastéis, canudinhos, sonhos, um bolo recheado ou um pavê branco. Era novidade mesmo. Tudo era feito manualmente até a massa do pastel, e muitos dos ingredientes não vendia em Lavras. O Crato era nossa capital.

Depois da prolongada Missa do Galo todos se reuniam para a Ceia Natalina, e eu nunca consegui participar acontecia muito tarde e eu sempre adormecia. A única coisa que lembro é de ouvir dentro dos meus sonhos o toque dos sinos da Matriz, anunciando a chegada do Salvador. E hoje, o badalar dos sinos ressoam dentro do meu peito, dentro da minha saudade.

 

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