Meu primeiro concerto sinfônico

Por: Mirtzi Lima Ribeiro;

Fui criada de modo rigoroso, tanto pelo fundamentalismo religioso de minha mãe (que abraçou um credo entre meus oito e nove anos de idade), quanto pelo patriarcado estrutural absorvido pelo meu pai. Eles tiveram nove filhos, sendo duas meninas e sete meninos (meus irmãos), que brincavam entre si e não interagiam com o mundo, a não ser quando iam para a escola.

Eu fui a filha que nasceu na primeira etapa e minha irmã na segunda fase. As minhas tarefas domésticas começaram bem cedo, por volta dos meus oito anos. Quanto mais os anos passavam, atividades mais robustas me eram atribuídas.

Então, como mais velha, além de estudar, eu tinha tarefas junto à minha mãe e à minha avó materna (avô e avó maternos moravam conosco): diariamente eu ajudava na arrumação e limpeza da casa, na elaboração das refeições, nos cuidados com a horta caseira, em dar comida aos cachorros e em cuidar dos irmãos menores.

Além dessas obrigações, minhas paixões e minhas fugas eram ler, rabiscar pensamentos (nominada de redação), desenhar a grafite, fazer trabalhos manuais, cantarolar pela casa e ouvir música.

Sempre que eu podia, ao fim da tarde, fugia para acompanhar uma colega adolescente aos ensaios de violoncelo que ocorriam semanalmente, do grupo de estudantes que o namorado dela fazia parte. Adorava ver e ouvir os ensaios numa das salas do conservatório, que ficava entre o bairro de Jaguaribe e o Centro. Nessa época eu estava com cerca de catorze anos. Íamos à pé até lá, em uma distância entre seis a sete quilômetros.

Não precisa dizer que ao chegar em casa eu levava bronca ou chineladas. A dor e o dissabor do depois não invalidava o prazer de ter ouvido aqueles belos acordes. Aquelas músicas me elevavam o espírito.

Quando eu ingressei na universidade ainda muito nova, final da adolescência, chegara na minha cidade uma família da mesma religião de minha mãe, que gostava de música. Eles viram o quanto eu era envolvida com os compositores clássicos (ouvia em discos de vinil).

Então, a filha mais velha daquela família (creio que ela tinha por volta de trinta e poucos anos), pediu à minha mãe para me levar junto com sua família à reabertura do Teatro Santa Rosa. Com muita relutância em me deixar ir, para minha surpresa, meus pais terminaram cedendo.

Esse teatro foi inaugurado em nossa cidade no ano de 1889, com o nome de Theatro Santa Roza, como se escrevia naquela época remota.

Fechado para reformas algum tempo antes, ele reabriu em maio de 1980, com a Orquestra Sinfônica da Paraíba realizando o concerto de reestreia. Foi nesse evento que eu acompanhei a referida família.

Foi uma noite idílica para mim. Eu me lembro até hoje do vestido que usei, da alegria que vivenciei, do deslumbramento que eu senti ao estar naquele teatro histórico e de ouvir aquelas músicas divinas.

O vestido que usei era um longuete, com tecido de algodão com florzinhas juntinhas bem pequenas na cor creme em um plano de fundo esverdeado claro, com franzido e em forma evasê (em formato de “A”, mais justo na parte superior e mais largo em direção à sua barra), com trechos na horizontal divididos por entremeio de algodão em renda inglesa, perpassado delicadamente com fitas estreitas de seda na cor verde água. Nos pés eu usei uma sandália rasteira de continhas simples que ornava com o vestido e uma pequena bolsa de mão em tecido encorpado. Meus cabelos estavam abaixo dos ombros, encaracolados como sempre e meus olhos brilhavam.

Voltei para casa me sentindo gente, saltitante de alegria, achando que já era adulta, com um sorriso que não tinha tamanho, acrescido de milhares de luzes brilhando e guizos tilintando na minha mente.

Comentários Sociais

Mais Lidas

Arquivo