Sobre Soneto – Um improviso de DIMAS BATISTA.(Reeditado/Republicado)

Por: João Vicente Machado Sobrinho;

Muita gente imagina que fazer poesia e,  versejar dentro da métrica e da rima é coisa fácil. Podemos até nos indagar  se fazer  poesia é, em verdade,  algo difícil. Isso porque os poetas populares, com muita facilidade,  fazem belos e bem elaborados  improvisos  que nos deixa intrigados com a facilidade com eles concatenam as ideias . Isso tem um  nome–dote natural, talento ou dom, como queiram.

Vinicius de Morais, o simpático  poetinha,  compôs a letra de um samba para homenagear os sambistas mais  famosos, e deu a ele  o nome de  Samba da Benção,  musicado pelo músico baiano  Baden Powell. Com muita graça ele  presta uma merecida homenagem  aos  notáveis vultos da nossa música popular, que foram também poetas, onde ele começa avisando mais  ou menos assim:

No mundo da poesia existem os chamados  poetas de bancada, assim denominados  porque seus versos são desenhados cuidadosamente, obedecendo a  rima e a métrica  perfeita, porém não são versos improvisados. Todavia, na sua  feição gráfica os versos  obedecem à metrificação que é a partilha das sílabas de cada verso, também chamada de  métrica.

A separação das sílabas poética difere da separação das sílabas gramaticais comum, e os mais entrados na idade como eu, reconhecemos  em todos  eles muita arte.  Mas em habilidade e improviso,  não chegam nem perto de um poeta violeiro improvisador e repentista  que mal aprendeu a  soletrar no bê a bá  na escolinha rural.

O poeta de bancada, geralmente é acadêmico,  estuda as regras gramaticais e o  formato das rimas perfeitamente enquadradas na  métrica. É nesse ponto que ele jamais alcança o poeta popular, que tem o dom do improviso repentino e uma aptidão incomum de fazer seu verso  na hora e intuitivamente como se fosse uma psicofonia espiritual.

A despeito disso, os poetas de bancada não deixam de ser considerados poetas e poetas dos bons, como foram: Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Olavo Bilac, Manoel Bandeira, Padre Antônio Tomaz entre outros.

Mas o poeta de que lhes falo com insistência é indescritível e, somente presenciado com muita atenção o malabarismo dos seus versos para perceber o seu talento incomum. Quando um repentista canta, parece alguém com ânsia de vômito,  vomitando  incontrolavelmente as palavras, formando os versos  e,  pasmem,  muitos deles,  jamais frequentaram uma  escola, mesmo por pouco tempo.

São incríveis e insuperáveis na agilidade de  raciocínio, dotados de um talento impar que nos deixa surpresos, com o brotar espontâneo de tanta criatividade e improvisação. Os exemplos clássicos são: Pinto do Monteiro, a cascavel do repente, Lourival Batista, o Louro do Pajeú, Dimas Batista, o catedrático, Diniz Vitorino, Rogaciano Leite, Otacílio Batista, Cego Aderaldo, Manoel Galdino Bandeira, Antonio Marinho, Odilon Nunes de França, Josué da Cruz, Canhotinho, João Furiba, entre outros.

Uma segunda geração de cantadores repentistas, que também já está se tornando passado, foi pródiga em qualidade e produziu grandes grandes expoentes como  violeiros repentistas  como: Louro Branco,  Geraldo Amâncio, Moacir Laurentino, Valdir Teles, João Paraibano, Sebastião da Silva, Manoel Xudu, Ivanildo Vilanova, Rogério Menezes, entre outros.

A preocupação de todo poeta  de bancada, é com os detalhes da métrica e da rima  e isso muitas vezes  consome  horas e dias de elaboração. Essa é uma carência inerente a eles, que inexiste no poeta repentista, onde os versos brotam intuitivamente, sem quebrar a rima  que   já sai   pronta e  metrificada..

A Rima pode até não ter um primor de rima rica, ou seja, rimas  terminados em palavras de duas categorias gramaticais diferentes, mas com certeza de qualidade e sonoridade  que conferem uma magia no canto  do repentista. A  beleza e a espiritualidade do seu improviso,   somente é  encontrada na mente e na voz  dos grandes vates, que consideram  sacrilégio um verso de pé quebrado, (rima quebrada).

Dimas  Batista era um poeta popular clássico que  integrou a sagrada família de poetas de sobrenomes Batista. à custa de muito esforço graduou-se em  Filosofia e virou professor da Faculdade de Filosofia de Limoeiro do Norte no Ceara,  tornando-se  um exímio lapidador de versos. Ele exibia sua arte  por onde cantava, geralmente com um dos Irmãos Lourival, o Louro do Pajeú,  que era genro de Antonio Marinho,  ou Otacílio Batista, o mais novo do trio de  irmãos.  Os três  eram  primos de Job Patriota, um outro grande  cantador.

Certa vez um dos vários apologistas de cantorias de viola, como José Gabriel meu primo,  pediu em conversa  ao amigo da tríade e maior de todos que foi  Pinto do Monteiro, para classificar os irmãos  Batistas e ele respondeu como gostava de fazer, em versos:

Por que Otacílio seria a toada? Porque Otacílio também compunha canções dolentes  do cancioneiro popular como aquela que  entregou  a Zé Ramalho e foi depois imortalizada na voz de Amelinha:

Para o poeta popular a toada, ou seja, a composição musical, é mais dolente mais bucólica do que a cantoria. Ela  foge do gênero e não é fabricada na “máquina de improvisar” da  qual falava  João Paraibano. Para eles e para os aficionados  do repente e do improviso,  é a magia  da cantoria e da arte do improviso, feito em seis ou mais versos e até  em dez versos, chamados  decassílabos, que ganhou  o nome de Martelo Agalopado,  pelo  seu autor, o patoense  Silvino Piruá.

Pinto, ainda se referindo  aos Batistas e completando a sua definição  com  a   sua reconhecida  genialidade disse:

Quem por acaso vier a  achar que a cantoria de viola é uma arte menor, precisa  ler mais, muito mais,  inclusive  o que escreveu o  pernambucano Manoel Bandeira, famoso  poeta modernista, sobre  sobre esses artistas geniais.

Bandeira fazia parte da mesa de jurados de um festival de cantoria de violas, organizado no Recife por  Ariano Suassuna e Rogaciano Leite.  Surpreso com o que presenciara em termos de  talento e qualidade dos repentistas, e impressionado com a psicofonia dos violeiros, ele se pronunciou entusiasmado ao concluir a sua missão de julgador naquela noite memorável:

Dimas Batista era muito educado, um verdadeiro gentleman, porem um homem muito culto. Amigo de Ariano Suassuna e de  Rogaciano Leite, seu conterrâneo do Pajeú das Flores,   ele encontrou  ambos nos saguões do teatro e  Ariano disse em tom de comunicação: “Dimas, estou escrevendo um soneto!” Outro dia encontrou novamente Ariano em Taperoá que foi logo dizendo:  “Dimas estou terminando o soneto!” Dimas sem se conter disse: “Ainda Ariano!”

Dimas, provavelmente, incomodado com o preconceito de algum poeta de bancada arrogante que se encontrava no recinto, fugiu  do seu habitual cavalheirismo e foi  obrigado a abandonar a modéstia para produzir essa pérola, em desagravo aos colegas repentistas como ele:

Consulta: Antologia Ilustrada dos Cantadores;

Fotografias: brasilescola.uol.com.br;

Piauí.folha.uol.com.br;

academia.org.br.

recantodopoeta.com.br;

paraibacriativa.com.br;

Youtube.com

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