Por: João Vicente Machado Sobrinho;
Gastamos muito tempo da nossa vida profissional pregando a clara necessidade de substituição, de modo parcial, do modal de transportes rodoviários, que é predominante no Brasil contemporâneo, por exibir claros sinais de saturação.
Confessamos que o nosso fascínio pelas ferrovias não é coisa de momento, ele vem da nossa infância. No princípio esse deslumbre foi movido muito mais pelo romantismo, do que por quaisquer outras causas. O fato de termos nascido às margens de uma ferrovia com certeza influenciou. Fomos seduzidos pela a beleza bucólica, dolente e daquela serpente de ferro, que apitava, soprava fumaça e tinha uma ginga serpentiforme e uma morosidade sonolenta. Na nossa completa ausência de pressa, uma característica sui generis dos adultos, passamos a adorar as viagens de trem que fazíamos juntamente com meu saudoso pai.
Romantismo à parte, já no final do nosso curso de graduação em engenharia civil, concluído na saudosa Escola Politécnica de Campina Grande, podemos perceber que o trem da minha infância tinha família e pertencia ao chamado modal ferroviário, que além dele tinha outros membros:
. Modal rodoviário
. Modal ferroviário
. Modal aquaviário
. Modal aéreo
. Modal dutoviário
. Modal Infoviário
O modal de transportes mais antigo implantado no Brasil, foi o modal ferroviário. A sua chegada ao país remonta aos meados do século XIX, com a construção da nossa primeira linha férrea, de nome Barão de Mauá, inaugurada em 1854.
O fracasso das ferrovias brasileiras, paradoxalmente teve início logo depois do seu auge, acontecido no ano de 1920. A partir de então, embora tenha continuado a circular, deixou de ser prioridade. Depois do ano de do ano de 1930, a indústria automobilística despertou a atenção e grande interesse dos gestores públicos e, em vista da novidade os investimentos necessários à modernização e à expansão das ferrovias foram escasseando diante da ênfase conferida ao modal rodoviário, que debutou como estrela e passou a ser prioridade total.
A construção de grandes rodovias e a instalação de várias plantas da indústria fabril de veículos automotores, fez com que o modal rodoviário ocupasse cada vez mais espaço no orçamento da União. Até que no ano de 1919, foi inaugurada em São Paulo um embrião da fábrica Ford. Essa viria a ser um embrião e primeira montadora de veículos com peças totalmente importadas. Os idealizadores entregaram o inesquecível ao deslumbre da burguesia, o lendário Ford T ou Ford de bigode.
Desde então e antes mesmo do governo Juscelino Kubistchek, as ferrovias só experimentaram declínio e desprezo, num processo lento porém continuo de desgaste, junto à opinião pública sendo condenado ao sucateamento.
A morte em definitivo das ferrovias moribundas viria com o advento da privataria tucana, comandada pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Resultado: o setor privado não restaurou as ferrovias conforme os discursos e compromissos contratuais, não investiu sequer um centavo na restauração da malha ferroviária existente que foi abandonada, não se interessou pela expansão de novas linhas, restando de volta ao Estado nacional, o entulho de velhos trens sucateados e linhas abandonadas. Os velhos trens de passageiros que ainda rodam no sudeste, em termos de tecnologia nos remete ao legado tecnológico do Barão de Mauá. Coincidentemente, ao tempo em que os trens agonizavam, acontecia o paralelo desenvolvimento do modal rodoviário, estimulado pela abertura de novas estradas abertas a partir do governo Juscelino Kubistchek.
O avanço do desenvolvimento tecnológico e a necessidade geopolítica de ocupação do interior do país, direcionou para o Centro Oeste populações inteiras. Foi dessa época o início da construção das grandes rodovias, que em muito estimularam o desenvolvimento e a predominância do modal rodoviário de transportes. Viajar em trens: antigos, desconfortáveis, impontuais, e lentos, saiu definitivamente de moda. A instalação de plantas industriais de veículos automotores se multiplicou e foi se espalhando pelo Brasil, fabricando veículos de portes diversos e em larga escala. As ruas e as estradas foram se enchendo de veículos automotores que vão desde as pequenas motocicletas, até as grandes carretas e treminhões.
Hoje em dia, estamos num processo iminente de pré-saturação, com a ameaça de um inevitável travamento do tráfego. Sem nenhum exagero, podemos afirmar que o uso sistemático e sem quaisquer controles, de veículos automotores, além de causar um grande impacto ambiental, é um contrassenso ao importante binômio tempo x movimento. Ainda bem que, mesmo de forma tardia, o país despertou para essa realidade e voltará a fazer uso dos trens, como fazem os países do Norte Global.
De uso inicial muito bem recebido pela opinião pública, os novos e modernos trens de carga que já circulam, é um tira teima auspicioso. A partir de agora entrarão em cena, novos trens de passageiros que em breve estarão de volta, nos trazendo benefícios econômicos, sociais, ambientais e geopolíticos. Os novos e modernos trens de passageiros retornarão em alto estilo: muito qualificados e modernos, além de confortáveis, velozes e pontualíssimos. Linhas diversas são anunciadas como um projeto de governo e, pelas informações que circulam serão trens velozes e pontuais. Nenhum deles terá velocidade inferior a 100km/h, indo até os 350 Km/h, como é o caso do trem bala que ligará as cidades– São Paulo – Rio de Janeiro-São Paulo, num trajeto de aproximadamente 500 Km.
Não obstante, no artigo de hoje, manifestamos a nossa incontida alegria com a auspiciosa notícia do projeto da tão sonhada e necessária Ferrovia Translitorânea. Isso porque aqui mesmo, no site JVM e nas palestras que tivemos oportunidade de fazer, sempre defendemos insistentemente essa ideia. Na nossa concepção a Ferrovia deverá interligar através do litoral, os nove Estados nordestinos, a partir de Salvador com destino a São Luís do Maranhão e vice versa. Agora anunciam-se a elaboração de um projeto cobrindo esse trajeto.
No nosso entendimento esse é um dos projetos mais audaciosos e importantes não somente para a Região Nordeste, como para todo Brasil. Essa obra vai além do senso comum e é por demais importante, quer seja nos aspectos geopolíticos e estratégicos, quer seja nos aspectos econômicos, sociais e turísticos.
. Aspectos geopolíticos: O Brasil tem uma faixa costeira fronteiriça com o Oceano Atlântico que se estende desde o Cabo Orange no Amapá, até o Arroio Chuí no Rio Grande do Sul numa extensão de 7.367 Km banhando 17 Estados de uma Federação de 27 unidades, mais o Distrito Federal.
Em termos geopolíticos será muito importante para a defesa do nosso território e da nossa soberania, servindo de transito para materiais bélicos e como corredor de mobilização de tropas e equipamentos em grande parte da nossa costa.
Assim, o mesmo trem costeiro que em épocas de paz transportará passageiros, poderá ser rapidamente substituído por trens de carga, para dar suporte à nossa defesa pátria.
. Aspectos estratégicos: como é de domínio público, o Brasil foi invadido por armadas navais de países estrangeiros e se mostrou em muitos casos, indefeso. As invasões Holandesas e Francesas, além das incursões armadas de corsários britânicos à serviço da coroa inglesa, são exemplos de uma vulnerabilidade ainda presente, que nos preocupa e precisa ser corrigida.
. Aspectos econômicos: As relações de trocas comercias entre os estados da região Nordeste, é outro fator que viabilizará a obra. Além do comércio atacadista, existe entre eles, pautas de exportação e de importação de produtos diversos como: insumos, commodities, combustíveis e lubrificantes, além de medicamentos, produtos siderúrgicos, além de veículos automotores etc.
. Aspectos turísticos: A riqueza cultural da região Nordeste, além de significativa é muito variada e precisa ser conhecida para ser reconhecida: a historiografia, arquitetura, artes cênicas e cinegráficas, artesanato, folclore e culinária, além da beleza e da qualidade das suas praias, que tornaram o Nordeste a meca do turismo nacional e internacional.
Quem se determina a visitar o Nordeste brasileiro, com o propósito de conhecer a sua história e visitar os seus monumentos naturais, haverá de convir conosco que, vinte ou trinta dias de férias não serão suficientes.
Um dos obstáculos a enfrentar é a precariedade da malha aérea, que inclui como endereço principal as nossas capitais. Em que pese todos os investimentos até agora feito na nossa infraestrutura aeroportuária, a oferta de voos ainda é muito limitada e mal distribuída. Isso torna as viagens entre eles mais longas e mais caras.
A bem da verdade, temos três grandes aeroportos na condição de hubs–centros de convergência aérea. Todavia os estados menos populosos e de menor relevância econômica e de consequente menor movimento relativo, são por demais prejudicados. Então a nossa ideia é um trem bala, ligando as capitais nordestinas, que certamente irá cair como uma luva, para solucionar esse inconveniente.
O trem partirá de Salvador, com apenas nove paradas intermediarias em Aracajú, Maceió, Recife, Joao Pessoa, Natal, Mossoró, Fortaleza, Camocim, Parnaíba, tendo como ponto final São Luís e vice versa.
Os grandes polos econômicos regionais como: Feira de Santana, Arapiraca, Caruaru, Campina Grande e Teresina, deverão adotar soluções domésticas por parte dos respectivos Estados, em parceria com o governo federal. Aliás essa prática já está prevista com as linhas que ligarão: Feira de Santana—Salvador—Feira de Santana; Sobral—Fortaleza—Sobral. O acréscimo de Mossoró na proposta linha mestra é pelo simples fato daquela importante cidade pertencer naturalmente ao traçado.
As importantes cidades polo do Centro-sul e do Cariri do Ceará, poderão ser conectados através da ferrovia Transnordestina, que a partir do final de 2025 já poderá ser usada.
Conclusão: Esta é uma pauta por demais interessante e viável, que deverá ser obrigatoriamente encampada pela bancada de representantes nordestinos no Congresso Nacional. Numericamente as bancadas juntas totalizam 186 Deputados Federais e 27 Senadores. Juntos, formariam a maior bancada do congresso nacional, com 213membros, com grande poder para o exercício da boa política, que é a defesa do interesse comum, do país e da nação. Qual deles estaria disposto a se comprometer com essa proposta agora?
Mãos à Obra!
Referências:
A histórica negligência brasileira ao modal ferroviário — e a solução atual – Mises Brasil;
IBGE – Educa | Crianças | Brasil tem 17 estados banhados pelo Oceano Atlântico;
Transporte Ferroviário. História E Técnicas Sílvio dos Santos – Cartonado – Sílvio dos Santos – Compra Livros na Fnac.pt;
Qual é o modelo de transporte que queremos para o futuro?
Voando sem asas: os 10 trens mais rápidos do mundo | CNN Brasil
Bancadas de deputados federais dos 9 estados do nordeste – Pesquisa Google;
Fotografias:
Maria-fumaça: passeios pelo Brasil em charmosas locomotivas;
Ford Modelo T: primeiro carro montado no Brasil também mudou o mundo | Quatro Rodas;
36% dos brasileiros de grandes cidades passam mais de 1 hora por dia no trânsito – Agência de Notícias da Indústria;
Galeria de Nova estação de trens projetada por SOM na Pennsylvania começou a ser construída – 9;
https://journals.openedition.org/confins/11419?lang=pt;
Histórias: Trem-bala;