Por: Joao Vicente Machado Sobrinho;
Estamos vivenciando uma fase histórica muito difícil, em que as máscaras começaram a cair, uma a uma, igualmente às pedras que tombam num jogo de dominós. Tudo começou quando surgiu lá pelos idos de 1970 e 1980, a ideia dos economistas ortodoxos Friedrich Hayek e Milton Friedman, que receberam a contribuição de outros pensadores associados à Escola Austriaca e à Escola de Chicago.
Esse grupo tinha como propósito, promover uma modernização rejuvenescedora na teoria liberal clássica, no sentido de reciclar e renomear os ensinamentos de Adam Smith, o pai da economia clássica. No primeiro momento rotularam-na como nova, com a chancela de neoliberalismo, teoria que enfatizava e fortalecia dois dos pressupostos liberais básicos de Smith, quais sejam: o livre mercado, no latu sensu da palavra e a crítica rigorosa à intervenção estatal e ao Capitalismo de Estado de Keynes.
” Enquanto Smith defendia um Estado mínimo que apenas garantisse segurança e elementos básicos, o neoliberalismo intensificou essa crítica, vendo o intervencionismo estatal como uma grave ameaça. O neoliberalismo reificou o mercado como matriz da riqueza, da eficiência e da justiça, com maior ênfase na sua autorregulação. Os governos neoliberais, como os de Thatcher e Reagan, implementaram políticas de privatização e desregulamentação em larga escala. A proposta de um Estado mínimo é uma característica marcante, contrastando com o Estado de bem-estar social que prevaleceu no pós-guerra. “
Na sequência, foi a vez de Francis Fukuiama, que associado a membros das vetustas Escola Austriaca e Escola de Chicago, em que numa pregação apocalíptica, se encarregou de apresentar e de difundir mundialmente a ideia do neoliberalismo capitalista, como sendo O Fim da História. O tão comentado Consenso de Washington passou a ser a cartilha adotada pela grande maioria de economistas ortodoxos espalhados pelo mundo.
Com o passar do tempo, as contradições do neo modelo foram surgindo e a panaceia neoliberal começou a fazer água. Na época contemporânea, não é difícil perceber que todo esse cesto de ideias fracassou, e hoje cambaleantes e cheias de remendos, declinam vítimas das suas próprias contradições que não resistiram à realidade do materialismo histórico.
Todos os indicadores vitais que foram esculpidos para moldar o modelo liberal capitalista foram injetados no modelo neoliberal. Ao primeiro sinal de falência e num ato de desespero, os intelectuais orgânicos do modelo liberal capitalista, resolveram radicalizar e simplesmente enveredaram pelo caminho de um ultraneoliberalismo insensato, que chegou a ser adotado por alguns países. Nesse estágio soaram os sinais de alarme anunciando o declínio: as bolsas de valores começaram a oscilar com maior frequência; as moedas antes fortes e poderosas começaram a se desvalorizar; a concentração de rendas passou a aumentar de forma galopante, e a desigualdade se aprofundou chegando a atingir proporções indecentes.
Ao contrário do que poderia parecer mais uma das crise cíclicas do capitalismo, o que temos assistido é um cataclisma estrutural do neoliberalismo que: parecendo correr contra o tempo, tem priorizado o lucro imediato a qualquer custo; tem promovido um desmatamento sem controle e nenhum planejamento, de diversos biomas, como é o caso das florestas; tem operado no sentido de destruir empregos, engolidos vorazmente por um processo de automação e catalisado pela inteligência artificial; tem por fim, transformado direitos sociais em simples mercadorias que só darão acesso àquelas pessoas que tiverem dinheiro.
O resultado de toda essa azafama alucinante, era inevitável e já se faz sentir. A política entra em efervescência; os palácios tremem e as ruas se inflamam; inclusive, a majestosa e imponente catedral do capitalismo mundial que são os Estados Unidos da América do Norte-USAN, apresenta fissuras ameaçadoras.
Depois da chamada guerra fria, que se estendeu para além do período pós 2ª guerra até o início da década de 1980, a posse de Ronald Reagan veio a coincidir com uma crise cíclica dessas comuns ao capitalismo, recheada de desemprego. Esse é o marco inicial da decadência dos USAN que ora se agrava. O império do Norte, até então praticava um controlado e exitoso capitalismo de Estado. Tinha empresas privadas bastante robustas e uma moeda forte e estável que passou a servir de lastro nas transações comerciais e financeiras entre os demais países, sem quaisquer questionamentos como acontece agora. A solução adotada, ao invés de abandonar o liberalismo como fez a China, resolveu aderir tanto aos preceitos do Consenso de Washington, quanto à economia de mercado com as seguintes medidas:
“. Reduzir os gastos do governo em programas domésticos. Por programas domésticos leia-se seguridade social como: saúde, educação, previdência, saneamento, habitação, mobilidade etc.
. Reduzir impostos para indivíduos, empresas e investimentos. Desde que esses indivíduos fossem grandes milionários e que essas empresas fossem os grandes conglomerados privados.
. Reduzir a carga de regulamentações sobre os negócios. Desde que a legislação do estado não interferisse nas regras “nem atrapalhassem” os negócios privados. Ou seja, Laissez Faire puro sangue.
. Apoiar um crescimento monetário mais lento na economia. Ou seja, restrição na oferta de dinheiro público na economia, ou na emissão de moeda ou na restrição creditícia.”
Se é verdade que o neoliberalismo apresentou algum resultado econômico durante a chamada Reaganmaniacs, foi apenas o voo da galinha. A crise do liberal capitalismo estadunidense que recrudesce agora, veio com outra roupagem e outra conotação que é a ameaça, a violência e a força. A rigor, partir do período de governo de Reagan, ou melhor, a partir de 1990, os USAN começaram a experimentar um declínio econômico gradual e crescente e visível, optando para pôr em prática os ensinamentos políticos de Maquiavel.
Vejamos como a influência de Maquiavel é atualíssima, principalmente em se tratando dos USAN.
“Maquiavel sugeria que o príncipe devia priorizar a manutenção do poder e da ordem estatal, mesmo que para isso fosse necessário agir de forma imoral, como mentir ou trair, separando assim a moral privada da atuação política. Ele defendia que um governante deve ser temido em vez de ser amado, pois o temor é um vínculo mais seguro. Além disso, aconselhava o príncipe a ter um exército próprio e a se preocupar com a guerra mesmo em tempos de paz, usando tanto a astúcia quanto a força, e a saber adaptar-se às circunstâncias, o que o leva a ser capaz de agir “bom quando possível, porém mau quando necessário.”
A ideia dos BRICS foi concebida em 2001 com um viés libertário para os países emergentes, e acabou por se transformar numa dor de cabeça permanente para os USAN. Conscientes que são de que o poder econômico caminha de mãos dadas com o poder político os Países Associados dos BRICS, viram o PIB do grupo saltar de 9% em 2003 para 25% em 2014. Agora, em 2025, os BRICS chegaram a uma adesão de 40% da população do mundo e a 37% de todo PIB mundial. Não há como negar que essa é a causa de toda insanidade desesperada de Donald Trump e nunca as tropelias da famiglia Bolsonaro. Vejamos com mais detalhes o desempenho dos BRICS:
“A ideia dos BRICS foi formulada pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O‘Neil, em estudo de 2001, intitulado “Building Better Global Economic BRICs”. Fixou-se como categoria da análise nos meios econômico-financeiros, empresariais, acadêmicos e de comunicação. Em 2006, o conceito deu origem a um agrupamento, propriamente dito, incorporado à política externa de Brasil, Rússia, Índia e China. Em 2011, por ocasião da III Cúpula, a África do Sul passou a fazer parte do agrupamento, que adotou a sigla BRICS.
O peso econômico dos BRICS é hoje em dia é inquestionável. Entre os anos de 2003 e 2007, o crescimento dos quatro países considerados fundadores representou 65% da expansão do PIB mundial. Para termos uma ideia, em paridade de poder de compra-PPC, o PIB dos BRICS já supera o dos USAN ou o da União Europeia. Para dar uma ideia do ritmo de crescimento desses países, em 2003 os BRICs respondiam por 9% do PIB mundial, e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Em 2010, o PIB conjunto dos cinco países (incluindo a África do Sul), totalizou US$ 11 trilhões, ou 18% da economia mundial. Considerando o PIB pela paridade de poder de compra, esse índice é ainda maior: US$ 19 trilhões, ou 25%.”
Os BRICS, com a musculatura adquirida como fruto de um trabalho exaustivo, defendem o direito de pleitear a reforma do sistema global de governança, para torna-lo mais justo, mais isonômico e mais inclusivo, fugindo do domínio draconiano dos USAN.
Os países ao Sul do Equador, têm sido ao longo dos séculos, pilhados e explorados sistematicamente desde os idos coloniais. Na maratona da industrialização, perderam a corrida cientifico-tecnológica para os países centrais, passando a exercer o papel terciário de fornecedores de comodities e de matérias primas, além de depositários de plantas da indústria mecânica pesada, que vêm sendo gradualmente transferidas do hemisfério Norte. A rigor são depositários de sucata e porta aviões do 1° mundo, além de assumirem o mico das agressões ao clima.
Explorados, subdesenvolvidos, à margem do desenvolvimento e sem direitos, aspiram um desenvolvimento socio econômico que lhes permita o acesso aos direitos conquistados, ao multilateralismo e à cooperação com os países desenvolvidos, em áreas como a economia, a tecnologia, as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável.
Os BRICS com a musculatura que têm, aspiram com muita legitimidade, aumentar a influência efetiva dos seus membros na ribalta do desenvolvimento internacional. Não estão mais dispostos a serem tratados apenas como coprotagonistas onerosos, mas sim como protagonistas de um desenvolvimento econômico abrangente, que tenha como objetivo prioritário a atenção ao desenvolvimento social do seu povo. Aspiram também e com muita justiça, um assento na mesa decisória, na qual são debatidas as soluções para os desafios globais.
Atualmente, o BRICS se compõe de onze países membros. Os cinco membros originais – África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia -, mais seis novos membros – Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Na Declaração de Joanesburgo, os líderes aprovaram a criação da categoria de países parceiros do BRICS, durante a Cúpula de Kazan, em 2024. São países parceiros dos BRICS: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria,
Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Os países componentes dos BRICS têm tido aspirações democráticas mais do que justas, as quais têm sido consideradas pelo império do norte como uma heresia intolerável. Paciência! O mundo de hoje não é mais bipolar como acontecia no início da guerra fria. Entre os países emergentes existe o consenso por mudanças de modelo e por essas mudanças irão lutar.
Nesse sentido, entre os países que compõem a aliança dos BRICS, um deles já é reconhecido como uma potência econômica, que segundo os analistas econômicos, antes de 2030 ultrapassará a economia dos USAN. Entre os demais associados dos BRICS, dois estão na agulha para virarem potência como é o caso da Índia e do Brasil. Quem viver verá!
Aliás, para os incrédulos sobre a debacle dos Estados Unidos da América do Norte sugerimos a leitura da opinião do ex presidente Bill Clinton, coincidente com o nosso pensamento:
“O ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton afirmou, ainda no final dos anos 1990, que a China substituiria o país como a maior economia do mundo. A previsão foi revelada em um novo livro do colunista do Washington Post David J. Lynch, segundo reportou o jornal e também o Global Times nesta sexta-feira (6).
Em trechos divulgados da obra, Clinton refletiu sobre os efeitos da globalização e reconheceu falhas da liderança norte-americana em lidar com os impactos sociais do processo. “Está acontecendo que não há muito pensamento claro sobre os lados positivos da globalização”, afirmou em entrevista de 75 minutos concedida em seu escritório em Manhattan, no inverno de 2024, conforme o Washington Post.”
Essa estimados leitores, é a grande e irreversível causa da baixa autoestima, do mau humor e do desespero de Donald Trump.
Referências:
O Príncipe – Niccolo Machiavelli;
A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Inflação e Deflação. (John Maynard Keynes) [Os Economistas, 1983];
Karl Marx A Ideologia Alemã | MercadoLivre 📦
Conheça os BRICS-IPEA;
PIB do Brics segue superior à média mundial e representa 40% da economia global — Agência Gov.;
Dados sobre o BRICS;
A Riqueza Das Nações – 5ª Ed.: A Riqueza Das Nações – 5ª Ed., De Smith, Adam. Editora Nova Fronteira, Capa Mole, Edição 5 Em Português, 2023 | MercadoLivre;
ttps://www.brasil247.com/globaltimes/bill-clinton-previu-no-fim-dos-anos-1990-que-china-substituiria-eua-como-maior-economia-revela-livro;
Fotografias:
Friedrich Hayek, Milton Friedman e as Escolas Austriaca e de Chicago – Pesquisa Google;
A revisão de Francis Fukuyama sobre o conceito de ‘O Fim da História’, o desafio à ordem neoliberal, com a superação do capitalismo e o desenvolvimento do socialismo de mercado | Por Fernando Marcelino – Jornal Grande Bahia (JGB);
Ronald Reagan e Margaret Thatcher – Pesquisa Google;
Maquiavel – Pesquisa Google;
quais são os países do BRICs – Pesquisar Imagens;
Qual é o tamanho do novo Brics? Veja em números a dimensão do grupo de 11 países | CNN Brasil;
O Banco dos Brics – Pesquisar Imagens;