O problema é do banco

Por: Antonio Henrique Couras ;

A gente cresce ouvindo que dívida é coisa feia. A mãe avisa, o professor repete, a televisão dramatiza. Mas basta olhar para o mundo real para perceber que os maiores devedores são justamente os que mais mandam na economia.

Quer exemplo? Pegue uma grande construtora. Ela não constrói prédio com dinheiro do cofrinho. Ela pega empréstimos milionários, muitas vezes com taxas camaradas (ou com subsídios do governo), e leva anos para pagar. Muitas vezes rola a dívida para outro banco, outro contrato, outra emissão de debêntures. E se der errado? Bem, aí entra renegociação, recuperação judicial e, às vezes, até perdão parcial da dívida.

Nenhum executivo perde o sono porque está devendo bilhões. Ao contrário: se gaba nas reuniões dizendo “estamos alavancados”. É chique dever. É estratégia.

E se você acha que isso é coisa só de empresa, olhe para os governos.

O Brasil deve trilhões. Os Estados Unidos devem trilhões. A Itália, trilhões. O Japão? Ah, o Japão deve tanto que o número parece um número de CPF.

E o que acontece com eles? São expulsos do “Serasa Global”? Perdem a “carteirinha de cidadão”? Não. Continuam tomando mais dinheiro emprestado, emitindo títulos da dívida, renegociando prazos, ajustando juros. Dívida pública é praticamente uma obra de arte em constante restauração.

Ninguém lá no Congresso está se perguntando “ai, meu nome vai ficar sujo na praça?”. Eles sabem: dever não é vergonha. É ferramenta.

A diferença é que o cidadão comum aprendeu a sentir vergonha. “Nome sujo” virou quase um xingamento, quando na verdade é só um registro burocrático.

Estar no SPC não significa que você será caçado por detetives de terno e óculos escuros. Significa apenas que, por enquanto, você não pode fazer mais dívidas formais. O que, convenhamos, pode até ser uma bênção disfarçada.

O banco? Ah, o banco continua bem. Ele já calculou no balanço que parte das pessoas não vai pagar. Ele já cobrou juros suficientes de outros clientes para compensar. Ele já vendeu sua dívida para uma empresa de cobrança por um terço do valor. E se você um dia pagar, será lucro extra.

Sua dívida tem mais de um ano? Já entrou na gavetinha de “prejuízos” do banco e ele até ja deduziu ela no imposto que ele paga ao governo. E você aí sofrendo mais que mocinha de novela mexicana.

No mundo das finanças corporativas, rolar a dívida é quase um esporte olímpico. Você não paga, renegocia. Troca dívida cara por dívida barata. Troca dívida curta por dívida longa.

Agora, tente explicar isso para a tia que acha que dívida no banco é igual pecado capital. Ela vai dizer: “não, meu filho, isso é feio, tem que quitar logo”.

Mas e se você pensasse como uma multinacional?

E se, ao invés de se descabelar, você aceitasse que aquela dívida é um passivo gerenciável?

E se percebesse que, no grande tabuleiro do capitalismo, quem empresta assume o risco tanto quanto quem pega emprestado? Um banco que empresta dinheiro a quem não tem como pagar é como um empresário ambicioso que aposta em um novo empreendimento. Sabe desde o dia um qur pode dar errado. Faz parte do jogo.

O sistema bancário funciona de forma simples: eles emprestam sabendo que nem todos vão pagar. Isso está nos cálculos, nas taxas, no spread bancário. Então, quando você fica aflito, se martirizando porque deve mil, dois mil, cinco mil… você está sofrendo mais do que o próprio credor.

E aqui vai um segredo que quase ninguém conta: dívida não é uma questão moral, é uma questão comercial.

O banco não é seu amigo nem seu inimigo. Ele é uma empresa. Ele compra e vende dinheiro. E quando a conta não fecha, ele lida com isso como qualquer empresa lida com estoque parado: liquida, renegocia, dá desconto.

O problema é que transformaram estar sem dinheiro em um atestado de incompetência. Isso é mentira.

Na vida real, estar “na pindaíba” é tão comum que deveria ser considerado um estado civil: solteiro, casado, endividado.

O que realmente prejudica não é o nome no cadastro, mas a vergonha que você carrega. Vergonha essa que impede de negociar, de pechinchar, de dizer “não tenho agora, mas posso te pagar tanto”.

Quando você entende que o problema é do banco, não seu, a postura muda. Você deixa de ser o coitado pedindo perdão e passa a ser o cliente negociando um produto que, no caso, é a sua própria dívida.

O megaempresário que compra uma rede de hotéis com dinheiro emprestado e leva 20 anos para quitar. A mineradora que toma bilhões para abrir uma nova planta e renegocia por mais 10 anos. O governo que financia obras com títulos da dívida e rola indefinidamente.

Nenhum deles se descabela. Nenhum deles vai dormir chorando porque “o nome está sujo”. Eles sabem que o jogo é outro: quem deve também tem poder.

Parece absurdo, mas, muitas vezes, o devedor tem mais poder que o credor.

Se você deve mil, o problema é seu.

Se você deve um milhão, o problema é do banco.

Se você deve um bilhão, você é sócio informal do banco.

Isso acontece porque, para o credor, quanto maior o valor, mais interesse ele tem em negociar, em facilitar, em manter algum relacionamento.

Estar devendo a banco não é sentença de morte. É, no máximo, uma relação comercial em crise.

Grandes empresas devem, governos devem, empresários devem. A diferença é que eles não se martirizam.

A pindaíba é passageira, a vergonha é opcional.

Quando a gente fala em “resolver dívida”, a cabeça logo vai para a ideia de sofrimento: cortar tudo, viver de pão com margarina e não sair de casa até o fim dos tempos. Mas, no mundo real, as soluções mais eficazes raramente são as mais tristes.

Pegue seu carro quitado, venda, pague as dívidas de cartão de crédito com juros de 12% ao mês, e conpre um carro novo financiado com juros de 1% ao mês. Dívidas sob controle, e carro novo.

O mesmo pode ser feito com um imóvel que você tenha em seu nome. Venda o imóvel, quite as dívidas e compre mais um ou dois financiados. Se mude para um, alugue ou revenda o segundo com lucro.

O aluguel está pesado? Que tal se mudar para um imóvel próprio? Conseguindo o dinheiro da entrada, as prestações podem ser mais baratas que o aluguel. Talvez você precise ir para uma área menos central, um imóvel menor, mas não só resolverá as dívidas como terá um novo começo.

Devendo o cheque especial? Pegue um empréstimo consignado com juros menores.

A verdade é que dívida não é castigo divino, é contrato. E contrato a gente negocia, adapta, cancela, renova. Bancos fazem isso o tempo todo com empresas e governos. Então, por que você não pode fazer com você mesmo?

Se der para pagar, pague. Se não der, negocie. Se o desconto não agradar, espere. E, enquanto isso, continue vivendo: vá ao parque, leia um livro, cozinhe algo gostoso. A vida não entra em pausa porque o banco quer receber.

No fim das contas, não é sobre ser “esperto” ou “folgado”. É sobre não se deixar esmagar pelo peso simbólico da dívida. Quem deve um pouco está devendo. Quem deve muito, está no mesmo barco — e esse barco está cheio de gente importante: construtoras, governos, empresários de terno e gravata.

A pindaíba pode ser passageira. E quando ela passar, você vai perceber que sobreviveu, que ainda tem histórias para contar… e que, afinal, o problema sempre foi do banco.

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