O sol se pôs no Império Britânico

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Por: Antonio Henrique Couras;

Foi no final do século XVI que os ventos começaram a mudar de direção. A Inglaterra, ainda modesta diante do esplendor espanhol, olhava com desconfiança e ambição para os domínios da vizinha dona dos mares, dos metais das Américas e do prestígio de um império católico. As tensões vinham de longe, alimentadas por disputas de fé, comércio e poder. Até que, em 1588, a grande virada se materializou: a Armada Espanhola, orgulho de Felipe II, foi derrotada pelo engenho naval inglês e por tempestades oportunas. Não foi só uma batalha vencida, foi um sinal dos tempos.

Com esse triunfo, a Inglaterra viu-se autorizada a sonhar mais alto. Fortaleceu sua marinha, traçou novas rotas comerciais, fundou colônias. Com o protestantismo como bandeira moral, a cobiça como combustível e a convicção de superioridade como guia, começou a estender sua sombra por sobre os oceanos. Assim nascia o Império Britânico: não em um único gesto, mas como quem lança uma rede — primeiro nas águas, depois nas margens, e por fim, terra adentro.

Nos séculos seguintes, uma das engrenagens mais lucrativas dessa máquina foi o tráfico de pessoas. Milhões de africanos foram arrancados de suas vidas, vendidos e embarcados à força rumo às Américas. Era o corpo negro que alimentava as plantações de açúcar no Caribe, que arrancava ouro nas minas do Brasil, que colhia algodão sob sol escaldante nos Estados Unidos. E em troca? Londres, Bristol e Liverpool cresciam em palácios, bancos e universidades erguidos sobre sangue e sofrimento.

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O mundo não esqueceu. As marcas desse passado continuam abertas nas periferias, nas prisões, nas estatísticas. É o racismo que ainda habita nossas estruturas, os nomes europeus em sobrenomes de quem não escolheu tê-los, a ausência de reparação que ecoa em cada desigualdade.

No século XVII, o império voltou o olhar para o Oriente. A Companhia das Índias Orientais, que começou como negócio, virou governo. A Índia , chamada com pompa de “joia da coroa do Império”, tornou-se laboratório de colonialismo. A princípio, navios com chá, algodão e especiarias; depois, soldados, leis, escolas e impostos. E a sombra do domínio britânico se instalou não só sobre as finanças, mas sobre a alma indiana.

Com isso, vieram as cicatrizes. Ferrovias que atravessavam aldeias sem as servir. Idiomas calados. Costumes transformados em aberração. O artigo 377, que criminalizava a homossexualidade, foi herança vitoriana que só caiu em 2018. E em 1943, com a guerra acontecendo lá longe na Europa, a fome de Bengala matou milhões enquanto a metrópole desviava comida para sustentar sua guerra. A Índia sangrou em silêncio.

 

Na África, a receita foi parecida: fronteiras traçadas com régua e desdém, etnias misturadas ou separadas à força, riqueza sugada, resistência esmagada. Do Zimbábue à Nigéria, do Quênia à África do Sul, a lógica era sempre a mesma: explorar, controlar, lucrar. E, quando conveniente, partir deixando para trás a confusão que hoje ainda custa a ser resolvida.

Mesmo depois do auge, o Império Britânico não desapareceu por completo. Permaneceu nos detalhes: no inglês falado por quem nunca pisou em Londres, nos códigos legais herdados, nos esportes praticados com fervor, nas bibliotecas cheias de Shakespeare e Dickens. Sobreviveu na Commonwealth (essa irmandade ambígua de ex-colônias) e em Singapura, cidade-estado que virou vitrine do capitalismo asiático, mas que ainda dança entre heranças coloniais e pressões geopolíticas modernas, especialmente no embate sutil com a China continental.

Depois da Segunda Guerra, o império começou a desmoronar. Vieram as independências, uma a uma, muitas com festa, outras com sangue. Anos 60, 70… África, Ásia, Caribe, todos foram deixando a casa do velho império, embora alguns tenham saído pela porta dos fundos. Um desses casos foi o das Ilhas Chagos. Em pleno processo de descolonização, o Reino Unido separou o arquipélago de Maurício, desalojou seus moradores à força e cedeu Diego Garcia aos Estados Unidos para a instalação de uma base militar. Tudo às escondidas, ao velho modo colonial.

Fonte: https://artsandculture.google.com/entity/fome-de-1943-em-bengala/m0502hy?hl=pt-BR

Durante décadas, falou-se pouco sobre isso. Mas o tempo, esse cronista teimoso, cobra. Em 2019, a Corte Internacional de Justiça declarou ilegal a ocupação britânica. Em 2021, a ONU fez coro. Ainda assim, Londres resistia. Foi só em 2025, após pressão crescente, que veio o acordo: a soberania seria devolvida. Diego Garcia continuaria sendo base americana, por ora, mas o reconhecimento já era um marco. O império, enfim, admitia que aquele território não era seu.

Com isso, caiu o último bastião colonial britânico na África. O último ponto vermelho no mapa do domínio foi apagado. E aquele velho dito de que “o sol nunca se põe sobre o Império Britânico”… bem, ele finalmente se pôs.

Mas o que esse pôr do sol significa? Que a arrogância imperial perdeu o fôlego. Que o passado não pode mais ser varrido para debaixo do tapete. Que ainda vivemos os escombros desse domínio e que reparação não é um favor, é um dever.

Às Ilhas Chagos, resta o futuro. Resta a memória e o direito de retorno. Resta a reconstrução possível.
E ao mundo, essa imagem: o sol descendo lento no Índico, pintando o céu de laranja sobre recifes e coqueiros. Um império chega ao fim. E com sorte, com justiça e com persistência talvez a noite traga paz.

 

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