
Por: Neves Couras;
Inspirada por uma declaração da Ministra Carmen Lúcia nas redes sociais, decidi refletir sobre o tema que ela levou ao plenário do Supremo Tribunal Federal: o etarismo. Mas o que é, afinal, esse termo ainda tão novo para muitos de nós? O etarismo é o preconceito, a discriminação e os estereótipos direcionados a uma pessoa por causa da sua idade.
Embora o nome seja novo, o preconceito em si não é. Lembro-me de ouvir minhas tias contarem que minha avó sentia vergonha por ter engravidado aos 40 anos, como se uma mulher dessa idade já não pudesse ser mãe.
Décadas se passaram e, ainda assim, os estereótipos ligados à idade continuam presentes e limitantes, principalmente no que diz respeito às mulheres.
Recentemente, ouvi uma amiga da minha filha justificar uma atitude da mãe dizendo que era “coisa da idade”, afinal, ela “já tinha 40”. Como se 40 anos já fosse sinal de velhice. A sociedade segue fabricando preconceitos, e eles se tornam cada vez mais nocivos, gerando exclusão, sofrimento e até doenças.
O etarismo está por toda parte: no ambiente de trabalho, nas famílias, nas escolas; e a mídia, infelizmente, contribui muito com esse cenário. Mulheres a partir dos 40 enfrentam dificuldades para se manter no mercado de trabalho, perdem espaço, são vistas como ultrapassadas. A exclusão social, a vulnerabilidade e até a violência ganham força quando a idade é usada como justificativa para a rejeição.

O que a sociedade parece esquecer é que, se não morrermos jovens, todos ficaremos velhos. E isso vale para todos, mulheres e homens. A rejeição sofrida por pessoas mais velhas pode gerar sérios problemas emocionais e psicológicos, afetando a autoestima, a saúde mental e as relações sociais.
Há ainda a obsessão com o corpo, alimentada pelo padrão de beleza imposto pela mídia e incorporado, quase sem questionamento, pela sociedade. Vivemos uma busca desenfreada por uma aparência ideal mas inatingível, inspirada em personagens de comerciais e modelos de redes de televisão. Essa obsessão pode causar sérios distúrbios mentais.
Décadas atrás, academias e clínicas de cirurgia plástica eram raras. Hoje, proliferam. E, nelas, encontramos homens e mulheres dispostos a correr riscos sérios, inclusive de vida, para se adequar a um padrão estético que muda constantemente. É uma corrida contra o tempo, contra o espelho, contra si mesmo.
Fico me perguntando como essas pessoas se enxergam nessa jornada por uma beleza que, sabemos, é efêmera. Os termos mudaram, é verdade, falamos agora em “harmonização facial”, “preenchimento“, “bioestimuladores”, mas fico pensando em como ficam, ou ficarão, as mentes de quem vive nessa eterna tentativa de congelar o tempo.
Como bem disse a Ministra: “Homens ficam maduros aos 50, e mulheres velhas aos 30.” A frase escancara a desigualdade do olhar social. Não sou contra procedimentos estéticos, quando são feitos por escolha pessoal, por autoestima, ou para corrigir problemas reais, inclusive de saúde. Mas devemos ter mais cuidado com o que falamos e com quem falamos sobre beleza. Quando passamos a desejar ser “obras de arte”, corremos o risco de nos tornarmos verdadeiros “Picassos”, com feições, digamos, mal posicionadas.

Do ponto de vista espiritual, acredito que nascemos com a aparência que temos por motivos que desconhecemos, mas que fazem parte de nossa missão nesta vida. Intervir no corpo, quando feito por imposição social, é esquecer que nosso valor não se mede por rugas ou flacidez.
As políticas públicas para os idosos no Brasil também reforçam estigmas. Pela lei, somos considerados idosos a partir dos 60 anos. Mas, veja só: nas placas de estacionamento, o símbolo reservado ao idoso é o de uma figura curvada, apoiada em uma bengala. Quem é essa pessoa? Onde está esse senhor ou senhora curvada aos 60 anos como as bruxas dos contos de fadas?
Mentalmente falando, muitas pessoas com 60 anos ainda estão em plena forma. O preconceito, alimentado por imagens, discursos e até políticas públicas mal pensadas, empurra as pessoas para a exclusão. E são, principalmente, as mulheres que mais sofrem. Muitas se submetem a procedimentos estéticos não por vontade própria, mas para agradar homens que as rejeitam, os mesmos homens que, muitas vezes, também estão envelhecendo, mas não aceitam ver os sinais do tempo nas mulheres ao seu redor.
Esse ciclo de rejeição se estende ao mercado de trabalho, que ignora competência e experiência por causa de alguns fios brancos ou sinais de expressão. Assumir essas marcas com orgulho é quase visto como loucura. Onde já se viu não ser escrava da tintura semanal, não esconder cada linha do rosto?
Conheço mulheres que já fizeram tantos procedimentos que é difícil reconhecê-las. Lábios desproporcionais, rostos esticados que não conseguem sorrir com naturalidade. Vi o depoimento de uma senhora que, de tantas intervenções, já não consegue mais fechar os olhos para dormir. Fico pensando: como está sua harmonização interior?

Envelhecer não é fácil. Nunca foi. Mas é natural. E se cuidarmos de nossa saúde desde cedo, teremos mais qualidade de vida. As rugas contam nossa história. Seios caídos podem significar que amamentamos. E nem todas que amamentam ficam assim, mas, se ficarem, que seja com orgulho.
Não adianta reformarmos o exterior se por dentro estamos nos desintegrando. Buscar a beleza para agradar alguém é um erro. Se for para agradar um homem, quando a pele voltar a cair, e ela vai cair, e se você já tiver chegado ao limite das intervenções, ele buscará outra. E, ironicamente, muitos desses homens envelhecem mais rápido. Aos 60 ou 70, muitas mulheres seguem ativas, sem artifícios. Já eles, cada vez mais dependem de medicamentos para o prazer, um prazer que, para muitos, se resume ao ato físico.
Quem ama de verdade, ama o corpo e a alma. Sem isso, não é amor, é sofrimento. E não é raro ver muitos desses homens morrerem em situações tristes, solitárias, despedaçados emocionalmente, deixando às famílias um rastro de dor.
Por isso, que possamos viver a nossa beleza, aquela que nasce de dentro, e que se reflete, com graça e dignidade, do lado de fora.