Por: João Vicente Machado Sobrinho;
Todos nós conhecemos a figura assustadora e apavorante de um tigre, em que pese ilusória e sedutora beleza da sua pelagem. É de conhecimento público, tratar-se de um animal selvagem, de porte avantajado, de hábitos noturnos e de grande ferocidade. Sobretudo quando se trata da defesa do seu território, quando estiver acuado ou, em última instancia, quando estiver faminto ou mesmo em perseguição a uma das suas presas favoritas entre aquelas que integram a cadeia alimentar adequada para os felinos.
À exceção dos biólogos e cientistas, os quais por força de oficio são obrigados a estudar o seu modus vivendis, de aficionados dos Safaris, ou de alguém que tenha visitado algum zoológico, sempre é uma temeridade uma pessoa leiga ter a ousadia de conhecer os tigres, ao vivo e de perto.
Afastadas essas hipóteses, resta aos curiosos, a opção de conhece-los através de fotografias, na pior das hipóteses que são as telas de pintura naturalistas. Nesse caso serão tigres irreais ou tigres de papel.
Por falar na figura inofensiva do tigre de papel, nos vem logo à mente a frase celebre, que foi proferida pelo timoneiro Mao Tse Tung, um dos protagonistas da guerra civil na China. Um conflito armado, que teve início no ano de 1927 e confrontou dois conhecidos modos de produção econômica, onde os objetivos eram diametralmente opostos, antagônicos e incompatíveis.
Por um dos lados da contenda lutavam as forças mais conservadoras e milenarmente oligárquicas da China, predominantemente agrarias, autodenominadas nacionalistas ou patrióticas, (um adjetivo atualmente muito desgastado no Brasil) que lutavam com o objetivo claro de manter o establishement da classe dominante, sob a liderança e o comando militar do general Chiang Kai-Shek.
Do outro lado estava a classe dominada. Amplamente majoritária, todavia inferiorizada militarmente. Adversária do ideário conservador, essa legião de pobres foi organizada e mobilizada por lideranças intelectuais da esquerda chinesa. Empunhavam uma bandeira de luta e de mudanças de viés divergente, onde o objetivo prioritário era, e ainda é, a defesa do bem estar social comum. Os combatentes chineses, acenavam para a maioria do seu povo, com uma proposta revolucionária de adoção de um novo modelo econômico de bens comuns e de direitos isonômicos. Por ser um modelo inclusivo e comum a todos, foi denominado comunismo. A proposta de governança do modelo chamado comunista, era embasada em uma parte, na hipótese da razão, de autoria Sócrates, o pai da filosofia. Na outra parte a proposta era inspirada na tese da dialética de Hegel, a expressão maior do idealismo alemão da época.
O filósofo Karl Marx, cujo pensamento convergia com o de Sócrates no aspecto da razão, ao invés de absorver silente a proposta de Hegel, embasada num idealismo divino e abstrato, propôs como síntese, um modelo concreto, embasado na razão e nos próprios bens materiais manuseados pela classe obreira, ao qual denominou como: materialismo histórico e materialismo dialético.
Ou seja, Marx alcançou a concretude da sua síntese, na matéria prima manuseada pelos operários para transformá-la em bens manufaturados. Aí está a profunda raiz das contradições econômicas, que é uma constante nas relações entre capital e trabalho. Marx idealizou o seu o método materialista e deu de presente ao mundo do trabalho, e um dos agraciados foi um filósofo da China de nome Mao Tse Tung. O fato é que a grande maioria de estados nacionais, embora explorados, ainda não tiveram a ousadia e a coragem que teve a China de empreender uma mudança de rumo na sua macroeconomia. Ou seja, a curiosidade de experimentar outra forma de divisão do trabalho, da renda e da riqueza nacional dos países, de forma mais justa e mais isonômica. As contradições havia chegado ao ponto em que a calça social oferecida pelo liberalismo ficava cada vez mais apertada e não dava mais para a vestir. .
Pois bem, esse consenso filosófico até hoje vem sendo estigmatizado e abominado pelo liberalismo capitalista, com os mais estúpidos adjetivos qualificativos, que se tornam pueris e sucumbem diante da prática selvagem e cruel do liberalismo-capitalista que não aceita, por nenhuma hipótese, abrir mãos dos privilégios de seus adeptos. Na China a mudança só foi feita através do uso da força, pela grande massa do povo chinês liderado por Mao Tsé-Tung. Ao final obtiveram como prêmio um país altivo, com uma gigantesca população de 1,4 bilhões de pessoas, todas elas alimentadas, todas elas abrigadas e a esmagadora maioria trabalhando para conduzir o país para o podium da consagração como a maior potência econômica do planeta terra.
O timoneiro Mao Tse Tung, que estudou o modelo capitalista nas suas entranhas, sabia que o capitalismo é um gato de 7 fôlegos e anteviu a reorganização das forças reacionárias internacionais para defende-lo com unhas e dentes, mal terminada a 2ª guerra mundial. Nessa época teve início à famigerada guerra fria, comandada pelos USAN.
Mao Tse Tung que divergia do pragmatismo revisionista de Nikita Krushchov, o primeiro ministro da URSS, cuidou de preparar a China para o embate com os USAN. A história se encarregou de provar o equívoco da URSS, hoje reconhecido por mais da metade do seu povo, sob a liderança de Vladimir Putin. Foi exatamente por isso, que Mao cunhou essa assertiva, aparentemente debochada, em que ele disse:
“Hoje em dia, o imperialismo americano é bastante poderoso, mas, se formos ver bem, não o é. É politicamente muito fraco porque está separado das massas do povo e é odiado por toda a gente, inclusive pelo povo americano. Na aparência, é muito poderoso, mas na realidade não há o que temê-lo, é apenas um tigre de papel;” (grifo nosso)
Nos tempos atuais, as atenções do mundo estão todas voltadas para as bravatas, para as acrobacias fiscais, para a arrogância, para o amadorismo e para o xenofobismo endêmico do presidente da república dos Estados Unidos da América do Norte-USAN, Donald Trump.
Podemos afirmar que os primeiros 100 dias do seu governo, apesar de previsíveis, foram muito mais caóticos do que aquilo que era esperado. Ele conseguiu se superar!
É bem verdade que esses 100 primeiros dias do seu governo, foram ricos em fatos pitorescos, que vão desde as intimidações, despropositadas, passando por exibições de violências espetaculares, por atos burlescos e espalhafatosos, por bullying tarifários e por outras lambanças características de um verdadeiro saltimbanco de opereta.
É verdade que Trump repreendeu de forma severa e humilhante o seu aliado ucraniano Volodimir Zelensky, ao passar-lhe uma reprimenda pública e enérgica sobre a farra de dinheiro e o sumidouro de recursos, na sua gastança inócua de uma guerra perdida;
É verdade que de maneira atrabiliária, ele expulsou violentamente milhares de imigrantes humildes, originários de países fronteiriços, historicamente aliados e parceiros dos USAN como é o caso do México e do Canadá, com base numa vetusta Lei do século XVIII;
É verdade que desrespeitando as regras e os limites legais do Poder Tripartite proposto por Montesquieu Donald Trump ameaçou acintosamente os juízes da Suprema Corte dos USAN;
É verdade que, de forma amadora, grotesca e jocosa, ele implantou uma gangorra tarifária improvisada, infundada, recorrente, irresponsável e adornada com espetáculos circenses diários. Tudo isso diante de uma imprensa omissa que tenta simplificar um comportamento que é rechaçado pelos próprios liberais ortodoxos dos USAN que o chamaram de Bullying Tarifário.
Como é de domínio público, a partir do final da Guerra Fria e com a extinção da União das Republicas Socialistas Soviéticas-URSS, as mudanças de posição ocorridas no leste europeu de um modo geral, estimularam os arautos do capitalismo a tocarem com espalhafate as trombetas do apocalipse e anunciarem um novo velho modelo que seria o fim da história.
As elites econômicas dos USAN de há muito instruíram os seus Intelectuais orgânicos, para estarem atentos às crises cíclicas do capitalismo encarregando-os de arranjarem meios de salvar o modelo nas suas derrocadas cíclicas, que vêm se tornado mais frequentes.
A partir da crise dos juros imobiliários dos USAN em 2008, as crises tornaram-se cada vez mais frequentes e têm colocado em risco o modelo econômico liberal-capitalista concebido por Adam Smith e David Ricardo. Dessa vez resolveram inovar na aparência e vestiram uma roupagem nova no velho liberalismo, para apresentá-lo de forma disfarçada e palatável a um mundo já ressabiado. Inventaram o que chamam de novo modelo, um velho novo Neo-liberalismo, que ainda evoluiria para Ultraneoliberalismo em alguns países emergentes.
O mundo financeiro já ressabiado e ao perceber que o rei estava nu, entendeu logo que essa “nova” doutrina nada mais é do que o mesmo novo velho liberalismo de Smith, que é apresentado de maneira camuflada como coisa nova. A roupagem que usa pode até ser nova, mas o receituário é o mesmo da cartilha do velho capitalismo selvagem e excludente.
As elites ortodoxas de então, cooptaram e colocaram à serviço da causa, alguns intelectuais orgânicos do prestigio de Milton Friedman, o qual associou o pensamento econômico da Escola de Chicago ao pensamento da Escola Austriaca de Friedrich Hayek para descobrir como” ovo de Colombo”, o Neo-liberalismo.
Desse nicho denominado Chicagos Boys, despontaram nomes como o de Francis Fukuiama, que escreveu um livro sob o título The End of History and The Last Man, ou seja: O Fim da História e o Último Homem.
Não resta dúvidas que os mentores da distopia do Neo-liberalismo, sabiam com antecedência os rumos que tomaria a macro-economia e, os generosos lucros que seriam auferidos pelos grupos econômicos e financeiros. O Neo-liberalismo seria operado pela mão invisível do mercado, seria embalado na rede de balanço do Laissez Faire e se houvesse reação seria combatido com o fantasma Nazifascista que seria ministrado à força. Vejamos ipsis litters o arcabouço do receituário ultraneoliberal que se segue:
“Veja a seguir as 10 regras do Consenso de Washington que delineiam as características do neoliberalismo.
• Disciplina fiscal: o estabelecimento de um teto de gastos públicos, o que, na prática, reduz ou limita os gastos com serviços básicos.
• Redução dos gastos públicos: deve contar com a disciplina fiscal e com outras medidas, como a privatização dos serviços públicos.
• Reforma tributária: reformular o modo de cobrar-se impostos. Em geral, o que o Consenso de Washington defende é a menor taxação de impostos possível.
• Juros de mercado: controlar os juros para que a inflação não cresça.
• Câmbio de mercado: operar trocas de mercado no mundo realizando importações e exportações de produto. Isso pode ser, em para os pequenos e médios empresários.
• Abertura comercial: liberar o comércio com outros países não colocando entraves alguns casos, ruim para a economia local e ideológicos ou políticos que dificultem as relações comerciais exteriores.
• Investimento estrangeiro direto: abrir filiais de empresas estrangeiras no país em desenvolvimento.
• Privatização de empresas estatais: privatizar todos os serviços que forem possíveis de privatização, ou seja, entregá-los à iniciativa privada. No Brasil, tivemos experiências de privatização escandalosas no governo de Fernando Henrique Cardoso, porque nele as nossas empresas estatais foram vendidas a preços muito baixos.
• Desregulamentação (flexibilização de leis econômicas e trabalhistas): flexibilização das leis que regulamentam a economia, o que significa diminuição da participação do Estado na economia, e das leis trabalhistas, o que significa menos direitos para os trabalhadores.
• Direito à propriedade intelectual: garantir aos autores de uma obra intelectual, científica, filosófica ou artística o direito de receber pela reprodução daquela obra.”Os liberais, ao se depararem com o seu modelo às portas da morte por ocasião da grande depressão de 1929, chegaram a ponto de tolerar a contragosto, a última e única alternativa de salvação que seria ministrado em forma macroeconômica heterodoxa. A proposta era do economista inglês John Maynard Keynes.
A efervescência social foi tamanha, que o presidente dos USAN Franklin Delano Rooselvet, aceitou perder parte dos anéis para não perder os dedos das mãos.
A proposta de Keynes era chamar o Estado de volta à economia, com a criação de empregos em larga escala. Ele entendia que com o clima de bem estar social decorrente da renda dos empregados, poder-se-ia desenvolver um mercado interno consumidor mais robusto. O propósito era ressuscitar e revigorar a economia liberal moribunda em todos os estágios: no estágio da economia primaria, (agropecuária) no estágio da economia secundária, (comercio) como também no estágio da economia terciaria. (indústria)
Enganam-se os que pensam que Keynes era comunista. O seu propósito real era muito mais de socorrer o capitalismo e muito menos de mitigar a fome das legiões de miseráveis. Todo esforço de John Maynard Keynes portanto foi para salvar o capital.
Do contrário, a nação estadunidense, que orgulhosa acabara de virar potência do pós guerra, poderia ser seduzida pelos acenos socialistas e se levantar em defesa dessa ideia. Então todas as atenções do capital se voltaram para sufocar a possibilidade do nascimento de outro polo socialista.
Depois, no final de 1981, o debacle da URSS arrastou consigo o Leste Europeu, e as trombetas do liberalismo anunciavam que o fim da história havia chegado, para a alegria da classe dominante. A URSS encerrava uma fase muito breve de socialismo, e dadas as circunstancias do momento, chegava ao que seria o fim da história, com os quatro pneus furados. Porém, como diria o saudoso Mané Garrincha: se esqueceram de combinar isso com os russos e com os chineses.
Na surdina e num ritmo frenético, tanto a própria Rússia quanto a China, começaram a se preparar para o xeque mate que parece ter sido aplicado agora por X-Jinping e Putin As tropelias e peraltices de Donald Trump, parecem ter se exaurido. Elas revelaram que a sua ousadia era de um jogador de pôquer fazendo uso sistemático do blefe, na esperança de ninguém pagar para ver. A China, a Rússia, e os aliados que crescem em número, parecem estar dispostos a pagar para ver. Como ele sairá da carrumbamba em que se meteu somente o tempo irá dizer.
Aguardemos!
Referências:
Mao: “O Imperialismo estadunidense é um Tigre de Papel”;
100 dias de caos: o início do segundo mandato de Donald Trump – Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil;
“China não aceitará o bullying dos Estados Unidos”, diz Pepe Escobar;
Neoliberalismo: características, contexto, teóricos – Mundo Educação:
Fotografias:
Tigre – ecologia, características, subespécies e fotos de tigres – InfoEscola;
Cadeia alimentar do tigre – Pesquisa Google;
(9) Hegel, Marx e a dialética | O mito da “tese-antítese-síntese”, a Aufhebung e a crítica imanente – YouTube;
500 imagens de Mao tse tung Imagens stock, imagens editoriais e fotos stock | Shutterstock Editorial;
Bate-boca entre Trump e Zelensky só beneficia a Rússia;
Meirelles e o Consenso de Washington (Por Samuel Pinheiro Guimarães) | Luíz Müller Blog
MILTON FRIEDMAN: 1912-2006 / Economics guru behind free-market revolution;