Por: Neves Couras;
Sei que já passamos pelo mês de março, este, dedicado à mulher, mas o tema jamais se esgotará, e, como nossas leitoras e leitores já conhecem o meu “jeito” de escrever, certamente não irão estranhar que nossa conversa se estenda um pouco mais. Afinal, além de ser mulher, adoro um bom papo, um bom tema e porque não dizer, nunca me falta assunto.
Gostar de conversar não é algo que surgiu em mim qual a idade, a maturidade dos anos, por assim dizer. Eu sempre gostei de conversar. E que bom que nunca me faltou com quem conversar.
Durante a pandemia, nos mudamos para o sítio, não só para nossa proteção, mas principalmente para dar um pouco mais de liberdade e conforto a meu falecido esposo, que desde 2014 tinha diagnóstico de demência. Foram quatro anos, já chegando aos cinco, que tivemos uma mudança radical em nossa vida. Ele desencarnou em agosto de 2024, mas meu filho e eu continuamos a morar lá.
Confesso que o sonho de boa parte das pessoas que tem ou tiveram ligação com a Terra, sonham em morar no campo. Acordar com o canto dos pássaros, o verde em sua janela, e toda uma flora e fauna a conviver conosco, é realmente encantador. Mas, após alguns episódios que mexem com nosso amor próprio e, com tudo que é imposto a uma mulher, mesmo já tendo passado por tanta dor e sofrimento, faz com que o que é incontestavelmente belo perca toda a sua beleza. Chega o dia que parte do que vivemos precisa ser deixado para trás, fecha-se um ciclo, abre-se outro para que recomecemos.
Recomeçar, recomeçar, recomeçar, quantas vezes já recomecei em minha vida. Tantas que nem posso contar, mas me levantei e, a cada queda, me levanto mais forte. Sou de uma família de mulheres guerreiras e vencedoras.
Neste recomeço, estão sendo colocadas muitas pedras no meu caminho, mas quem tem fé e Deus no coração, nada nem ninguém derruba. E as pedras do caminho tornam-se as paredes da minha nova morada.
As vezes me vejo como uma simples mulher da roça. Magra, alta de sandálias de couro já bem gasta nos pês, e, na cabeça, uma lata d´agua. Vejo a minha frente um caminho coberto de pedras colocadas lá só para testarem minha força. Um caminho muito íngreme que preciso subir. O peso da lata que levo na cabeça não dói mais, já me acostumei com o peso. Na verdade, me sinto uma rainha, considerando que sou capaz de carregar tanto peso, mas subo de cabeça erguida.
Durante todo caminho, sinto o cheiro do mato, ouço o canto dos pássaros, o bom dia ou boa tarde de quem passa por mim. Nessa caminhada, todos me conhecem. Como é bom saber que posso passar pelo caminho de cabeça erguida, apesar do peso.
No coração carrego amor e aprendizado. Aprendizado incorporado ao meu ser de toda uma vida. Feliz porque consegui, apesar das dificuldades e das tristezas, criar três filhos maravilhosos e uma neta que olha para mim e diz:
“Vó, sou bonita e inteligente”. Ergue a cabeça já com altivez de uma mulher que um dia será forte e verdadeira como a avó, as bisas e todas de sua ancestralidade.
Não é fácil para uma mulher que mesmo após tantos anos de conquistas e aprendizados nos ensinamentos de Jesus, ainda ter que passar por sentimentos de homens que levaram toda suas vidas a achar que as suas mulheres nada são. Ou melhor, são as mulheres que apenas dormem com eles, e só balançam as cabeças para dizer “sim senhor”.
O que é isso senhores? Onde vocês, que tanto estudaram, considerados das “famílias tradicionais” estão fazendo?
Falo de mim porque tenho maior orgulho em dizer de onde venho e como vivo: com dignidade.
Nunca baixei a cabeça para homem nenhum, apenas quando pedia a benção a meu pai e meus avós. Fora isso, se tenho razão, encho minha lata de dignidade, coloco a “rodilha” na cabeça e subo. Com fé eu vou, quem tem fé não precisa parar nem tão pouco ter medo.
Vamos que vamos, a estrada é longa, mas cheia de flores, pois todas as pedras colocadas no meu caminho se tornam flores para ornamentar meu jardim.