Por: Antonio Henrique Couras;
O transporte público é uma veia pulsante que conecta os cidadãos às possibilidades e aos direitos que lhes pertencem por definição. Para milhões de brasileiros, porém, esse direito está longe de ser acessível. Nas periferias das grandes cidades e nos municípios menores, a falta de infraestrutura em áreas como lazer, saúde e educação acentua ainda mais a dependência de um transporte eficiente e justo. Essa realidade torna-se ainda mais cruel quando as tarifas de ônibus e metrôs representam um fardo financeiro insustentável para famílias de baixa renda, que muitas vezes gastam mais de 20% de sua renda mensal apenas para se deslocar.
A falta de acesso a um transporte acessível não é só uma barreira geográfica, mas também uma barreira social. Um sistema de transporte público verdadeiramente público, com tarifa zero, é urgente não apenas como política social, mas como instrumento de desenvolvimento econômico e fortalecimento comunitário. E um exemplo concreto de como isso pode transformar a dinâmica urbana está em Caucaia, no Ceará.
Em Caucaia, a implementação da tarifa zero no transporte coletivo trouxe um impacto imenso. Antes dessa medida, muitas pessoas eram simplesmente impedidas de circular pela cidade devido ao custo das passagens. Trabalhadores deixavam de aceitar oportunidades de emprego, estudantes abandonavam escolas distantes e pacientes adiavam tratamentos médicos por falta de condições de deslocamento. Com a tarifa zero, tudo isso mudou.
O número de usuários do transporte público em Caucaia aumentou significativamente. Isso não é surpreendente — quando o transporte deixa de ser um luxo e se torna verdadeiramente público, as pessoas o utilizam como parte de suas rotinas cotidianas. Mais gente circulando significa mais gente consumindo. Pequenos comércios, que antes sobreviviam com dificuldade, viram um crescimento na clientela. Cafés, restaurantes, lojas de roupas e até mercadinhos de bairro se beneficiaram desse aumento no fluxo de pessoas. O dinheiro que antes era gasto em tarifas agora é redistribuído na economia local.
Esse impacto positivo no comércio reflete diretamente na arrecadação municipal através do ICMS. Ao estimular o consumo, a tarifa zero amplia a base de arrecadação, permitindo que o município invista em infraestrutura, educação e outros serviços públicos. É um ciclo virtuoso que demonstra que o transporte público gratuito não é um custo, mas um investimento.
Por outro lado, é importante questionar a lógica do sistema atual de financiamento do transporte público. A tarifa cobrada por passageiro é um modelo ultrapassado e injusto. Em vez disso, deveríamos adotar um sistema baseado no custo por quilômetro rodado. Na qual o ente público pagaria às empresas pelos seus equipamentos e serviços. Essa mudança não apenas tornaria o financiamento mais equitativo, mas também incentivaria a expansão das linhas de transporte para áreas periféricas, onde a necessidade é mais aguda. Atualmente, muitas regiões são negligenciadas porque não são consideradas “lucrativas” — uma abordagem que ignora completamente a função social do transporte.
É preciso entender que transporte público é mais do que um serviço; é um direito. Um direito que permite às pessoas acessar hospitais, escolas, empregos e espaços de lazer. Quando negamos esse direito, estamos perpetuando a exclusão social e limitando as oportunidades de milhões de brasileiros. E a tarifa zero não é uma utopia — é uma solução comprovada que pode ser adaptada e ampliada para todo o país.
É também uma questão de redefinir prioridades. Enquanto gastamos bilhões em subsídios para setores que nem sempre beneficiam diretamente a população, o transporte público continua sendo tratado como uma mercadoria, e não como um bem essencial. Mas a tarifa zero em Caucaia e em outras cidades brasileiras mostra que é possível fazer diferente. Mostra que, quando as pessoas têm acesso ao transporte, elas têm acesso à cidade — e a tudo que ela oferece.
A implementação da tarifa zero não é apenas uma questão de política pública; é uma questão de justiça social. É reconhecer que as cidades só existem porque as pessoas as constroem e as habitam. Um transporte verdadeiramente público permite que as pessoas usufruam plenamente do equipamento urbano que lhes pertence por direito.
Para o Brasil, um país de desigualdades gritantes, a tarifa zero representa mais do que uma mudança no transporte — representa um compromisso com a inclusão, a equidade e o desenvolvimento sustentável. E é um compromisso que não podemos mais adiar.