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Vivos como os Deuses

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Por: Antonio Henrique Couras;

A mitologia grega antiga continua viva em nossas histórias, ecoando pelos séculos, não apenas como um resquício do passado, mas como uma força presente e vibrante em nossa cultura. E a cada nova geração de leitores, a cada nova abordagem artística, esses mitos parecem renascer, como as árvores que desabrocham flores após a estiagem, prontas para nos impressionar com sua vitalidade. Entre tantas figuras épicas que sobreviveram à passagem do tempo, poucas se destacam tanto quanto Aquiles e Pátroclo. Heróis que, como tantas outras figuras da mitologia, não são apenas lendas, mas espelhos de nós mesmos, refletindo nossa diversidade, nossas lutas, e as complexidades das relações humanas.

Recentemente, me vi imerso em “A Canção de Aquiles”, de Madeline Miller, uma obra que devolve à relação entre Aquiles e Pátroclo uma intimidade que, por muito tempo, foi negligenciada ou interpretada sob a lente de tempos menos tolerantes. A forma como Miller aborda essa relação ressoa profundamente com os leitores contemporâneos, especialmente em um momento onde questões sobre representatividade e diversidade são, mais do que nunca, necessárias. Mas a história de Aquiles e Pátroclo, esse laço entre dois homens, não é nova, tampouco sua complexidade. Na verdade, a própria cultura grega antiga, à sua maneira, já reconhecia e celebrava a diversidade em suas histórias.

Se olharmos para Shakespeare, o bardo que dominou a literatura ocidental, veremos como ele, também, foi atraído pela relação entre Aquiles e Pátroclo. Em sua peça “Troilus e Cressida”, Shakespeare explora o ambiente da guerra de Troia, e ali, sem rodeios, insinua a profundidade do vínculo entre os dois guerreiros. O retrato que ele faz de Aquiles e Pátroclo traz à tona um companheirismo que ultrapassa a mera amizade guerreira; o desejo de Aquiles por Pátroclo é evidente, ainda que muitas vezes tratado com uma camada de ambiguidade característica de Shakespeare.

A capacidade de Shakespeare de captar a essência da natureza humana é um dos motivos pelos quais sua obra perdura, e neste caso, ele foi direto ao ponto: a relação de Aquiles e Pátroclo não pode ser ignorada, subestimada ou encoberta por narrativas heteronormativas. Ali estavam dois homens, companheiros de alma e de guerra, retratados de forma íntima. Shakespeare talvez não tenha tido a liberdade que Miller tem hoje para descrever sua relação em detalhes, mas ele plantou a semente que outros autores iriam colher.

Madeline Miller, com “A Canção de Aquiles”, vai além dessa semente, fazendo com que a relação entre os dois seja o coração pulsante de sua narrativa. Ela nos oferece uma visão da mitologia que humaniza seus personagens, nos mostrando que, por trás da fúria e da glória, há seres que amam, sofrem e anseiam, como todos nós. Aquiles, o invencível, tem uma vulnerabilidade que só se revela completamente ao lado de Pátroclo. Eles não são apenas dois guerreiros que partilham o campo de batalha; são amantes que partilham sonhos e medos. Miller nos mostra que, por trás de cada mito, há uma história de amor e também (ou consequentemente) de dor.

É curioso observar como a mitologia, que muitas vezes associamos a grandes feitos de deuses e heróis, sempre foi palco para a diversidade. Na Grécia antiga, a fluidez nas relações afetivas era uma realidade. A figura de Zeus, por exemplo, teve amores com homens e mulheres, e a beleza masculina era tão celebrada quanto a feminina. Mesmo que a mitologia tenha sido escrita e reinterpretada ao longo dos séculos por diferentes sociedades, muitas delas com visões moralistas mais restritas, a essência da diversidade permaneceu. Tão grandes são suas histórias que nem séculos de inquisições, ditaduras e intolerâncias foram capazes de apagá-las.

Aquiles e Pátroclo são, portanto, uma lembrança de que a representatividade não é algo novo; ela sempre esteve presente. As histórias gregas não apenas toleravam essa diversidade, mas muitas vezes a abraçavam. E ao revisitarmos essas histórias sob a ótica contemporânea, como Miller faz, percebemos que elas ainda têm muito a nos ensinar sobre a própria natureza humana.

O que Madeline Miller faz com maestria é nos lembrar que, ao longo dos séculos, as representações da diversidade foram sendo apagadas ou suavizadas. Sua narrativa, como o brotar das flores na primavera, resgata essas relações em sua plenitude, sem medo de mostrar a verdade dos sentimentos que esses personagens compartilhavam. Aquiles e Pátroclo, através de sua lente, voltam a ser o que sempre foram: dois homens cujas vidas e destinos estavam entrelaçados de maneira inescapável, não apenas como guerreiros, mas como amantes.

Isso me leva a pensar no poder que a representatividade tem em moldar nossa percepção da história e da sociedade. Quando olhamos para as narrativas mitológicas com a compreensão de que a diversidade é uma parte natural e necessária da experiência humana, nos tornamos capazes de encontrar, em cada canto do passado, ecos de nós mesmos. Vemos que as questões que hoje debatem nossos tempos modernos – identidade, aceitação, amor entre pessoas do mesmo sexo – já estavam presentes em histórias que moldaram a base da cultura ocidental.

A mitologia grega, com suas figuras sobre-humanas, permanece um palco onde todas as formas de amor, de identidade e de relacionamento podem ser celebradas. Ao revisitar essas histórias, seja na obra de Homero, Shakespeare ou nas palavras de Miller, vemos que elas são universais e atemporais. São lembretes de que, embora as culturas mudem, certos aspectos da humanidade permanecem constantes.

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