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Por: Antonio Henrique Couras;

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Há muito tempo tento cultivar hortênsias, devo admitir, sem nenhum sucesso. Teimosia minha em tentar cultivar esse arbusto que demanda duas ou três regas diárias (daí o seu nome botânico “Hydrangea” que literalmente significa “vaso de água” em grego) além de que o calor e a humidade do meu jardim que são, para elas, verdadeiro purgatório. Nos últimos tempos venho percebendo que, inconscientemente, tenho a tendência de escolher plantas para o meu jardim sempre com flores azuis, caso das próprias hortênsias, mas também dos jacarandás, agapantos, ruélias, tumbérgias… e tantas outras.

Mas uma das curiosidades que me encantam a respeito das hortênsias é que elas são o que chamamos de “bioindicadores”, já que as suas flores podem ser brancas, azuis ou cor-de-rosa dependendo da acidez do solo em que estão plantadas. Quanto mais ácido o solo, mais suas flores ficam azuis.

Mais recentemente, aprendi que outra árvore, muito familiar dos brasileiros, os ipês, são também bioindicadores. Não da acidez do solo, mas das secas. Essa árvore, um tanto teatral, costuma florescer no fim do período seco porque entende que nunca mais verá água e certamente morrerá. Assim, quanto mais prolongada a estiagem maior a sua “floração-suicida”.

No último esforço de perpetuar a espécie, após um período de muita estiagem, a árvore se despe de todas as suas folhas e explode em flores que serão polinizadas e logo virarão frutos e sementes que impedirão a extinção em massa dos Handroanthus (nome científico do gênero), normalmente, como que chamando as chuvas, suas flores caem e o ipê novamente se recobre de folhas e logo se dá o início da estação chuvosa.

Para além das terras marítimas do litoral, catingueiras florescendo indicam que as chuvas se aproximam no sertão, e impossível não lembrar da música de Luiz Gonzaga que afirma ser a florada do Mandacaru um grande indicador do fim da estiagem.

E nessa observação desses seres que são, por natureza, cesseis, ou seja, passarão a vida no exato local onde germinaram, ainda assim, parecem ser altamente dinâmicos. Livres.

Para alguns pode até parecer contraintuitivo chamar de livres seres que são enraizados, mas eu não consigo vê-los de outra forma. É verdade que muitas, se não todas, espécies anuais, ou seja, aquelas que tem um ciclo de vida curto, são escravas de nascerem, crescerem, se reproduzirem e morrerem. Incontáveis são as safras que agricultores vêm fenecer ante os seus olhos sejam por falta ou excesso d’água, por geada ou ainda uma infinidade de pestes. Contudo, árvores, e tantas outras espécies que sobrevivem bem ao passar dos anos conseguem burlar esse curto ciclo.

Quando produzíamos caju, incontáveis foram os anos em que a safra foi prejudicada por chuvas extemporâneas, contudo, as árvores permaneciam lá, frondosas e prontas para, no ano seguinte, cobrirem-se de flores e frutas. Os ipês que plantei no meu jardim, ano após ano, deram minguadas florações. Resultado, claro, da mansidão do nosso clima com períodos de chuva e estiagem brandos.

Disse isso tudo porque venho refletindo que até as árvores são livres para escolher como viver (e morrer). Ao invés de entrar em dormência com o fim do período chuvoso como tantas árvores típicas de biomas semiáridos, o ipê resiste e ao invés de partir como um esqueleto seco, ele escolhe explodir em flores e fazer do seu último suspiro o mais belo.

Ultimamente, ante o fato da liberdade, venho me sentindo assustado. Talvez goste tanto de árvores por elas representarem essa estabilidade milenar que tanto admiro, mas elas talvez representem algo mais. São seres que ainda que com seus troncos imóveis e raízes profundas são vivas, comunicativas e cuidam umas das outras. Talvez elas estejam me dizendo que posso ter raízes e ainda assim crescer, me comunicar e deixar o mundo melhor do meu jeito, respeitando quem sou, observando o meu entorno e reagindo a ele sem, contudo, deixar de seguir a minha verdadeira natureza.

 

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