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Tlamatini

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Para:  Antonio Henrique Couras;

Outro dia me deparei com uma reportagem que falava a respeitos do Tlamatinis, que eram os filósofos da cultura Asteca. Para eles a felicidade não era essencial para vivermos bem.

Por exemplo, suponhamos que do dia para a noite nos fosse dada a imortalidade, as dádivas de nunca envelhecermos ou ficarmos doentes, vivermos rodeados de pessoas bonitas e atraentes, mas (lembrem-se que sempre tem um “mas”) em contrapartida precisaríamos sumir da vida de todos que conhecemos e amamos, sem deixar rastro, nem poderíamos levar sequer o gato conosco. Sumir sem deixar rastros e nunca mais termos ou darmos notícias.

Se ao fazer esse exercício mental o leitor disse que prefere trocar essa vida imortal de infinitas dádivas pela convivência com aqueles que ama, concorda com a filosofia Asteca, que diz que há coisas mais importantes na vida do que a felicidade.

O império asteca que existiu de meados do século 15 até início do 16 quando ruiu com a chagada nos Espanhóis no território que hoje é o México. Os espanhóis queimaram muitos dos documentos astecas escritos em sua linguagem com seus grifos próprios, contudo, também vem dos colonizadores quase que a totalidade do que sabemos daquele povo. São volumes e mais volumes de escritos feitos por sacerdotes católicos que registram o modo de ser e pensar daquele povo.

André de Olmos, Jerônimo de Mendieta, Bartolomeu de las Casas são alguns dos responsáveis por tais registros. O mais famoso deles sendo o Códice Florentino, escrito pelo missionário franciscano Bernardino de Sahagún. Um dos livros escritos pelo religioso, mais especificamente o sexto volume, dedicado à moral e à filosofia, contém discursos primorosos dos Huehuetlatolli, os sábios e anciãos daquele povo.

Ao contrário do que pensadores clássicos do velho mundo como Platão, Marco Aurélio e até mesmo Buda, que afirmavam que a ética, os valores e virtudes se iniciam no indivíduo que deve ser domado, controlado… para só então partir-se para o coletivo, a filosofia dos Huehuetlatolli dizia o exato oposto. Precisamos começar a mudança pelo entorno, o ambiente, nossas relações para só então podermos focar em nós mesmos.

O enfoque Asteca era na sociedade, porque eles acreditavam que ninguém é perfeito e precisamos de uns aos outros para seguirmos adiante. Como diz o Dr. José Manuel Cuéllar, doutor em filosofia: “O enfoque Asteca se centra na comunidade. Nesse sentimento de pertencimento. Uma entidade coletiva, uma entidade viva. Aqui não se busca a perfeição, não se busca a imutabilidade. Nós precisamos dos outros para seguirmos em frente.”.

León Portilla nos dá em seu livro a tradução de um texto em que resume claramente esse conjunto de papéis que os tlamatini tiveram no mundo náuatle.

Para os Astecas ter uma boa vida e ser feliz não estava necessariamente conectado. Existe um ditado Asteca que resume esse problema: resvaladiça, escorregadia é a Terra, no sentido de que, como está citado no Códice Florentino “Talvez algum dia se teve uma vida boa; depois caiu-se em algum mal, como se se tivesse escorregado no barro”. Ou seja, cedo ou tarde todos nós escorregamos. Para os filósofos astecas não era realista a ideia de uma vida perfeita onde não se cometeria nenhum erro. A questão não é buscar a felicidade, que muitas vezes é passageira, mas uma vida que valha a pena ser vivida.

Inclusive tinha-se uma palavra para isso “Neltiliztli”, que pode ser traduzida de muitas formas como, enraizado, raízes fortes, pé no chão ou mesmo verdade e bondade. E a firmeza, que buscavam os Astecas estava em sua comunidade. Os Astecas acreditavam que esse “enraizamento” era a forma mais efetiva de enfrentar os inevitáveis erros e deslizes que vamos ter que lidar nessa Terra escorregadia.

Esta filosofia traz implícita outra virtude que não vemos frequentemente em nossa sociedade: a humildade. Nas palavras de Sebastián Purcell, especialista em filosofia Asteca:

“Não se pode ser sábio praticamente a menos que seja suficientemente humilde para escutar outras pessoas que sabem mais coisas sobre uma área do que você. Mesmo que você seja super inteligente etc., você simplesmente não vai saber o suficiente. Então humildade está implícita na sabedoria prática de uma maneira que não está normalmente presente nas manifestações ocidentais que se encontra sobre a ética e a virtude.”.

Então, os Astecas tinham algumas formas de cuidarem da sua vida. A primeira era cuidando do corpo, faziam exercícios diários. Inclusive, se recuperaram figuras de diferentes posturas muito semelhantes às da Yoga. Também davam muita importância à mente e aos sentimentos e, como não poderia deixar de ser, se valiam da vida em comunidade, fossem vizinhos, amigos, enfim, toda a comunidade que poderiam ajudar sempre que um ou outro, inevitavelmente, escorregaria.

Por fim, a ligação com Teotl, a divindade que representava a natureza. Assim, os Astecas buscavam o seu bem estar não na fugidia felicidade, mas através da busca de uma vida completa, cuidando do corpo, dos pensamentos e sentimentos juntos em comunidade e com respeito à natureza e o meio em que viviam. Aparentemente, Vinícius de Moares estava certo quando disse que era impossível ser feliz sozinho.

 

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