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Enterrei os umbigos

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Por: Antonio Couras;

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A essa altura não é mais surpresa para o leitor o meu amor por árvores. Com o passar dos anos eu venho as admirando como poderosos gigantes que apesar de frágeis aos machados, serras e chamas dos homens, são os sustentáculos do céu.

Muitas culturas veneram esses seres pela sua qualidade única de ligar as três esferas cósmicas: o submundo tocado por suas raízes; nosso mundo onde podemos ver seus trocos e o firmamento sustentado pelos seus galhos.

Ainda que muitos dos exemplares que vemos ao nosso redor nos sirvam mais de fonte de alimento e sombra, se o leitor aguçar o seu olhar, aqui ou acolá poderá ver sobreviventes dos machados humanos que, ainda que relativamente jovens, cumprem seu papel de ligar os mundos.

Como tudo aquilo que nos fascina também nos assusta em certa medida, as árvores também têm esse efeito comigo. Como outrora ouvi em um filme: “Árvores velhas que sabem. E elas sabem que nós sabemos que elas sabem”. Árvores são seres com os quais eu prefiro não mexer. Nem a maior baleia azul é tão longeva nem surge de tão ínfima semente e tornando-se tão grande como uma gigante sumaúma.

Baleias, elefantes, girafas… ainda que ocasionalmente se encontrem com seres humanos, podem fugir, ou até mesmo atacá-los. A arvores não. Mas não achem que as árvores são indefesas. Estudos já explicam por que alguns tocos insistem em não morrer: através de uma rede de raízes, suas vizinhas os mantêm vivos por séculos e, às vezes, os ajudam até a rebrotarem. Outras árvores como prosaicos eucaliptos ou mangueiras têm, em suas folhas, venenos que conforme vão se decompondo no solo, envenenam qualquer outra espécie ao seu redor para que reinem sozinhas em seu habitat. Uma verdadeira guerra química.

Particularmente, até ter suas entranhas devoradas por besouros que a infestaram, a mangueira de meu jardim me enviou algumas vezes para o hospital por eu seu alérgico a todas as suas partes.

Também, já ouvi diversas anedotas, inclusive a de um vingativo arborista, que plantou “inocentes” árvores no jardim de um desafeto sem informar à pobre vítima que em dez ou vinte anos as gigantes folhudas iriam destruir todo o sistema de esgoto e alicerces de sua casa já que elas tinham violentíssimas raízes e nada nunca poderia ser feiro já que tais árvores são ameaçadas e têm a sua derrubada proibida onde vive o paciente jardineiro.

Também, alguns dizem ser prudente usar uma dessas preciosas espécies de árvores em covas de corpos que seriam melhores nunca encontrados. Uma boa oferta de suco de defunto para a árvore em troca de ocultamento de cadáver. Mas você não ouviu isso por mim.

Não me furtando de um pouco de malícia, já há alguns anos que venho povoando as terras que cercam a minha casa com jacarandás, perobas, paus-brasis, ipês… e toda sorte de árvores nativas para que seja totalmente inviável, no futuro, construírem algo por aqui. Espero poder dar boas gargalhadas sentado em fofas nuvens vendo o reboliço que centenárias árvores causarão.

Já há alguns meses comprei pela internet algumas mudas, e dentre elas a de uma gameleira (só Deus sabe qual das espécies, apesar de me ter sido vendida como uma fícus granítica), ao menos tive o cuidado de não plantar mais uma das exóticas figueiras importadas da Ásia como as abundantes fícus elástica que, gigantescas, adornam praças e jardins.

Em minha defesa, as mais de 50 espécies de árvores dessa família botânica nativas do Brasil, são, para mim, indistinguíveis entre si. Mas ao menos creio que se a mudinha que adquiri não for nativa dessas terras, suas primas o são e ambas além de compartilharem das mesmas características, cumprem o mesmo papel ambiental.

Seus frutos alimentam de insetos a mamíferos, sua copa os protege, e sua sombra permite que novas espécies vegetais se desenvolvam ao seu redor. As figueiras são grandes “mães” na floresta. Inclusive sendo essenciais na recuperação de áreas degradadas.

Segundo o Pesquisador Leandro Pederneiras, especialista nesse grupo de árvores: Um aspecto interessante, é a relação estreita entre esta árvore e as religiões. Consta que foi à sombra de uma bodhi – nome dado à Ficus religiosa na Índia – que Buda atingiu a iluminação. Acredita-se que a árvore mais antiga, plantada no ano 288 a.C. esteja no Sri Lanka. Acreditando que a madeira do Ficus sycomorus possuía poder sobre a vida e a morte, os egípcios a utilizavam para construção dos sarcófagos dos faraós. Maias e astecas produziam o papel utilizado em seus livros sagrados a partir da casca das figueiras e, no cristianismo, a figueira é citada na Bíblia, pois com suas folhas Adão e Eva cobriram sua nudez quando expulsos do paraíso. “Dentro de cada célula das figueiras de hoje há um DNA modelado há 60 milhões de anos, que sobreviveu a todos os percalços da história da terra. História esta que é sobre a biodiversidade, mas também climática, geológica, paleontológica, genética, ecológica, química, todos de suma importância para o desenvolvimento humano”

Uma das características desse grupo de árvores, é que algumas espécies têm a capacidade de brotarem nos lugares mais inóspitos, inclusive sobre outras árvores, onde podem, por anos, viverem em perfeita harmonia com o seu “poleiro”. Até que um dia suas raízes tocam o chão. A partir daí é apenas uma questão de tempo até que a figueira estranguladora faça valer seu nome.

Com raízes capazes de chegarem a 70m de profundidade e uma copa que passa dos 50m essa gigante, como uma sucuri de madeira, vai apertando sua vítima até que não seja mais possível a circulação de seiva entre folhas e raízes, mas antes disso, é mais comum que a figueira “mata-pau” impeça que toda a luz do sol chegue à sua hospedeira.

Curioso como simples árvore pode iniciar sua vida como uma simples epífita, crescendo apoiada em outra planta, mas quando tem a oportunidade de conseguir seu lugar ao sol o faz, ainda que outros sucumbam ao seu redor, para, então, ter uma vida de matrona da floresta capaz de sustentar o céu e nos ligar ao mundo dos mortos.

Assim, não foi por acaso que essa semana pedi que minha mãe desenterrasse das profundezas de seu guarda-roupa os umbigos dos três filhos. Estavam devidamente embrulhados como pequenas múmias de gaze como no dia em que caíram de nossas barrigas.

Com minha pazinha, a muda e os umbigos embrulhados parti para um canto afastado do jardim onde essa gigante poderá passar os seus dias sem perturbar ninguém. Ali, pela terceira vez, “plantei” umbigos ao pé de uma árvore. Escolhi essa especialmente por ser capaz de abarcar em sua complexidade a personalidade de três irmãos, tão diferentes como os dedos das mãos.

Os antigos diziam que sempre deveria se enterrar o umbigo da criança assim que caísse, para que não fosse roído de ratos e o sujeito “ficasse malino”. Normalmente os lugares preferidos eram ao pé de uma roseira para a criança crescer bonita, na porta de uma fazenda para ser grande fazendeira, perto de um hospital para ser médica… e por aí vai conforme a imaginação do sujeito.

Espero que passadas algumas décadas (graças a Deus sem roeduras de camundongos) a longeva figueira estranguladora, que gera vida ao seu redor, nos dê força, generosidade e uma vida longa para vermos o mundo mudar ao nosso redor.

 

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