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Coletânea de Ignorâncias

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Por: Antonio Henrique Couras;

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Acredito que uma das perguntas que demonstram mais ignorância a respeito do hábito da leitura é a que frequentemente faz-se a pessoas que possuem uma biblioteca. Sejam apenas algumas prateleiras ou uma série de estantes em um cômodo específico, sempre surge alguém que pergunta se já lemos todos os livros que possuímos, ao que posso garantir a resposta sempre será um cansado não.

Já ouvi que o hábito de colecionar livros e o hábito de ler livros são dois hábitos completamente diferentes, o que de fato é verdade. Herdei, da minha mãe, alguns livros que fazem parte de uma grande coletânea de clássicos publicados pela editora Abril. Uma beleza. Capas duras com douraduras, laterais metalizadas… lindos na estante. Também herdei uma coletânea de enciclopédias Larousse de um tio-avô. 23 volumes mais 3 enormes dicionários todos datados de 1964.

Depois que descobri que a coleção não era composta apenas pelos vinte e poucos volumes comprados a duras penas pela minha mãe nas bancas de revista de Brasília na época em que minha mãe trabalhava como vendedora no Distrito Federal, me empenhei a buscar os volumes restantes em sebos do Brasil inteiro. A coletânea de clássicos foi sendo expandida por cerca de quatro anos até que consegui encontrar todos os volumes que a compunham originalmente. Alguns me custaram menos de dez reais, outros mais de cem. Mas completei a coleção de clássicos da Abril (as vezes publicada com outros nomes, capas em cores diferentes, mas tentei me manter o mais fiel possível à proposta original da editora).

Tento, cotidianamente lê-los, contudo apesar de tê-los como grandes tesouros, não pretendo ler alguns dos volumes que possuo. A Odisseia, Ilíada e a Divina Comédia, por exemplo, que são grandes poemas, foram transformados para o formato de prosa, o que realmente foge da ideia original dos grandes épicos. Outros possuem traduções que me parecem um pouco confusas, e assim por diante…

Por mais difícil que possa ser para mim, gosto de desafiar meus conhecimentos do inglês tentando ler Shakespeare no seu idioma original, assim como Dante. Outras obras estrangeiras, como os clássicos gregos, que já entendi que precisaria de mais duas existências para ser capaz de lê-los no idioma original, prefiro fazê-lo com outras traduções que não as que compõem a bela coleção, como a incomparável tradução de Millôr Fernandes de Antígona, obra de Sófocles, que já tratei aqui neste mesmo espaço.

Quanto ao conjunto de enciclopédias Larousse de 1964. Bem, amarrei-as com tiras de couro e transformei-as em mesinhas de apoio. Por mais que sejam grandes testemunhas da história, pouca serventia me tem hoje ainda mais que pré-datam, por exemplo a criação dos estados do Mato Grosso do Sul (criado em 1977), Rondônia (criado em 1981), Tocantins, Roraima e Amapá (criados apenas em 1988), para citar apenas alguns dos exemplos que pude aferir em rápidas folheadas pelos grandes volumes.

Nem mais os dicionários me servem mais. Por mais poético que Cora Coralina faça parecer a antiga grafia “Goyaz”, três acordos ortográficos da língua portuguesa foram editados desde então.

Quanto aos livros, passei uma rápida vista pelas minhas prateleiras e acredito que devo ter cerca de 50 livros não lidos. São volumes que falam desde o Marquês de Pombal, passando pela queda do Xá da Pérsia até a vida de piratas modernos que se esquivam das leis ao navegarem por Águas Internacionais. Espero realmente poder ler todos esses volumes que lutam contra a poeira que cobre os volumes mortos nas estantes, mas quando eu chegar a fazê-lo, outros tantos volumes ocuparão seus lugares de obras ainda não lidas.

Provavelmente nunca, eu ou qualquer outro leitor, lerá todos os livros que possui. Alguns livros porque realmente são muito ruins, outros, estão além da nossa capacidade de compreensão, mas, principalmente porque nossa curiosidade ante o mundo, fatos, histórias e vidas é muito maior que a nossa capacidade de aprender sobre tudo isso. Ao contrário do que pode parecer ao leigo, uma grande biblioteca não é sinônimo de uma grande inteligência, mas é o reconhecimento de nossa enorme ignorância ante a grandiosidade da obra humana. Uma biblioteca não é um troféu de conquistas, mas uma lista de desafios a serem cumpridos, de conhecimentos a serem aprendidos, mundos a serem visitados e vidas a serem vividas.

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