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Nu com a mão no bolso

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Por: Antônio Henrique Couras;

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Imagine o leitor qual não foi a minha surpresa quando, essa semana, vi uma matéria na Folha de São Paulo que falava do uso de fiscais e drones para controlar a presença de pessoas, digamos, com suas vergonhas expostas, em uma praia de Florianópolis. Em pleno 2024 as pessoas ainda estão caçando pelados em praias brasileiras.

Nessas ocasiões me vem à mente sempre o poema de Oswald de Andrade:
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Nós, esse país continental, e tropical quase de ponta a ponta, em que roupas só se tornaram coisa de uso cotidiano do século 19 pra cá, hoje caça pessoas peladas em praias com drones. Essa realidade ainda me impressiona.

Compreendo a relação que nós fazemos entre nudez e assédio. Um homem pelado na rua pública no meio da noite, de fato, passa a mensagem de assediador. Quando uma mãe diz à sua filha que coloque mais roupas ao sair de casa, é com a intenção de proteger a filha do assédio. Mas onde foi que nós, como sociedade, demos tão errado que a nudez se tornou não só sinônimo de assédio, como um crime?

O Davi de Michelangelo ficou da renascença até 1912 com suas vergonhas esculpidas em mármore de Carrara cobertas por uma folhinha de gesso.

Eu poderia trazer aqui algum estudo antropológico que falasse de vestuário ou de costumes da Grécia antiga ou do Brasil pré-colonial, mas o fato é que, apesar de ser muito influente, a moralidade não necessariamente é o fiel dessa balança.

Na Europa a nudez é considerada comum, principalmente em países como Suécia ou Alemanha. E não é coisa de hoje, o costume de desfrutar a natureza ou as saunas (o caso da Suécia) é algo tão comum que até o mais violento dos conservadores considera o costume de seus compatriotas algo comum. Suecos usam comunalmente suas saunas e até as usam para fazerem negócios importantes. Alemães são conhecidos por fazerem trilhas nas florestas usando apenas botas de montanhismo (não sei o que é pior, o frio ou a possibilidade de expor certas partes a picadas de mosquitos).

Em praias francesas não é incomum encontrar-se moças sem a parte de cima do biquíni, contudo usam a parte de baixo na moda “paninho de café”, cobrindo tudo. Enquanto as brasileiras, grandes adeptas do fio dental acham o topless algo impensável.

Não só na Europa ou no Brasil, mas no mundo inteiro a cultura da nudez não anda, necessariamente, de mãos dadas com uma cultura progressista. Existem no mundo libertários vestidos e pelados conservadores.

Estou arrodeando feito cachorro quando vai dormir aqui para poder perguntar ao caríssimo leitor qual o mal dos peladões nas praias brasileiras? A sua sugestão é tão boa quanto a minha, ou a de uma infinidade de antropólogos.

Pesquisas e estudos apontam que nossas crianças, estatisticamente falando, estão mais em perigo em suas próprias casas com amigos, vizinhos ou parentes sendo a enorme maioria dos abusadores do que em praias de nudismo (claro que casos existem, mas a maioria dos abusos se dá em casa mesmo). As leitoras podem corroborar com a informação que estarem cobertas da cabeça aos pés nunca impediu que fossem assediadas.

Uma amiga minha conta de como se sentia vulnerável em seu último trabalho quando, em uma fábrica, se sentia despida, ainda que com o uniforme da empresa. Diziam que ela andava rebolando para chamar atenção dos homens. O fato é que ela tem uma perna ligeiramente mais curta que a outra. O rebolado era um manquejar!

Eu acredito que essa nossa aversão ao nudismo, ainda que em praias, ou mesmo aversão à existência de espaços em que as pessoas possam transitar livremente sem roupas, reside em um medo colocado em lugares errados. Não precisamos, aliás, não devemos fomentar esse pensamento proibicionista. Precisamos, como sociedade, punir os abusadores, os assediadores, os pedófilos, não aqueles que querem usar pouca roupa ou nenhuma. Pôr na roupa (ou na falta dela) o motivo ou justificativa do assédio é a perpetuação de um costume de culpabilizarmos as vítimas, não os algozes.

Não vou dizer ao leitor, ou à leitora que pratique um nudismo protestante, já que nem eu mesmo faria isso. Sou muito apegado a manter o sol, a areia e os mosquitos longe de mim. Mas proponho uma reflexão: que há de mal na ausência de roupas? Quando tomar banho de mangueira pelado no jardim deixa de ser um prazer infantil e passa a ser um tabu?

Dizem que a maldade está nos olhos de quem vê. E eu acredito piamente nisso. A adolescência chega, para muitos de nós como um grande choque, não pelas mudanças do corpo, mas porque somos “amadurecidos”. De uma hora para a outra nossos corpos deixam de ser livres de pecado e passamos a nos sentirmos envergonhados, nossa nudez não é mais algo livre, nos tornamos pecadores. A adolescência e a vida adulta são a experiência da expulsão do paraíso.

Espero que a manhã de sol de Drummond chegue e possamos “ despir o português” e que não precisemos mais de guardinhas caçando pelados nas praias

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