Por: Karen Emília Formiga;
Você já deve ter ouvido falar que crianças são esponjas e absorvem tudo que fazemos e dizemos.
Ainda que essa premissa já tenha sido difundida em algum lugar, quase sempre não estamos tão atentos ao fato de que sim, é verdade: a criança, em sua primeira infância, está o tempo todo aprendendo.
Essa é uma preocupação que só nos cerceia quando nossos filhos ganham o status de criança, e deixam de ser um bebê, muito embora o comportamento imitador esteja presente desde os primeiros meses de vida.
Ali, por volta dos 4 meses, o bebê sorrir de volta para você. Como pais deslumbrados que somos achamos que ele está interagindo, quando na verdade há um reflexo de sobrevivência muito acentuado – o pequeno mamífero está copiando uma ação.
Depois, a fase dos besourinhos e barulhinhos com a boca. Mais para frente, já próximo ao primeiro aninho de vida, o aceno de tchauzinho, o beijinho que mandamos primeiro, a gargalhada que nos arranca suspiros, são imitações de nossos comportamentos.
Antes de uma determinada idade, a reserva emocional de uma criança é quase inexistente. Resguardado o instinto, como o cheiro da mãe, por exemplo, não há como um bebê sem maturidade de sentimentos sorrir por vontade própria. São reflexos, instintos e imitação de quem chegou num mundo desconhecido e precisa sobreviver. O mais lógico e que se copie condutas de quem está a mais tempo por aqui e que se não parece mais só mais forte, parece, também, ter um certo posto de liderança.
Entra, por aí, a discussão da inteligência da racionalidade e dogmas científicos que não entrará no mérito destas linhas.
Os parágrafos preambulares servem somente para reafirmar que as crianças são mais que esponjas, que absorvem mais não refletem o que absorveram, elas são espelhos.
Cristalinos, transparentes, mostra-nos, a todo instante, o que estão consumindo enquanto aprendizado e no que estão se transformando, com base naquilo que estão vendo.
Quando saem da nomenclatura de bebê e ganham a patente de crianças, elas evidenciam o comportamento de reprodução. É na fala, nos gestos, nos gostos que elas passam a reproduzir tudo que está em sua volta.
É numa palavra desconhecida no cotidiano, copiada de um amiguinho da escola, ou nos trejeitos da professora, tão imitados na primeira infância, quando brincam de escolinha, ou na forma como os cuidadores diretos tratam os animais e lidam com quem não está inserido no contexto familiar, quase tudo é copiado.
Preservado a bagagem da própria personalidade da criança, as modulações comportamentais quase sempre são referências daquilo que se vivencia.
Um adágio popular consolida esse pensamento: uma criança aprende mais com o exemplo que damos do que com aquilo que falamos. Isto porque, dada a imaturidade fisiológica cerebral, só resolvida com o tempo, uma criança não absorve, não compreende e não internaliza frases e palavras. É quando, dentro da nossa falta de estudo e conhecimento, acreditamos que, por volta dos 3, 4 anos, ela está nos testando, desafiando nossos limites (enlouquece-nos), tirando de nós o pouco de paciência que ainda sobrou depois de anos falando e falando, quando, na verdade, ela só não compreende na íntegra o que precisa ser feito.
A menos que você faça junto. A menos que você se sente 789 vezes no chão para guardar os brinquedos junto com a sua criança, ela não vai guardar, apenas porque você a mandou fazer isso. Não antes dos 5, 6 anos.
Booom! E jogaremos gasolina no fogo da parca paciência que tínhamos. E explodiremos com uma miniatura que não conseguiu entender o que você disse, embora você acredite que sim, que ela já entende tudo e deveria obedecer. “Está ficando mal criado”, dirá uma avó que “na época dela, as crianças eram diferentes”.
Não. Não eram. Eram exatamente iguais. E foi assim que a humanidade sobreviveu: copiando comportamentos ancestrais.
Copiamos a forma de vestimenta, dialetos, maneiras de comer, formas de pensar. Mas não paramos para analisar que a imitação é mais que um reflexo da e na humanidade, ela é, também, um instinto. De sobrevivência.
Pais refletem e veem refletidos nos filhos quem eles próprios são: isso pode ser uma maravilhosa experiência ou um completo desastre. A criança eloquente, articuladora, questionadora tem pais que a encorajam ser assim e, mais do que isso, eles próprios são assim também.
Uma criança leitora tem pais leitores (ou alguém, como cuidadores primários, com hábitos de leitura).
Uma criança que apresenta medos, para além do que sua idade permite, tem alguém perto com medos iguais.
Isente as birras, as brincadeiras de lutas (essas, também, aprendidas com alguém), toda a sua pueril precocidade racional, ainda em desenvolvimento e temos espelhos, refletindo nossos comportamentos e condutas o tempo inteiro.
Talvez, esse seja um pilar difícil de lidar na parentalidade – não é fácil nos perceber por tanto tempo.
Essa semana, enquanto esperávamos num consultório médico para uma consulta, Augusto recriou comportamentos que me deixaram irritada: rolou no chão por nada, correu, subiu nas cadeiras, desceu escadas, apertou botões de elevadores. Fiquei a manhã toda irritada com ele, até lembrar o porquê ele estava agindo com aquela específica conduta: eu mesma estava num dia caótico. Tinha manchado uma roupa dos meninos que amava. Não havia dormido bem, dada uma virose de repetição que já nos acomete por semanas. O meu nariz congestionado estava me deixando aflita. Augusto me mostrava que alguma coisa não estava bem, em mim.
Saí do consultório com ele para tomar um café, pegar um vento e lembrar de comprar remédio para o nariz, quando eu recuperasse minha capacidade respiratória integral, as coisas entrariam num rumo rotineiro de sempre. Augusto foi assumindo outro comportamento e modificando seus gestos “transgressores”.
Manuela não tem dois anos ainda. Mas sempre que me vê varrendo a casa, pega a pá para apanhar o lixo. Isso porque ela já me viu fazendo a mesma coisa inúmeras vezes.
Não é mágica. É reprodução de condutas. Em dias mais tranquilos, com pais descansados, felizes, otimistas, as crianças estarão na mesma sintonia. O contrário é verdadeiro. Porque é reflexo. Nada mais que isso.
O que seu filho vê em você?
Que cuidado a premissa do “exemplo arrasta” tem ocupado nos nossos dias?
Quais dos nossos traços gostaríamos de ver perpetuados não espécie?
Outro dia, li que nós não conhecemos os nossos pais, conhecemos, sim, uma versão, sobrecarregada, exausta emocionalmente e cansada fisicamente de pais que deram de tudo para uma geração que reclamou de ter tudo.
Fez sentido. Para mim, fez!
Em pais que não pensam sua parentalidade com propósito, pais (ou cuidadores) sempre preocupados com dinheiro, com a melhor escola, com os melhores status, haverá filhos que terão isso em algum lugar nos recônditos de suas almas, que seja. Dentro de alguma gaveta emocional bagunçada, precisando de ordem.
Propiciar aos nossos descendentes as melhores coisas que temos em nós, assumindo que nem sempre conseguiremos dias promissores, atestar nossas falhas e nossa pequenez, na miserabilidade da nossa humanidade, mas, também, fornecer a grandeza de nossas superações, enquanto pessoas é saber que formar um outro ser é, antes de tudo, olhar-se num espelho e perceber o que queremos deixar. Para o mundo!