Por: Antonio Henrique Couras;
Isso de fazer arte sob encomenda, apesar de ser um eterno exercício de criatividade, tem um enorme desafio chamado inspiração. Não é sempre que temos uma musa cochichando ao nosso ouvido nos dando ideia do que falar. Nesses últimos tempos me desafiei a algumas coisas nesse espaço, uma delas foi me não passar horas e horas comentando notícias já tão debatidas pelo noticiário. Poderia dizer que o fiz para que o leitor tivesse um descanso mental de tais acontecimentos, mas o motivo foi mais egoísta. O fiz por mim mesmo. Não conseguia passar dias ouvindo notícias sobre alguma tragédia humanitária ou calamidade climática e ainda tecer argumentos sobre o tema. Pensar é algo exaustivo.
Assim, me propus, me aproveitando da demanda desse espaço, a observar as coisas mundanas da vida que incontáveis pessoas no mundo não têm a oportunidade de observar. São as flores que desabrocham, uma travessura felina ou um chá quentinho numa porcelana bonita.
Acredito ter sido Charles Chaplin que disse que a vida, em close-up, é uma tragédia, mas em plano aberto é uma comédia. No sentido que os momentos mais difíceis que passamos, no momento em que estamos passando, sempre nos parecem o maior obstáculo de nossa existência, contudo, com o passar do tempo, se tornam meras anedotas. Ariano Suassuna, que dizia que toda situação ruim de passar se torna uma história boa para contar, tinha razão. Tudo é uma questão de qual ângulo enxergamos o mundo.
No meu jardim, debaixo de um frondoso e perfumado jasmim indiano, instalei um banco. Que só eu e os gatos usamos. Não parece ser muito convidativo já que fica escondido num canto do jardim, mas, para mim, é o melhor lugar. É verdade que o caramanchão já viu dias melhores, o jasmim precisa sempre ser podado, mas a vista que eu tenho sentado ali não tem preço.
Ali eu vejo que uma caixa d’água sem uso e algumas pedras viraram uma fonte com peixinhos e aguapés floridos. O que um dia foi um campo estéril, hoje, miraculosamente, apresenta um gramado verdinho com plantas exuberantes. Até a falecida mangueira se tornou escultural depois de ter que ser parcialmente derrubada. Hoje cultivo uma buganvilea em seu tronco, e talvez um dia tenha uma montanha florida e descabelada.
Os jacarandás continuam a me impressionar com a sua exuberância esguia. Não consigo acreditar que essas árvores, que hoje são, talvez, as mais altas da propriedade, um dia foram mudinhas mirradas que eu mesmo plantei.
Nesses momentos em que me sento no banquinho para me recuperar de uma crise de asma depois de insistir em podar alguma planta ou arrancar o mato dos canteiros, me dou conta que não me lembro dos infindáveis projetos que não deram certo ali. Das inúmeras plantas que plantei e feneceram, seja pela agressividade da grama que as sufocou, seja por não se adaptarem ao clima, por terem sido devoradas por formigas, ou mesmo pela minha falta de cuidado ou habilidade em seu cultivo. Tudo que vejo hoje sentado em meu banquinho são as pleomeles que estão enormes, os jacarandás, os ipês, as flores dos aguapés, as paredinhas de pedra que fiz e o gramado verdinho que nem parece que há uma semana estava coberto de mato.
A vida é meio que isso. No ímpeto de construirmos nossos jardins, nos damos mais conta das plantas que morreram, das pragas ou do mato do que das plantas que prosperam a olhos vistos. O dia a dia consome a poesia da vida. Não Gosto de dizer que por tal ou qual motivo, mas assim o é. Se não formos atentos aos problemas eles nos consomem, mas também não podemos esquecer que é preciso, de vez em quando, sentarmos e observarmos o que já fizemos.
Poderia continuar aqui falando da importância de olharmos, principalmente em momentos em que no sentimos desestimulados, para o que já conquistamos, contudo, vou desviar um pouco desse caminho.
Dizem que a depressão é excesso de passado e a ansiedade é excesso de futuro. Como pessoa que flana a vida tentando evitar esses males, posso dizer que não é uma coisa nem outra. Sofremos de excesso de presente.
Gosto de dizer que quem sofre desses transtornos tem um cérebro em constante curto circuito e que os fusíveis não dão conta das coisas da vida. Situações que para um talvez sejam algo banal, para nós, são algo que nos faz querer nos esconder debaixo da cama. Não é fácil, simples, muito menos algo que nós consigamos controlar.
Mas voltando ao nosso passeio no jardim, disse isso tudo para que o leitor se lembre, assim como eu tento me lembrar, de ver que o presente também está recheado de conquistas. Seja a conquista de um medo, um relacionamento, um trabalho ou coisas mais mundanas como conseguir forrar a cama ao se levantar ou fazer três boas refeições no dia.
As vezes me lembro de já ter desejado muito coisas que hoje faço com facilidade e até mesmo sem me dar conta de que faço. Seja conseguir fazer um bolo com detalhes em bico de confeitar, seja pintar belas flores. Um dia sonhei em fazer isso. Sonhei em conseguir falar outras línguas, trabalhar com pessoas de outros países… quando menos esperei o amanhã dos sonhos se tornou presente. É verdade que nem sempre as coisas saem como nós planejamos, mas, como dizia no Chaplin, no plano aberto da vida a cena é verdadeiramente mais aprazível.
Convido o leitor, pelo menos de vez em quando, a olhar a vida em plano aberto e observar as conquistas do passado, as vitórias diárias do presente e também que nunca se esqueça de olhar com olhos de esmeralda cheios de esperança.